domingo, 5 de agosto de 2012

ENFIM...



Juliana silencia e dona Ornella olha para todos. Gabriel está com a mão tapando a boca e com os olhos vermelhos, arregalados. Ivette segura a cabeça e o rosto entre as mãos, com os dedos estendidos, como se quiszesse tapar os ouvidos e não ouvir mais nada. André está de cabeça baixa, calado. Diante do constrangimento reinante, a boa senhora arremata:
_Bom, é isso!... Acabou!... Espero que tenham gostado!...
Nenhum dos presentes se predispõe a responder. Por seu turno, Juliana olha de um lado para o outro, sem entender toda aquela comoção. Em seguida, abre um lindo e estusiasmado sorriso e dispara:
_Ah! Eu amei!...

TESTEMUNHO


Um ano após nossa vitória, grande romaria se fez à Somlyó. Székelys de todos os cantos de nosso país vieram assistir à missa em agradecimento à Virgem. Uma imagem Dela com o Menino _que pareciam tão sofridos quanto nosso povo _foi levada a um singelo santuário de madeira, erguido no meio do campo onde ocorreu a batalha. Uma pequena feira se formou para atender à toda gente. Bandeiras, fitas e flores enfeitavam as carroças dos peregrinos. Crianças fofas e lindas mostravam que nossa raça sobrevivia. 
Passei os quatro anos seguintes morando com Mihail em nosso castelo. Não tive de me preocupar mais com Greta, pois esta foi viver em Kolozsvár, junto com os filhos, tão logo a paz se fez. Porém, nem tudo era bem-aventurança. Era estranho esconder minha condição e viver como uma espécie de doente, tendo hábitos diferentes como jamais sair ao sol brilhante, beber leite de cabra não fervido e, vez por outra, sair à noite para caçar salteadores na estrada, ou para encontrar os ciganos. Dizia a Mihail simplesmente que ia cavalgar. Ele compreendia e não se opunha. O povo porém comentava sobre as saídas noturnas da estranha irmã do marquês de Somlyó. E muitos repetiam "_Ela é vampira!" e outros confirmavam "_Sim, ela é vampira!".
Neste meio tempo _enquanto me debatia com estes pequenos dilemas domésticos _János Sigismond abdicou ao trono da Hungria, a que tinha direito, deixando-o para os Habsburgos, e formalizou-se como príncipe da Transilvânia. Porém, perdeu seu título pouco depois, quando István Báthory foi eleito pelos representantes da maioria das casas. Um ano depois, Sigismond tombava morto. Alguns disseram que foi de desgosto e melancolia. Eu, porém, aprendi o suficiente com Oanna para reconhecer todos os tipos de crimes cometidos com o uso de venenos. 
Em 72, quando a doença condenou meu já idoso frei Emil, revelei-lhe minha condição. Tanto para ele, quanto para Andrei, que ao lado de seu companheiro estava sentado, pegando sua mão, sem conseguir conter sua dor. Deitado à cama, frei Emil simplesmente acariciou meu rosto e disse:
_Isso não importa, minha menina. Amo e sempre amarei você do mesmo jeito...
Minhas lágrimas rolaram grossas. Ele fez-me prometer que também revelaria tudo à minhas irmãs. Após seu enterro, em uma nublada manhã de outono, no cemitério da abadia franciscana, parti imediatamente para Kolozsvár. Minhas irmãs ficaram um tanto assustadas. Vladia um tanto desconcertada. Mas me aceitaram. Vladia aproveitou o ensejo para me convidar novamente:
_Irina, venha morar conosco. Juliu casou-se há um ano. Sarka mês passado. Apenas Lisia está comigo agora. Há espaço demais sobrando nesta imensa casa! Mesmo com Mila e as criadas, me sinto só aqui.
Ri-me quando ela disse isso. Mila riu também. Vladia continuou:
_Poderá levar uma vida quase normal. Você é linda! Com certeza terá muitos clientes, que suprirão toda sua necessidade de... sperma!... _e riu-se quando pronunciou esta palavra que lhe era desconhecida. Em seguida prosseguiu. _Se tudo o que disse for verdade, terei a casa lotada todas as noites. Seremos mais ricas que nunca! Venha! Prometo mandar a cozinheira fazer comida sem alho para você.
Não pude deixar de rir novamente quando ela disse isso. Aceitei finalmente seu convite e, de fato, consegui lotar a casa todas as noites. Minha fama em Kolozsvár era absoluta! Choviam presentes e pedidos de casamento. Passamos a levar uma vida de princesas, tão ricas nos tornamos. Atendendo ao conselho de Vladia, guardei o grosso de minha fortuna em um banco. Notei neste momento que uma nova ordem se formava no mundo: a dos capitalistas. Como não notara antes!... Não era de admirar quantas pessoas mais tornavam-se infiéis a cada dia. O protestantismo, em especial o de Calvino, passou a ser a fé deles, mercadores e banqueiros. E estes cresciam como mato nas cidades. Apenas para mostrar que o mundo dos guerreiros, como os székelys, se exauria.
Tal fato porém não me incomodava, desde que visse o sorriso de Lisia. Como ela estava ficando linda! Olhar para ela era praticamente olhar para mim, uns doze anos antes. E ela me adorava. Fazia questão de imitar-me o jeito e até as roupas. Graças à Vladia, consegui ter, no tempo em que residi em Kolozsvár, uma vida familiar. Mas como acontecera no castelo, com Mihail, minhas alegrias ao lado de minhas irmãs não demorou muito tempo.
Um incidente mostrou definitivamente a fragilidade de minha condição. Fomos convidadas a assistir ao casamento de Erzsébet, sobrinha infiel do príncipe István. Após a cerimônia, a jovem noiva se aproximou de mim e investigou, cheia de interesse:
_Então você é a famosa Irina, de que tanto falam!
Não lhe respondi, apenas a fitei com o semblante fechado, mostrando meu desconforto com sua impertinência. Ela prosseguiu em um tom que achei soberbo e algo perverso:
_Meu Deus! Então é verdade! Você é linda! Parece mesmo ter a minha idade e não os vinte e sete anos que lhe atribuem. 
Tocando e acariciando meu rosto, indagou:
_Toda esta beleza e juventude vêm... do sangue?...
A fitei com força. Seus olhos miravam os meus com a ansiedade dos lobos famintos. Para não ter de lhe responder, afastei-me:
_Com sua licença!
Deixei o palacete de Vladia quando retornamos à Kolozsvár. Expliquei-lhe que já estava ficando difícil esconder que eu não envelhecia. Baixando os olhos de tristeza, ela aceitou meu argumento. Mais difícil foi explicar à Lisia minha partida. Disseram que eu iria estudar na Rússia. No dia da partida, abraçou-me com força, chorando, sem querer me largar. Depois, correu gritando para o quarto. Vertendo lágrimas, com o coração esquartejado, despedi-me de Vladia e Mila.
Tomei então o coche rumo à Brasov. Tive de aceitar o fato de que estava condenada a morar com Oanna. Quando cheguei em seu castelo, ela me recebeu com um sorriso sínico e vitorioso nos lábios. Apesar de voltar à rotina normal, passei a fugir de vez em quando, refugiando-me na caverna de Calidora para refletir. Esta então apresentou-se-me vazia, sem os pertences de minha "irmã", que foram levados pelos ciganos. Devo admitir que a caverna nua estimulou mais ainda minha meditação. E foi por conta do hábito de vir aqui que comecei a escrever estas memórias.
Hoje, concluo aqui meu testemunho. Ao longo de um ano e meio, tenho relatado, com toda a exatidão possível que minha memória permite e com o zelo dos ascetas, tudo o que se passou comigo e com minha casa. Não tenho nenhum temor quando estou aqui, nenhuma preocupação. Nem a possibilidade de reencontrar Traian me intimida. Este, por sinal, desapareceu. Assim como Florin e Ioan, de quem nunca mais tive notícias, mesmo no reino dos mortos. Traian deve estar no fundo de alguma caverna, hibernando, como disse Oanna, se refugiando no tempo. De qualquer forma, isto não me importa. Saturno também é meu senhor. Tenho a eternidade para enfrentá-lo, o infinito tempo para viver... ou penar!... Aqui portanto fico!

Irina de Somlyó, 07 de janeiro, do ano da Graça de 1577.

PAZ


É evidente que a exultante alegria da vitória, logo foi substituída pela dor da perda. Marton e seus filho, Miklos, nos deixaram, assim como o corajoso Boldizsár, o aldeão que se ofereceu, junto com outros companheiros, para reforçar nossas tropas. Vênus sabe o quanto eles foram fundamentais para nossa vitória! Seu funeral foi singelo, ao som da duda, porém digno dos melhores guerreiros. Triste foi ver as viúvas e crianças chorando. Uma faca cortou meu coração, ao ver Maryann chorando, inconsolável, se debruçando e agarrando ao corpo do pai. Afastei-me, não suportei! Lembrei-me de papai... Em minha mente, uma única frase se repetia sem parar: "_Maldito Sigismond!". Para aumentar minha dor, no dia seguinte, o corpo de papai foi finalmente levado para o nosso cemitério. Frei Emil realizou nova e singela cerimônia. Mais que tranzida de dor, limitei-me a derramar lágrimas e pôr uma rosa sobre seu túmulo.
Passados os dias de luto, Mihail mandou fazer uma grande festa, para comemorar o primeiro mês de nossa vitória. Os franciscanos, porém, exigiram que antes da festa fosse realizada uma missa no campo onde ocorrera a batalha, em memória dos mortos. A missa foi linda! O fato de tê-la visto de longe _protegendo-me do sol, à sombra dos pinheiros _talvez a tenha tornado até mais bela. Todo o povo estava lá reunido. Os franciscanos trouxeram a imagem da Virgem com o menino Jesus _que pareciam tão sofridas quanto nosso povo _e agradeceram à ela pela vitória e pela paz que finalmente estávamos desfrutando.
De fato, Sigismond pareceu ter desistido de nos atormentar após esta batalha. Pouco a pouco, não ouvimos mais falar em nenhum embate, em qualquer lugar que fosse do país. A única informação que nos vinha, era a de que seus homens se detinham na fronteira oeste, como se quisessem nos isolar do resto da Transilvânia. Ir para Kolozsvár se tornou impossível. Isso porém, não nos incomodou. Mantínhamos nosso comércio com oriente e com os ciganos. Nos concentramos na reconstrução de nosso país.
Passei a morar com Mihail, em nosso castelo. Foi cheia de alegria que vi minha terra voltar pouco a pouco a ser o que era: linda e feliz! Só sentia dor em não poder passear por ela em uma linda manhã de sol, como fazia antigamente. Mas os dias nublados do outono me eram profundamente gratificantes quando chegavam. Durante o verão, minha felicidade eram as tertúlias noturnas que fazíamos no castelo, com os amigos. Mika se impressionou com minha nova capacidade para beber e permancer acordada e alegre. Não parecia mais aquela menina que tombava de sono durante os festejos.
O ano de 1568 começou e não tivemos nenhuma animosidade. A tranquilidade só foi quebrada quando um jovem cavaleiro chegou com uma mensagem inesperada:
_János Literati manda lhe dizer que o príncipe convocou uma reunião! Disse que ele quer propôr a paz!
_O que? Está brincando comigo, rapaz?! _irritou-se Mihail.
_Não, senhor! Eu mesmo estou espantando! Mas lhe asseguro que foi o próprio Literati quem me enviou aqui! Aqui está sua carta, com sua assinatura e selo!
Mihail abriu a carta e a leu com atenção. Em seguida balbuciou:
_Meu Deus!... Como é possível isto ser verdade?...
Era inacreditável, mas era verdade! Em dois dias, Mika partiu em viagem para Kolozsvár. Ele se hospedou na casa de Vladia e, acompanhado de János Literati, foi até Turda, onde foi realizada a solene reunião. O que Mihail me contou, em carta, sobre este momento foi o seguinte:

"_Lá chegando, encontramos vários companheiros, líderes de nossa resistência. Assim como líderes saxões do levante de 62. Os convidados esperaram pelo príncipe em uma elegante sala, até que ele apareceu... Sim, ele mesmo, em pessoa, János Sigismond Zápolya!... Calvo, porém ainda jovem, escoltado por dois guarda costas, com o semblante fechado de quem ainda não decretara paz em seu coração. A forma como pisava forte com suas longas botas e a mão o tempo todo sobre o cabo da espada, delatavam isso. Ao seu lado, um senhor de cabelos brancos, que transparecia maior serenidade: Ferenc Dávid. Por sinal, foi este quem abriu a reunião. Fez longo e eloqüente discurso sobre a liberdade de crença e deu início às discussões de foro teológico. Confesso que, nos dias que se seguiram, fugi das palestras de Giorgio Blandrata, o médico italiano que prega contra a Trindade. Estavam ele e Ferenc Dávid então apresentando sua nova igreja, que agora também é a igreja do príncipe, a Igreja Unitária. Por fim, após muitos discursos piedosos, a paz foi sancionada! Após penarmos ali do sexto ao décimo terceiro dia deste mês de janeiro, finalmente vimos e ouvimos o que queríamos: 

'Sua majestade, o nosso Senhor, de que forma ele - juntamente com seu domínio - legislou sobre o assunto de religião nas dietas anteriores, na mesma matéria agora, nesta Dieta, reafirma que em todo lugar os pregadores devem pregar o Evangelho e explicar cada um segundo a sua compreensão, e a congregação se gostar, bem. Se não, ninguém pode obrigá-los para as suas almas não sejam satisfeitas, mas devem ser autorizadas a manter um pregador cujo ensinamento eles aprovam!'

Ao ouvir a leitura deste texto, confesso que não consigo imaginar que estas palavras tenham vindo daquele homem calvo e obstinado que vi ali sentado, sempre com a mão sobre o cabo da espada. Antes sim, creio que elas tenham vindo não apenas da boca, mas do coração de Ferenc Dávid, que foi quem o leu. No mais, quero dizer que em breve estarei de volta, para abraçar minha Maryann e meus filhos e para contar a você, minha linda e corajosa Irina, como tudo se passou, com mais detalhes."

De fato, quando Mika voltou, passamos muitos dias conversando sobre este evento. Nunca pensei, em minha consciência, desde que vim ao mundo, que se pudesse fazer paz entre diferentes crenças. A própria Bíblia conta sobre como Jeú e seus soldados passaram todos os sacerdotes de Baal no fio da espada.

segunda-feira, 30 de julho de 2012

TEMPESTADE


Santuário em Csiksomlyó (antiga Somlyó), no local onde os székelys venceram as tropas de János Sigismond, no dia de Pentecostes de 1567.


Ao amanhacer, nossos homens tiveram de limpar a frente do castelo com panos protegendo-lhes as narinas, pois o odor dos corpos era de uma podridão indescritível. Mesmo aqueles que estavam calcinados até os ossos, exalavam um fartum ácido, que parecia vir do próprio inferno. Aquele foi um sábado que começou cheirando à morte! Todos os corpos foram enterrados em uma grande vala e encobertos com cal.
Embora o sol da primavera estivesse forte aquela manhã, permaneci fora, ao lado de Mika e dos homens. Protegi-me sob uma capa, mantendo o rosto sempre debaixo do capuz, para que a claridade não me incomodasse tanto. O calor ruborizou minhas mãos, mas apenas Mika notou isso.
Enquanto limpavam a praça de combate da noite anterior, um jovem cavaleiro székely chegou a cavalo, a todo galope. Sem fazer rodeios, anunciou:
_Preparem as tropas, o exército do príncipe está a caminho! São muitos homens! Já estão a menos de um dia de viagem daqui! _anuncia o ofegante rapaz.
Mal terminou de ouví-lo, Mika não pensou duas vezes, determinou:
_As mulheres e as crianças devem permanecer no mosteiro! Deixaremos alguns homens lá. Todas as mulheres que forem mais graúdas em tamanho devem permanecer armadas, de guarda nas janelas. Se os soldados do príncipe entrarem, a ordem é que os ataquem com o que tiverem nas mãos, com dentes e unhas se for necessário. Em caso de desvantagem, não devem exitar em incendiar tudo!... Quanto a nós, devemos nos reunir no campo ao pé do morro! Parte de nosso contingente deve permanecer escondido na floresta, atrás, e só atacar após o início da batalha, como reforço! Irina, você ficará no comando desta tropa.
_Sim! _lhe respondi prontamente.
Neste momento, Marton apareceu com um pequeno exército de cerca de quarenta aldeões que vinha em fila. Mikca olhou para a tropa com surpresa e Marton lhe explicou:
_Eles querem lutar.
Antes que Mika respondesse o que quer que fosse, um dos aldeões, magro e de músculos rijos, como um bode, se adiantou:
_Senhor, nos deixe lutar! Seu exército precisa de reforços. Somos fortes e temos nossos facões e foices como armas.
_Mas e suas famílias? _questionou Mika.
_Tenho duas filhas em idade de casar e não quero vê-las estupradas pelos infiéis. _explicou o aldeão. _Por isso, senhor, lhe suplico!...
Sentindo firmeza em seu pedido, Mika assentiu com a cabeça. Voltou-se então para Marton e disse:
_Ainda sobraram alguns mosquetes, dê a eles!
Marton assentiu e Mika voltou-se para mim:
_Irina, você fica com eles na floresta.
Assenti com a cabeça. Porém, ao ouvirem meu nome, alguns aldeões se sobressaltaram, olhando para mim com desconfiança e temor. Percebendo sua reação temerosa, o líder de músculos de bode os censurou:
_Deixem de asneiras! Preferem morrer nas mãos dos infiéis?!...Virarei um vampiro hoje, se isto for necessário para salvar minha família!...
Desconcertados, eles se baixaram o olhar. Mika, no entanto, com este incidente, teve um lampejo. Voltou-se para mim e disse-me ao ouvido.
_Pensando bem, é melhor você se disfarçar de homem. Acho que os soldados de Sigismond estão loucos para pegar você. Se eles verem uma mulher no campo de batalha, saberão que é você.
Assenti a cabeça positivamente, concordando. Ele continuou:
_Lhe arranjarei um traje, fique tranquila. Ah!... E não solte os cabelos.
Ri levemente em resposta, com o último conselho.
Neste momento, inusitadamente, frei Emil surgiu com o abade, frei György, mais dois noviços. Estavam todos paramentados para a missa e carregavam o cálice e o cibório, ambos devidamente cobertos pelos sanguíneos. Vendo que não me assustava, os aldeões pareceram se acalmar.
A pequena comitiva eclesiástica parou diante dos soldados e estes, percebendo que iria se realizar um evento religioso, se ajoelharam prontamente, sem que fosse preciso o abade pedir. Apenas eu permaneci de pé. Olhei então para frei Emil por um instante e me retirei. Ele baixou o olhar em resposta, compreendendo minha atitude, porém sem aceitá-la em seu coração. Mika contou-me o que aconteceu depois.
Uma vez que todos os fiéis estavam prontos, frei György começou:
_Queridos irmãos, vim aqui apenas para lhes lembrar que hoje é o dia de Pentecostes. O dia em que o Senhor enviou seu Espírito aos apóstolos e estes realizaram grandes prodígios. Peço então ao Espírito de Deus que vos ilumine e conceda poder para lutar contra nosso obstinado inimigo, assim como concedeu força sobre humana a Sansão e destreza a Davi, quando este teve de lutar contra Golias. Quero agora que peçam perdão por seus pecados em seu coração...
Os homens baixaram a cabeça e, de joelhos, balbuciaram seu pedido de perdão, ou simplesmente o fizeram em seus corações. Frei György então concluiu:
_Senhor Deus, peço que nos conceda força e perseverança neste momento tão crucial e que nossa Santa Mãe interceda por nós em nome de teu Filho, in nomine patris, et filii, et espiritus sancti. Amen!
Todos fizeram o sinal da cruz em resposta. Uma fila então se fez em frente a frei György e este deu início à comunhão.
Enquanto a cerimônia seguia, experimentava as roupas que Nándor me emprestara. Apenas a camisa me serviu, as calças ficaram muito apertadas, por conta de meus quadris mais largos. Nándor era alto, mas um tanto magro. Mais uma vez acabei ficando à moda dos dácios. Só que desta vez, tive o cuidado de improvisar uma calça curta por debaixo da camisa. A confeccionei recortando a parte dos quadris de uma velha calça do rechonchudo Szabolcs. Ela me cobria somente a partir do alto da dobra das coxas, deixando os movimentos de minhas pernas livres e protegendo minhas vergonhas, ao mesmo tempo. Pus então a capa, baixei o capuz e voltei para o meio dos homens.
Mal o piedoso evento teve fim, nosso olheiro aparece a todo galope:
_Preparem-se, eles estão vindo!...
Já montada em Agathon, surgi entre meus homens e os chamei:
_Vamos! Para a floresta!
Eles obedeceram sem pestanejar. E diria mesmo que me seguiriam até o inferno, tanto que olhavam para as minhas pernas. Nos escondemos à sombra dos pinheiros. Pedi a Dionísio, em meu coração, que a sombra nos ocultasse o suficiênte. Roguei também à Mãe Vênus que me concedesse um céu sombrio, para que eu também pudesse lutar. Os homens de Mika se organizaram no campo. Estavam prontos para matar e morrer. Haviam enfrentado demônios na noite anterior, por isso não temiam mais nada!
Em meu canto, montei em Agathon e preparei-me. Meu príncipe árabe relinchava, já excitado para sair a galope. Mas eu o continha:
_Calma, meu príncipe, calma!... _sussurrava em seu ouvido, acariciando seu rosto e penteando sua crina com os dedos.
Vi o imenso exército de Sigismond surgir no horizonte, como uma inundação! Estava descansado e bem armado, ao contrário do nosso. Mesmo assim, nossa infantaria aguardava o inimigo de mosquete em riste, disposta a matar, ou morrer!... Gritando furiosa, a infantaria do príncipe subiu em direção aos székelys. Nossos homens esperaram até que se aproximassem o suficiente. Quando puderam olhar nos olhos do inimigo, dispararam a primeira leva de tiros. Os primeiros corpos caíram sem vida, rolando morro abaixo.
Enquanto nossa ala de frente recarregava seus rifles, a segunda já se erguia e disparava. Os soldados do príncipe, no entanto, eram como o fogo, avançando morro acima como se a grama e a terra os alimentasse. Nossos primeiros mortos caíram em meio a disparos, manchando o verde da grama com o vermelho de seu sangue. Uma sucessão de disparos se seguiu, com corpos tombando de ambos os lados, feridos, ou mortos. A infantaria do príncipe parecia brotar do chão. Quando não convinha mais gastar munição e o choque entre as tropas mostrou-se inevitável, as espadas foram desembainhadas. Os homens se engalfinharam!... Ouviu-se gritos e ranger de dentes!
A cavalaria de Sigismond então aproveitou para mostrar sua força. A todo galope, subiu e se lançou contra nossa infantaria. Já preparado, Mihail deu ordem a nossos cavaleiros:
_Atacar!
Gritando, nossos cavaleiros desceram sobre o inimigo como vespas! A confusão mortífera da batalha se fez presente. Meus homens já se impacientavam para entrar em combate.
_Senhora, deixe-nos ir! _suplicava o aldeão líder.
Eu simplesmente lhe respondia:
_Calma! Se entrarmos muito adiantados, atrapalharemos os homens de Mihail!
Isto era um fato, mas meu coração agonizava por não ver uma única sombra encobrir o sol. Na batalha, não conseguiria me encobrir o tempo todo com a capa. No campo, para meu desespero, os homens de Mika começavam a cair em desvantagem, frente ao grande número de soldados inimigos. Neste momento crucial, Vênus me concedeu sua graça!... Nuvens sombrias carregadas surgiram e um céu escuro e tempestuoso se formou. Dei um beijo no rosto de Agathon e lhe sussurrei no ouvido:
_Vamos lá, meu menino, é hora de entrarmos na festa!...
Com um grito, dei ordem para meu exército partir:
_Atacar!
Meu belo príncipe partiu a todo galope, meus homens nos seguiram, gritando furiosos! Surgimos da floresta como assombrações. Como que desobedecendo o conselho de Mika, com a velocidade do galope, meu capuz descobriu minha cabeça. Sentindo o vento tempestuoso em meus cabelos, desembainhei minha espada. Como uma tempestade, meu exército adentrou na batalha. Os soldados de Sigismond se assustaram com nossa chegada. Seus capitães arregalaram os olhos! Como vampiros famintos de sangue e carne, meus guerreiros começaram a matar. Vendo-os cair sem medo sobre os soldados do príncipe, lembrei-me mesmo dos lobos, durante os ataques às tropas de reforço.
Por meu turno, com minha espada, rasguei o rosto do primeiro incauto. O segundo recebeu uma estocada entre as costelas, no lado esquerdo. O terceiro teve a garganta aberta. O quarto veio a todo galope, por trás, pronto para descer sua espada e me partir a cabeça ao meio. Mas senti sua chegada e puxei minha adaga direita, que cravou-se em seu coração. Sem pestanejar, tomei minha pistola, voltei-me para frente, e estourei os miolos do cavaleiro que já se lançava à dez pés de distância. Guardei então a pistola e chamei de volta minha adaga, que derrubou o corpo do cavaleiro ao se desencravar de seu peito.
Não demorou para que o espaço à minha volta se abrisse. Pois o que o inimigo via à sua frente era uma assustadora vampira ruiva, com os olhos mais vermelhos que os próprios cabelos e as presas prontas para se banhar em sangue. Não pude evitar, quando enfurecida, minha natureza feroz se mostra. Para a infelicidade de Mika, não dava para esconder quem eu era. Eu era a odiada e aterradora Irina, o flagelo do exército de János Sigismond!...
Como balas caindo do céu, senti os pingos de água me acertarem direto na cabeça e nas costas. A tempestade finalmente desabou!... O mundo rugia! O sangue escorria sobre o chão como se fosse um rio. Durante um tempo que pareceu interminável, a fúria da guerra se fez presente. Os homens se batiam, fosse de pé, fosse deitados. Lembrei-me das almas danadas, que se contorciam no rio do inferno, na Comédia de Dante. Foi quando percebi que a batalha "escorria" morro abaixo. "_Não acredito!... Eles estão recuando!...", pensei comigo.
 E de fato, tão logo a chuva abrandou, ouvimos os gritos do comandante inimigo:
_Recuar! Recuar!...
Era inacreditável!... O imenso exército de Sigismond batia em retirada! Reduzido que estava a poucos sobreviventes, que agora fugiam assustados. Aos gritos, nossos homens festejaram. Ensopada dos pés à cabeça, suja de sangue e lama, também ergui a espada... e gritei!...

sábado, 21 de julho de 2012

BENÇÃO


 
Enquanto frei Emil e Andrei acordavam os criados, corri para o castelo. Em minha mente, chamava por Mihail.
_Mika, acorde! Acorde! Mika!
Sentindo meu desespero e entendo, mesmo sem palavras, a razão de minha aflição, ele despertou. Ao seu lado, Mayann também despertou assustada.
_O que foi, Mika?
Ele simplesmente pulou da cama e respondeu sem rodeios:
_Vamos ser atacados! Leve as crianças para o mosteiro e fique lá! Rápido!...
Em pouco tempo, todos estavam acordados. As mulheres corriam para o mosteiro, levando as crianças. Os homens armavam os canhões e carregavam os mosquetes no castelo. Pedi então a frei Emil:
_Diga ao abade para ficar de vigílha, rezando o terço! Diga para rogarem para a Virgem Maria por proteção! Dê ordem para que ninguém deixe a igreja, por nada neste mundo!...
_S-sim... _respondeu ele atordoado.
Tão logo ele cumpriu minhas ordens, o puxei pelo pulso e determinei:
_O senhor ficará comigo, no castelo! Deixe Andrei conduzindo a oração com as mulheres! Venha!
Fomos então nos juntar a Mika, Marton e os demais homens. Para meu horror, mal o povo se reunira na igreja e os soldados se puseram a postos, um estranho vento surgiu da floresta e gelou a todos. Os soldados se assustaram. Olhei para a escuridão, entre as árvores, e pude divisar pontos vermelhos como fagulhas se aproximando. Traian e seu exército estavam vindo.
Não demorou para que sua imagem terrível aparecesse, montados em cavalos com as órbitas dos olhos reviradas, sinal de que estavam possessos. Ao ver vampiros tomando a frente do castelo, muitos homens que se encontravam nas janelas e no sacada, se acovardaram e correram para dentro, aos gritos. Desesperado, Mika pediu-me socorro:
_Irina!... O vamos fazer?!... São vampiros!...
_Calma! Frei Emil, venha aqui!
Enquanto meu assustado frei se aproximava tremendo de horror, os mais corajosos de nossos homens já atiravam das janelas. Dois tiros de canhão foram desparados, espedaçando alguns demônios lá embaixo. A maioria porém, já subia pela muralha sem usar cordas ou escadas, sinal de que conheciam bem seus poderes. Montado em seu cavalo, com um pálido e horrível semblante _que trazia olhos vermelhos injetados, por ter bebido muito sangue! _Traian vociferava:
_Subam! Tomem o castelo! Há muito sangue para vocês!... Subam demônios!...
Infelizmente os primeiros soldados de Traian alcançaram nossos soldados das janelas e da sacada, puxando-os e jogando-os para baixo. Estes não caiam ao chão, mas nas mãos e presas famintas dos soldados vampiros, que mordiam seus membros e pescoços sem piedade. Os pobres homens gritavam de dor e horror. Mais que depressa, Mika ordenou aos outros:
_Vamos! É sua vez! Atirem nos vampiros! Atirem também nos que caem! Não os deixem ser amaldiçoados! Vamos! Não se acovardem!...
Sem alternativa, os homens corriam e começavam a atirar. Muitos preferiam usar bestas, pois eram mais rápidas para serem armadas. Marton e seus filhos usavam o arco e a flecha, uma vez que eram exímios nessa arte. Mais tiros de canhão também foram disparados. Percebendo as perdas devido às armas, Traian ordenou:
_Atirem!
Seus horríveis soldados, montados ou não, começaram então a atirar com mosquetes e bestas. Muitos de nossos homens _pelo menos sete _cairam alvejados. Miklos, filho de Marton, gritou ao ser atingido por uma seta no braço direito:
_Aaah!...
Enquanto os homens se empenhavam ao máximo de sua força e coragem, eu preparava meu ataque secreto com frei Emil. Mandei alguns homens trazerem imensos caldeirões cheios d'água. Em seguida, roguei ao meu eclesiástico amigo:
_Abençoe-a! Vamos! É nossa única chance!
Cheio de horror, fechando o rosto entre as mãos, ele fraquejou:
_Não posso, sou um miserável pecador!... O inferno veio me buscar!...
_Deixe de asneiras! Coragem! Uma vez o senhor me disse que é mero instrumento nas mãos de Deus! Agora vamos! O senhor ainda tem sua fé!...
Tremendo, pranteando, ele engoliu sua agonia com um grande e seco soluço, fechou os olhos, estendeu as mãos e começou:

_Exorcizo te, creatura aquæ, in nomine Dei Patris omnipotentis, et in nomine Jesu Christi, Filii ejus Domini nostri, et in virtute Spiritus Sancti: ut fias aqua exorcizata ad effugandam omnem potestatem inimici, et ipsum inimicum eradicare et explantare valeas cum angelis suis apostaticis, per virtutem ejusdem Domini nostri Jesu Christ: qui venturus est judicare vivos et mortuos et sæculum per ignem
Deus, qui ad salutem humani generis maxima quæque sacramenta in aquarum substantia condidisti: adesto propitius invocationibus nostris, et elemento huic, multimodis purificationibus præparato, virtutem tuæ benedictionis infunde; ut creatura tua, mysteriis tuis serviens, ad abigendos dæmones morbosque pellendos divinæ gratiæ sumat effectum; ut quidquid in domibus vel in locis fidelium hæc unda resperserit careat omni immunditia, liberetur a noxa. Non illic resideat spiritus pestilens, non aura corrumpens: discedant omnes insidiæ latentis inimici; et si quid est quod aut incolumitati habitantium invidet aut quieti, aspersione hujus aquæ effugiat: ut salubritas, per invocationem sancti tui nominis expetita, ab omnibus sit impugnationibus defensa. Per Dominum, amen.

Quando terminou, beijei-lhe o rosto e logo em seguida ordenei:
_Joguem sobre os vampiros! 
Os homens obedeceram prontamente. Com dificuldade, mas com convicção, levaram os caldeirões até a muralha e despejaram a água gritando:
_Água!!!...
Mal a água tocou os vampiros, seus corpos soltaram vapores como se estivem sendo escaldados. Caindo muralha abaixo, soltavam gritos horríveis, inumanos. Mal os primeiros caldeirões foram esvaziados, a segunda leva já ia sendo conduzida para cozinhar mais demônios. Frei Emil continuava comigo, agora benzendo as armas, as balas e as flexas de soldados que estavam ajoelhados, recebendo benção e pedindo perdão de seus pecados. Alguns rezavam o Ato de Contrição.
A esta altura, alguns vampiros já adentravam à sacada. Mas eram imediatamente alvejados por setas, balas e espadas abençoadas, que queimavam ao tocá-los. Com gritos pavorosos, soltando fumaça de seus ferimentos, eles morriam. Juntando-me aos homens, saciei minha fúria, degolando de imediato dois desgraçados. Quando todos eles jaziam já sem vida ao chão, fui até a sacada. A quantidade de vampiros ainda era imensa. Havia ali perto cem demônios!
Pensando rápido, ordenei aos homens:
_Tragam azeite!
Odres de azeite foram trazidos o mais rápido possível. Frei Emil abençoou o azeite e, seguindo minhas ordens, os homens besuntaram o corrimão da sacada e as beiçadas das janelas. Isso isolou a entrada dos vampiros de Traian, cujas mãos queimavam ao ponto de soltar a pele das palmas, tão logo tocavam no azeite. Em vista disso, não demorou para que os demônios trouxessem um tronco de pinhero e começassem a usá-lo como aríete, tentando arrombar o portão principal. Ciênte de que eles entrariam cedo ou tarde, arrisquei minha última tentativa: mandei preparar setas incendiárias e pedi a frei Emil: 
_Abençoe o fogo! 
Meu bom amigo o fez sem pestanejar. O resultado foi surpreendente! Tão logo as setas atingiam os demônios, estes se incendiavam por inteiro e, se tocassem em mais outro, este também se incendiava. A condição demoníaca era seu combustível! Sendo assim, uma sucessão de explosões incendiou a quase totalidade do exército de Traian, tão logo uma saraivada de setas abençoadas os atingiu. As explosões foram tão assustadoras, que nossos homens protegeram o rosto, com medo de serem eles próprios incendiados.
Traian gritava sem parar, ordenando para que seus pouquíssimos guerreiros restantes recuassem. De repente, uma seta acertou sua coxa. Infelizmente, ela não era incendiária. Porém, seu ferimento ferveu!... Soltando um grito demoníco, ele retirou a seta da perna. Sua luva e sua mão queimaram, como se a haste fosse ferro em brasa. Cheio de ódio, vociferou:
_Prostituta!!!
Em seguida, tocou o cavalo floresta adentro.

sexta-feira, 20 de julho de 2012

PERIGO




Pensar que a noite seria tranquila foi um terrível engano. Horas já haviam se passado do enterro de Nicolae e a madrugada deitava suas horas misteriosas quando, no reino dos mortos, recebi uma mensagem inesperada. Vagava novamente próxima ao salgueiro onde Oanna me levara, quando uma voz conhecida me chamou:
_Irina... Irina!...
Voltei-me para trás e vi, para minha total estupefação, Mircea e Ciprian, escondidos dentro do tronco do salgueiro. Suas fisionomias estavam mudadas, mostrando-se sadia, normal, apesar dos sembalntes preocupados. Fui até eles e recebi de imediato a primeira má notícia:
_Irina, perdoe-nos por desapontá-la, mas estamos mortos. _revelou Ciprian.
_Como?!... _Indaguei atordoada.
Mircea respondeu:
_Traian! Traian, Irina! Seu exército nos matou...
_Sim. _completou Ciprian. _Lutamos o quanto podemos, até despachamos seis dos deles, mas eles nos pegaram... Veja!...
Imediatamente visualizei a emboscada em que meus amigos cairam, a meio caminho de Somlyó, quando os enviei. Tenebrosos soldados vampiros _todos montados _dos quais eu só conseguia divisar a terrível silhueta, as presas e os injetados olhos vermelhos, cercaram meus companheiros. Estes brandiram suas espadas e ceifaram as vidas dos primeiros que deles se aproximaram. Mas uma seta atravessou o coração de Mircea e ele estacou. Ciprian olhou, sem acreditar, para seu companheiro alvejado. De repente, uma seta, seguida de outra e mais outra, acertaram-lhe certeiramente o peito. O sangue começou a escorrer do canto de sua boca. Outras setas se cravavam nas costas de Mircea e ele tombou sobre o cavalo, os olhos revelando esforço em continuar vivo. Ele, porém, os fechou e então espirou. Vi então uma bota suja de lama o empurrar de cima do cavalo, fazendo-o tombar no chão. Era ele... mais fantasmagórico que nunca... Traian!... Neste momento a visão se desfez.
_Onde estão Ioan e Florin? _indaguei desesperada.
_Não sabemos, não os vimos por aqui... Fomos atacados enquanto eles estavam dando água para seus cavalos. _respondeu Mircea.
Meus olhos marejaram de lágrimas e o desespero me tomou. Mircea continuou:
_Eles estão indo para Somlyó, Irina. Logo chegarão ai...
_Eles não podem entrar no castelo, nunca foram convidados! _argumentei.
Mircea me desconcertou:
_Podem sim! Traian tinha permissão de seu pai para entrar no castelo com seus homens quantas vezes quisesse. Como seu pai jamais o proibiu formalmente de entrar em sua morada ele, e qualquer exército por ele comandado, estão imunes aos anjos que guardam seu castelo.
_O que?!... _exclamei pasma. _Quem lhes disse isso?...
_Friderika nos informou. _respondeu Mircea sem pestanejar.
Meu espírito se atordoou. Calei!... Friderika era o nome da minha avó, mãe de papai. Não a conheci, pois nasci anos após seu falecimento. Ao me ver paralizada, impaciênte, Ciprian rogou:
_Acorde, Irina! Eles estão chegando! Acorde! Pelo amor de Deus!
_Acorde, Irana! Acorde! _clamou também Mircea.
Ergui-me da cama com um gemido de desespero. Frei Emil surgiu logo em seguida, me baraçando e me acariciando os cabelos:
_O que foi minha menina? Calma, foi apenas um pesadelo!...
Abracei-o com força e respondi:
_Não! Não foi um pesadelo, foi um aviso!...
_Como assim?... _indagou frei Emil sem entender.
Olhei para ele desesperada e roguei:
_Frei... acorde a todos! Leve todos para o mosteiro!...
_Para o mosteiro, mas... por que?...
_um grande perigo está vindo!
_Grande perigo? Mas... que perigo?...
Não querendo assustá-lo, nem fazer pensar que estivesse louca, simplesmente respondi:
_Os soldados do príncipe, eles estão vindo! Leve todos para o mosteiro! Rápido!...
_Ó, meu Deus!.. _exclamou ele se benzendo.
_Rápido! _exclamei já pulando da cama.

terça-feira, 17 de julho de 2012

DEGREDADOS FILHOS DE EVA



Uma vez satisfeita, joguei o corpo do conde para o lado. Com a boca e o corpo banhados de sangue, ergui-me e dei com olhos em Mihail, que assustado, se limitou a dizer:
_Acabou, Irina. Acabou...
Olhei então para o lado, para o corpo de Nicolae preso à parede. Já plena de forças, desencravei a lança e retirei-a do corpo de meu irmão. Tomei-o em meus braços e, com os olhos vertendo lágrimas, acariciei seu rosto. De olhos fechados, ele simplesmente parecia dormir sereno, como uma criança. Senti então Mihail tocar em meu ombro e deitar sua cabeça sobre a minha. Ficamos assim até outros székelys adentrarem à sala. Haviamos tomado o castelo. A que preço!...
Foi preciso Mihail intervir para que eu largasse do corpo de Nicolae. Ele e nossos companheiros começaram a carregá-lo para fora. Cheia de dor e ira, cortei a pele que ainda prendia a cabeça do conde ao corpo. Tomei uma tocha da parede, segurei a cabeça pelos cabelos _com os dentes! _e subi até o teto. Lá, do alto, com uma tocha na mão e a cabeça do conde em outra, gritei:
_Székelys!!!...
No pátio e mesmo em frente ao castelo, todos os guerreiros voltaram seu olhar para mim. Ao me verem seminua, com a cabeça do conde nas mãos, gritaram em coro! De olhos vermelhos, eu sorria como uma fera e exibia meu troféu. Por fim, atirei-o aos guerreiros. Estes se bateram para juntá-la do chão e erguê-la, gritando ao confirmar que era mesmo o bandido.
A alvorada já se insinuava e eu retornei para o interior do castelo. Mihail vestiu-me com sua camisa, ficando apenas com o casaco. Quando deixamos o castelo _que, incendiado, erguia uma imensa coluna de fumaça negra _uma fileira da cabeças empaladas enfeitava sua frente. A de conde Vladmir jazia suspensa numa estaca mais alta, em meio a de seus soldados.
Nos apressamos para retornar à Somlyó, pois sabíamos que a represália de Sigismond não tardaria. Ao meio do caminho, banhei-me no velho Olt e lavei a camisa de Mihail, que era o único traje que possuía naquele momento. Enquanto aguardava ela secar, cobri-me com uma capa que Mika arranjou. Quando finalmente pus-me pronta para a viagem, achei engraçado vestir-me daquela forma, à moda dos dácios: túnica curte e leve, cingida por uma cinta com espada, mais a capa. Todos as almas de homens dácios que encontro no reino dos mortos se vestem assim. E foi assim, trajada como um dácio, que parti para Somlyó.
Chegamos ao entardecer. Foi doloroso ver nosso castelo semidestruído. Quanta desgraça se sucedeu à minha partida!... Porém, tão logo avistei uma imagem ao longe, meu coração saltou:
_Aaaaaahhh!!! _gritei de alegria.
Saltei de Agathon e corri para abraçar frei Emil! Com os olhos cheios de lágrimas, os cabelos mais brancos e aparência sofrida ele me abraçou e chorou comigo.
_Calma, minha menina. Está tudo bem... _repetia ele me acalentando, enquanto eu soluçava em seu ombro.
A alegria de nosso reencontro só foi cortada quando o corpo de Nicolae, embrulhado em um cinzento e roto lençol de lã, foi retirado do coche que o levava. Frei Emil se aproximou dele, tocou-lhe a fronte e esclamou quase balbuciando:
_Santa Mãe...
Em seguida fechou os olhos e balbuciou uma leve oração. O corpo foi então colocado em uma pequena carroça, para ser levado para a capela, onde seria velado. Neste momento, aos berros, chega Greta, acompanhada de uma bela jovem de aspecto sofrido, que reconheci ser Maryann:
_Nicolae! Nicolae!...
Ao vê-lo morto, não se conteve e saltou sobre o corpo do marido.
_Nãããããoooo!!!... _berrou. _Aaaaaaahhhh!!!...
Maryann tentava acalentá-la, mas ela estava histérica e fugia de suas mãos, gritando descontroladamente. De repente, ergueu o olhar para mim e começou a me acusar, vociferando:
_É culpa sua! É tudo culpa sua! Sua vampira maldita! Sua prostituta incestuosa! É culpa sua!!!...
Suas palavras me feriram como facas e lágrimas de indignação verteram de meus olhos. Conhecendo meu temperamento, frei Emil se apressou em me abraçar, ao mesmo tempo me contendo e me consolando das injúrias. Temendo uma violenta briga, Maryann agarrou Greta e a foi levando para dentro. Esta continuava a berrar e a se descabelar como uma louca.
Depois deste triste episódio, frei Emil me levou para a casa paroquial, onde eu iria me acomodar, junto a ele e Andrei. Este estava um tanto magro e abatido, por conta das privações da guerra, mas me abraçou com força e amor ao reencontrá-lo. Não pude controlar as lágrimas ao revê-lo. Éramos todos pobres e sofridos pecadores, degredados filhos de Eva!
Meu quarto estava sendo ocupado por Mihail, Maryann e seus filhos, que ela me apresentou com satisfação, pouco depois de acalmar Greta:
_Este é Krisztián, meu mais velho. _disse me mostrando um fofo rapazinho de uns três anos, praticamente a cópia de Mihail quando criança.
Agachei-me _tendo cuidado de fechar um pouco as pernas, pois ainda vestia a camisa de Mihail _e abracei e beijei meu lindo sobrinho.
_Oi, Krisztián, sobrinho lindo da titia! _mimei-o.
Neste momento, Mihail aparece carregando Judit, de apenas quatro meses. Não resisti ao ver aquela coisinha fofa, que era a cara da mãe, Maryann.
_Que linda! Que fofurinha!... _exclamei já tomando-a nos braços.
Cuidadosamente, para que Greta não soubesse, Maryann me apresentou os filhos de Nicolae: Joszef, de cinco anos _que lembrava muito papai! _Ádám, de quatro _que lembrava o avô paterno, Béla _e a pequena Micheller, de dois aninhos _cópia de Vladia. A todos abracei, beijei e mimei. Depois, Maryann me emprestou um de seus vestidos, essência de sândalo para os cabelos e um frasco de perfume de rosas, para que eu usasse após o banho. Ainda caminhei e conversei bastante com ela, até quase a hora do enterro de Nicolae. Este foi velado durante três horas e depois enterrado junto ao sepulcro de minha mãe. Não acompanhei seu velório. Seu enterro vi de longe, quando a duda começou a cortar meu coração com sua melodia _enquanto o caixão de era descido à sepultura _e as tochas iluminavam a escuridão da noite.

sábado, 14 de julho de 2012

IRA



Saudei Mica com um sorriso e voltei a lutar. Como um enfurecido Sansão, Nicolae ergueu e jogou o corpo de um soldado sobre seus companheiros, que foram atingidos em cheio. Aqueles que tinham o infortúnio de chegar próximos dele, ou eram cortados com a espada, ou eram puxados e sugados com voracidade. Por ordem mental minha, Nicolae arrancava um grande naco de carne do pescoço de suas vítimas, inviabilizando seus corpos para a maldição. Ver aquele aterrador vampiro, de olhos varmelhos, vidrados, sugando o sangue e mastigando a carne de seus colegas era espetáculo tenebroso demais para os soldados sobreviventes, que fugiam gritando. Enquanto isso, eu e Mihail batíamos os soldados à nossa volta, cortando gargantas e abrindo ventres.
Uma vez esvaziada a sala em que estávamos, rumamos para a sala de reuniões do conde. Este, cercado de vários soldados, já acuava quatro pobres székelys, dos nove que ali haviam entrado. Os outros cinco jaziam mortos no chão. Mal adentrou ao recinto, Nicolae pegou dois soldados pelo pescoço e os jogou como espantalhos sobre quatro de seus colegas. Um deles acabou com o ventre transpassado por uma lança. Tomado por seu transe de fúria, Nica tomou o machado de um soldado morto e começou a "ceifar" tudo o que estivesse à sua frente. Mãos eram decepadas, cabeças tombavam para as costas, outras literalmente rolavam pelo chão. O machado, por fim, acabou por cravar-se nas costelas de um soldado gordo. Sem piedade, Nica pisou no peito do soldado e desencravou a lâmina. O gordo berrou um grito fino e engasgado, ao ver seu fígado se derramar após a lâmina se desprender.
Por seu turno, Mihail batia sua espada contra o capitão do conde. Este, em um patamar mais alto da sala, emitia ordens desesperadas para seus soldados:
_Matem este demônio! _berrava com olhos arregalados de terror por Nicolae.
Nicolae, no entanto, matava e aleijava o que quer que se aproximasse dele. Não tendo mais quem abater, passou a subir calmamente os degraus do patamar onde se encontrava o conde. Desesperado, este tomou uma lança da parede. Nicolae simplesmente aproximou-se e, com um tapa, jogou a lança longe. O miserável conde, no entanto, era um velho matreiro. O tapa o fizera cair batendo-se contra a parede. Ao perceber uma tocha suspensa sobre sua cabeça, com uma rapidez de felino, ergueu-se, tomou-a nas mãos e apontou-a para Nicolae. O manteve à distância assim, enquanto se aproximava novamente da lança. Nica tentava derrubar a tocha desferindo tapas no ar, mas temia queimar-se. Ao chegar próximo o suficiênte  da lança, o maldito conde lançou-lhe a tocha ao rosto. Nica atrapalhou-se ao defender a face. Conde Vladimir aproveitou seu momento de vulnerabilidade e desferiu um chute em seu estômago, empurrando-o para a parede. Mal Nicolae recompôs-se do empurrão, uma lança atravessou-lhe o coração, prendendo-o à parede. O conde conseguira seu intento! Desesperada, soltei um grito agudo:
_Nãããooooo!!!...
Cheio de ódio, o conde gritava contra Nicolae:
_Morra seu vampiro maldito! Morra!
Sentindo o conde enterrar-lhe o mais possível a lança ao peito, Nicolae resfolegava, golfava sangue pela  boca e tentava arrancá-la em vão. Por fim, suas forças o abandonaram e ele espirou. Gritei:
 _Aaaaaaaaaaaaahhhh!!!...
Abrindo os braços, joguei para os lados os soldados com quem lutava e corri na direção do conde. O bandido, no entanto, tomou mais outra tocha da parede e arremeçou-a contra mim. Com o pensamento muito rápido, percebi que só podia me defender revestindo meu corpo com uma aura invisível de força. Encobri-me então com a capa e curvei-me. A tocha caiu sobre ela e incendiou-a. O fogo a consumia, mas não me tocava a pele e nem os cabelos, pois a força o afastava. Porém, eu sabia que não teria força  disponível por muito tempo para manter o fogo longe de minha carne. Corri então até a janela e saltei para o fosso que cercava o castelo. Como uma estrela cadente, mergulhei nas águas turvas. A queda fora tão forte que cheguei a bater com os braços no fundo. Fosse eu uma reles mortal, os teria quebrado. Recobrei então a lucidez rapidamente após o choque e nadei de volta à tona. Com braçadas forte, cheguei até a parede e comecei a escalá-la. Foi quando notei que minhas roupas haviam se tornando andrajos. Pedaços de meu vestido se desprendiam e caiam. O fogo quase o consumira por completo. Acabou ele ficando reduzido à uma tanga, que mal me cobria as coxas e a vulva. Meu tronco estava completamente nu, mostrando meus seios e minha barriga até quase o baixo ventre. Meu corpo, no entanto, não fora maculado pelo fogo, ficando apenas com a pele ruborizada, como se eu a tivesse exposta ao sol do verão.
O mais rápido que pude, cheguei até a janela. Pingando água, saltei então para dentro e vi que três soldados acuavam Mihail contra a parede. Nossos quatro últimos companheiros székelys estavam mortos. Como minhas adagas ainda estavam milagrosamente presas ao meu cinto, puxei-as e atirei-as, ceifando a vida logo de dois. Ambos cairam com as gargantas traspassadas. Percebendo meu retorno, Mica aproveitou-se do susto do soldado à sua frente e traspassou-lhe o peito. Este soltou um gemido sufocado.
Chamei minhas adagas de volta às minhas mãos e caminhei implacável na direção do conde. À esta altura, apenas dois soldados restavam. Um deles simplesmente fugiu apavorado, o outro, estando longe da porta, encolheu-se na parede como uma criança assustada. O conde estava sozinho. Pé ante pé, caminhava até ele, subindo os degraus do patamar. De fato já não tinha tanta força, a aura protetora e a subida da parede do castelo esgotaram minhas últimas reservas. Estava tão forte quanto qualquer mortal exausto. Apenas a ira me movia. Minha fúria se juntava à razão e uma idéia se repetia em minha mente: "_Preciso de sangue. Vou ter de tomar o sangue deste porco!".
Erguendo temerosamente sua espada, conde Vladmir tremia e ameaçava:
_Afaste-se de mim, em nome do santo sangue!... Você não tem mais força, sua criatura do inferno! Posso ver!... _soltou então um leve riso de deboche.
Eu realmente não conseguia esconder meu cansaço, porém, juntei todas as minhas forças para matá-lo. Olhando-o baixo, como o lince, estudei-o e depois desferi o primeiro golpe. Com a mão direita, bati sua espada. Como eu esperava, ele aproveitou o impulso para logo em seguida lançar sua lâmina em contragolpe, em minha direção. Observei calmamente sua espada vir em direção ao meu pescoço. Apesar de fraca, meus reflexos de vampira ainda me valiam. Antes que sua lâmina chegasse _com a adaga da mão esquerda _interceptei seu golpe à meio caminho e decepei sua mão. Esta caiu ao chão ainda segurando a espada.
_Aaaaaaaaaaaahhhh!!!... _gritou o porco segurando o pulso direito, ensanguentado, desprovido de mão.
Sem mais esperar, cruzei as lâminas de minhas duas adagas sob seu pescoço e fiz com que ele erguesse seu olhar para mim. Mirando seus olhos aterrorizados, sem dizer uma palavra, ceifei-lhe a vida. O sangue esguichou em meu rosto. Sua cabeça tombou para as costas, segura apenas por um pedaço de pele. Isso porém não me bastava. Segurei seu cambaleante corpo e o puxei para mim. O sangue derramou como cascata rubra e eu o recebi banhando minha boca. Ajoelhada como se saudasse um rei, fartei-me do sangue do bandido, que escorria sobre meus seios e minha barriga, indo pingar em meus pés.

sexta-feira, 1 de junho de 2012

LEÃO




Arregacei a manga direita até o meio do antebraço e o estendi para que ele mordesse e sugasse. Meu propósito não era tanto satisfazê-lo, mas controlá-lo. Na condição em que se encontrava, podia atacar os cavalos, o que seria nefasto, pois precisávamos de montaria para retornar ao castelo. Com avidez, ele puxou meu pulso e mordeu com força, fazendo-me soltar um leve grito. Sugou o sangue fortemente e por fim tive de contê-lo para que não me machucasse demais:
_Calma... Com calma. _dizia ternamente.
Acalentando seus cabelos com a mão esquerda, comecei a lhe instruir:
_Isso... beba. Seja um bom guerreiro... e obedeça o que eu lhe ordenar. Somente o que eu lhe ordenar...
Satisfeito, ele parou e olhou para mim, os lábios lambuzados de sangue, aguardando minhas ordens. Cortei um um pedaço da manga de meu vestido e improvisei uma bandagem para meu pulso. Estendi então a mão para Nicolae e o conduzi como uma criança até seu cavalo. Tive o zelo de encantar o animal antes de nos aproximarmos mais, pois do contrário ele fugiria. Montamos e seguimos para o castelo.
Quando chegamos, a situação não podia ser pior. Em frente ao castelo, nosso exército se engalfinhava com uma companhia de soldados do príncipe, numa ensandecida luta de espada. Segundo viria a saber mais tarde, esta pequena companhia era o que restara de um exército maior, atacado inesperadamente por... vampiros!...
Não me detive no meio da batalha, passei ao largo e entrei com Nicolae no pátio do castelo. Montes de corpos de székelys jaziam no chão, visivelmente cozinhados por óleo fervente. Outros tantos estavam varados por setas. A porta principal do torreão, porém, estava arrombada, deixando claro que nossos homens haviam conseguido entrar. Desapeamos e, acariciando o rosto de Agathon, ordenei para que ele e o outro cavalo se mantivessem escondidos em uma área sombria. Os animais se afastaram e nós subimos as escadas. Não o fizemos da forma usual, mas caminhando sobre a ponte plasmática de força invisível, que nos fazia parecer estar deslizando pelos degraus da escada. Estando eu de vestido, parecia mesmo não possuir pés _que estavam encobertos _como um caracol. Nicolae usava seus poderes sem conhecê-los, pois estava sob meu domínio.
Os sons da batalha nos chegavam aos ouvidos à medida que avançávamos rapidamente degraus acima. Quando alcançamos o salão de entrada, székelys e soldados do conde se batiam em luta renhida. Corpos de ambos os lados jaziam no chão. Observando os székelys em vantagem, passei com Nicolae por eles, encantando-os para que não nos vissem. Adentramos no salão de visitas do conde, onde encontramos uma luta mais feroz. Nela, Mihail brandia a espada ao limite de suas forças. Liberei então o já inquieto Nicolae para fartar-se de sangue e desembainhei minhas duas adagas!...
Nicolae pulou sobre o pescoço do primeiro soldado incauto que encontrou e o sugou com força. Satisfeito, jogou seu corpo exangue contra outros dois, como se este fosse um mero boneco de pano. Desembainhou então a espada e começou matar!... Seus golpes eram tão fortes, que faiscavam ao choque das lâminas. Assustados com sua força e, mais ainda com sua imagem vampírica, os soldados gritavam de horror. Tentavam se afastar dele, mas seus golpes certeiros decepavam braços, cabeças, partiam rostos ao meio, rasgavam costas e dividiam colunas vertebrais. Em certo momento, Nicolae tomou uma lança caída ao chão e a atirou com tanta força que espetou dois soldados ao mesmo tempo, deixando-os ainda presos à parede. Ele era como um leão furioso!
Eu, por minha vez, corri para defender Mihail. Abri caminho ferindo e matando quantos surgissem à minha frente. Tão logo cheguei próximo a Mika, lancei uma de minhas adagas no rosto de seu opositor, que voou como que atingido por uma bala de canhão, chocando-se contra a parede. Admirado, Mika olhou para ver quem lançara tal petardo e se deparou comigo. Sorrindo, exclamou:
_Irina!

sexta-feira, 25 de maio de 2012

SANSÃO



Antes de Nicolae ter sido ferido de morte, jamais havia parado para refletir sobre quanto tempo uma pessoa permanece morta, antes de despertar como um vampiro. Descobri naquela fatídica noite, que este tempo era infelizmente longo, pelo menos para a urgência de uma batalha. Perguntei à Vênus, em meu coração, por que os lobos se demoraram em encontrar meu corpo, na noite em que fui condenada? Talvez tivesse de ser assim... Talvez eu tivesse de viver minha condenação. Talvez tivesse mesmo de estar ali, esperando Nicolae despertar, para vingar a morte de papai, para livrar da opressão o nosso povo.
Pungida de dor, não me separei de Nika. Sentada sobre o chão, mantinha sua cabeça deitada sobre meu colo. Afagava seus cabelos, enquanto sentia seu corpo perder o calor pouco a pouco. Ele estava mole e isento de forças. _Meu poderoso Nicolae, como me doía vê-lo e senti-lo assim, destituído da força, do vigor que tanto lhe caracterizava!... _Um rio de lágrimas não parava de escorrer sobre meu rosto, não aceitando tê-lo como um leão abatido, como Sansão sem seus longos cabelos. Meus dedos mergulhavam em seus cabelos castanhos e os penteavam, como que contando as horas até ele voltar.
Foi quando senti, ainda que bem fracamente, seu coração voltar a bater. Sorri. Meus olhos derramaram mais lágrimas que antes. Ri com o rosto marejado. Seus braços então se moveram, como os de uma criança que se assusta com seus sonhos enquanto dorme. Seu coração acelerou... Ele estava retornando!... Afastei então um pouco o corpo, pois sabia que ele se ergueria bruscamente. Mal o fiz, ele se ergueu como alguém que emerge desesperado da água, para não se afogar.
Sentou-se, tentou erguer-se, caiu com o traseiro no chão. Ri. Ele olhava à sua volta assustado. Apressei-me, abracei-o, enchi seu rosto de beijos afaguei seus cabelos e o acalmei:
_Calma! Calma, meu guerreiro! Estou aqui!... A sua Iri está aqui...
Com os olhos arregalados, respirando ofegante, ele indagava desesperado:
_Iri... o que está acontecendo?... 
_Calma... _respondi abraçando-o e beijando-lhe o rosto.
_Iri... eu quero sangue!... Eu preciso de sangue!...
_Calma!... _beijei-lhe o rosto novamente _Vou lhe levar até o sangue. Terá todo sangue que precisa, meu Sansão!... Todo sangue que merece!...

domingo, 13 de maio de 2012

AMÉM



Subimos então rumo aos portões do castelo. À frente vinhamos eu, Mihail, Nicolae e os capitães da tropa, devidamente montados. Nossa infantaria seguia atrás, a pé. Abaixo do umbral dos portões abertos, Mózes acenou alegremente ao nos ver. Ninguém notou o estado auterado de sua alma. Intempestivo, Nicolae ordenou:
_Székelys!... Atacar!
Gritando, os homens não pensaram duas vezes, avançaram sem exitar! Mal entraram no pátio do castelo, suas espadas ceifaram a vida dos soldados do conde, que acordaram muito tarde do torpor em que estavam imersos. Encontrando pouca resistência, os homens logo procuraram as portas de acesso para o interior da fortaleza. Os soldados de dentro, porém, que não estavam sob meu encantamento, começaram a atirar e lançar setas das janelas. Muitos de nossos foram atingidos e mortos, mas isso não deteve a furia dos que continuavam vivos. Mesmo os feridos esqueciam a dor e continuavam o ataque. 
As primeiras portas foram arrombadas e os homens começaram a entrar. De espada em punho, montado em  seu corceu malhado, Nicolae bradava:
_Isso! Entrem! tomem o castelo!...
Identificando-o como sendo o líder, os soldados do conde começaram a cercá-lo. Os que dele se aproximavam mais, no entanto, eram imediatamente mortos pelos golpes certeiros de sua impiedosa espada. Notando que muitos já acorriam, puxou o freio e fez seu cavalo pisotear o rosto daqueles que vinham pela  frente. Quatro tiveram os rostos amassados. Vendo-o em apuros, fui em seu socorro. Abri caminho com a espada, cortando quantos rostos e pescoços encontrasse pelo caminho. Os que tentavam proteger-se erguendo o antebraço, os tinham decepados. Alcançando-o finalmente, abri as costas de um soldado que tentava derrubá-lo do cavalo. Logo em seguida, ceguei outro que vinha logo atrás, vazando-lhe ambos os olhos com um único golpe.
Porém, neste momento, meu coração apertou, num aviso. Imediatamente olhei para o alto da muralha e avistei um soldado apontando seu mosquete para Nicolae. Meu único reflexo foi gritar:
_Nicolae!!!...
Ele ainda chegou a virar-se e avistar o soldado. O tiro porém saiu imediato e o atingiu entre as costelas, bem próximo à coluna.
_Aaah!.. _gritou ele, contorcendo-se em seguida.
Incendiada pela fúria, puxei a pistola de sua cintura e atirei contra o soldado. Com meus reflexos muito mais aguçados do que os dos comuns mortais, o atingi no olho em que havia mirado, o esquerdo. Ele então tombou de lá de cima e espatifou-se no chão, quebrando o pescoço na queda. Tomei então o freio do cavalo de Nicolae e o conduzi para fora do castelo. A turba formada por nosso próprio exército nos retardou um pouco a saída. Conduzi Nicolae para longe da batalha, para uma pequena clareira. Lá chegando, o desmontei e deitei no chão. 
_Nica! Nica!... _gritava desesperada.
Tremendo, respirando com dificuldade e golfando sangue pela boca, ele respondeu já pálido:
_Irina... eu estou morrendo...
_Não... Não... Nããããõoo!!!... _gritei sem controle.
O abrecei forte, sentindo sua respiração puxar o ar com força. De repente... uma idéia surgiu em minha mente. Meu coração não sentiu nenhuma dúvida... Meus olhos ficaram vidrados e minhas presas se insinuaram... Sem mais pensar, cravei-as em seu  pescoço. Ele ainda soltou um leve gemido. Suguei  com força, para que ele espirasse rápido. Quando senti suas forças se esvairem, o larguei. Deitei seu corpo sem vida na terra. Olhei para ele então... para seu rosto pálido e seus olhos fechados, como se dormisse um sono profundo. As lágrimas desciam de meus olhos e se misturavam ao sangue que banhava minha boca. Um pensamento me consolava: "_Este era seu destino... Este era seu destino... Que assim seja... Amém!".

terça-feira, 8 de maio de 2012

TROIA



Quando chegamos ao castelo de conde Vladmir, fiquei admirada! Um exército numeroso de székelys cercava a fortificação, acampados e refestelando-se com sua ração de pão, carne de porco e vinho. À medida que cavalgávamos lenta e tacitamente entre os homens, eles olhavam para mim e diziam: "_Irina, Irina!..." _Sua reação era de admiração e respeito, embora alguns demonstrassem medo. Não foram poucos os que se levatantaram quando da minha passagem. "_Irina!..." _cumprimentavam sempre.
Não demorou para que os homens nos cercassem e parassem nossa caminhada. Foi quando, guarnecidos por uma pequena comitiva, vieram Nicolae e Mihail. Sorriram ao me verem e saudaram com alegria:
_Irina! _gritou Nicolae.
Desapeei e fui ao seu encontro. Com lágrimas nos olhos o abracei. Em seguida, abracei Mihail. Fui até sua tenda de guerra e eles me atualizaram sobre os acontecimentos. Mika começou:
_Retomamos nosso castelo e o poder sobre nossa comuna. Os soldados de Sigismond não mais entram em Somlyó. Já há dois dias estamos cercando conde Vladmir, presumimos que ele cairá ainda hoje.
_E as tropas do príncipe, por que não vêm em socorro ao conde? _indaguei desconfiada.
Nicolea respondeu:
_Não sabemos direito. Fomos informados de que um batalhão vinha para cá, mas até agora eles não deram o ar de sua desgraça! _e riu-se.
_Isso é estranho. _respondi. _Perder a comuna para seus legítimos habitantes é uma coisa, deixar seu principal entreposto à mercê do inimigo é o oposto da estratégia.
Mika interferiu:
_Pouco importa, I. Estamos a um passo de acabar com o conde e de libertar nosso país das garras dos infiéis e de Sigismond. Pedimos então que fique conosco e nos ajude.
_Ficarei. _prometi pondo minha mão sobre a dele.
Após nossa conversa, comemos e bebemos e folgamos com os demais homens. Quando me perguntavam se era vampira, respondia brincando: "_Com certeza beberia o sangue de conde Vladmir!", "_Acho que Sigismond é que é vampiro, vejam o quanto ele gosta de sangue!" _era algumas das respostas que eu dava.
Após a folga, chamei Mika à parte e lhe disse:
_Diga aos outros que fui me deitar. Entrarei no castelo da forma como você sabe e verei como poderemos entrar.
_Sim!... _respondeu Mika abrindo um imenso sorriso, quase não se contendo de satisfação.
Mika fez o que combinamos e tive sossego para sair de meu corpo. Meus homens vigiavam a entrada de minha tenda, para que ninguém atrapalhasse minha missão. Sai rapidamente, sob a forma de raio luminoso. Diante do castelo, transformei-me em névoa e entrei pelas frestas dos portões. Lá dentro, as almas dos soldados mortos choravam e batiam nas paredes de pedra, sem aceitar seu cruel destino. Muitos amaldiçoavam o conde. Sua revolta contagiava o espírito dos soldados vivos, que discutiam entre si a possibilidade de um motim, seguida não só de uma rendição, mas de uma adesão aos székelys. Enquanto observava as defesas e entradas do castelo, decidi que não aceitaria o apoio destes homens. Quem trai uma vez, trai a segunda!
Abrir os portões por dentro seria tarefa fácil, o que me preocupava era como poria nosso exército para dentro sem maiores resistências. O caminho a seguir veio à minha mente com facilidade: eu encantaria os soldados, excitando-lhes o desejo sensual, em seguida, abriria os portões. Avisaria então a meus demais e eles avisariam à Mika. Começaríamos então a invasão.
Comecei então a excitar-me, respirando forte e ofegante _como na hora da cópula! _irradiando minha luxúria. Os sentinelas começaram a se sentir excitados, lembrando de mulheres e momentos lascivos. Muitos massageavam seus membros sob as calças. Os mais afoitos punham-nos para fora e manipulavam sem nenhum pudor. Os que dormiam, sonhavam com cópulas ardorosas. Os pederastas se escondiam em recantos e sombras, entregando-se à felação e à sodomia.
Assim, absortos em sua lascívia, não perceberam quando destravei os portões e os entreabri lenta e suavemente, deixando uma brecha considerável para a entrada de nossos homens. Ri-me quando vi um dos soldados arregalando os olhos, ao se deparar com os portões se abrindo "sozinhos". Para que não causasse problemas, soltei um leve sopro e o fiz dormir. O pobre tombou no chão ainda segurando seu membro, que masturbava. Rindo-me pensei:
 _Nem os gregos, com seu cavalo de madeira, foram tão eficiêntes ao adentrarem os portões de Troia!...
Sem mais demorar-me, voltei rapidamente à tenda, sob a forma de faixo de luz. Mentalmente, dei ordem à Mircea para que preparasse Agathon. Quando sai da tenda, meu lindo corcel já me esperava selado.  Mentalmente, disse a meus companheiros: "_Sigam para Somlyó! Observem qualquer coisa incomum ao longo do caminho e quando chegarem lá também. Avisem-me então imediatamente de tudo o que se passa!". Desgostosos eles perguntaram quase ao mesmo tempo: "_Tememos por você Irina! Como saberemos que sobreviverá?!...". Simplesmente respondi: "_Confiem em mim!..." _e sorri. Montei então em Agathon e parti. De repente, em minha mente veio a imagem do jovem Mózes Székely. Constatando que podia usá-lo como álibi, o encantei à distância, sussurrando em seus ouvidos:
_Mózes... Mózes, meu soldado, monte seu cavalo e vá para o castelo!...
Como que possuído pela pela paixão e pelo desejo carnal, alucinado ele largou o jogo de cartas _onde levava vantagem contra seus amigos _montou em seu cavalo e partiu. Ri-me ao visualizar o espanto de seus companheiros com sua inesperada atitude:
_Mózes! Mózes! Aonde está indo seu blefador?! _chamava o jovem Ádám.
Nos ouvidos de Mózes, eu continuava ordenando:
_Vá para o castelo e aguarde em frente aos portões! Faça isso, meu bravo soldado!
Mentalmente, pedi à Florin para que avisasse à Mika que tivera sucesso em minha empreitada e que ele já podia reunir a tropa, pois o aguardava a meio caminho, já pronta para o combate.Uma vez avisado, Mika reuniu os homens e me encontrou esperando a meio caminho, como lhe prometera. Tendo os székely reunidos diante de mim, desembaainhei minha espada e disse:
_Székelys!... O jovem Mózes conseguiu entrar no castelo e abrir seus portões! Fez isso com destreza e bravura, demonstrando que merece o nome que tem! Ele nos aguarda diante dos portões e devemos nos apressar, antes que os sentinelas se dêem conta do que se passa... e cortem sua jovem cabeça!... Aqueles que forem székelys que me sigam!...
Ergui minha espada e ouvi o grito fervoroso dos guerreiros!

domingo, 22 de abril de 2012

REVIRAVOLTA





Atravessamos o Cheile e voltamos para Csik sem mais problemas. Porém, mal chegamos encontramos cavaleiros szekelys na floresta. Notei sua excitada movimentação e mandei Florin os parar. Ele ergueu a mão e os quatro cavaleiros se aproximaram. Foi quando notei que eram muito jovens. Perguntei então:
_O que está havendo?
_Quem é a senhorita? _perguntou de volta aquele que parecia ser o líder, que não ostentava mais de 15 anos e cujo semblante me era um tanto familiar.
_Irina de Somlyó! _respondi.
Eles se entreolharam demonstrando admiração, sorriram entusiasmados e o líder então indagou com a empolgação inerente à sua idade:
_Irina de Somlyó, a marquesa vampira, cortadora de cabeças! filha de Joszef de Somlyó?!... Não acredito!...
Seus amigos menavam a cabeça negativamente, os olhos brilhando de emoção, como se também dissessem "Não acredito!".
_Quantos anos você tem, garoto? _inquiri sem lhe confirmar o que queria.
_Catorze! _respondeu.
_Qual o seu nome? _investiguei.
_Mózes Székely! _respondeu com orgulho.
_Vejo que tem o nome de nosso povo. É filho de János Literati, presumo... _investiguei já reconhecendo o rosto do rapaz, cuja imagem de criança ainda era viva em minha memória.
_Sim! _confirmou.
_O que faz por aqui, à mercê dos soldados do príncipe? _inquiri.
_Sou um rebelde! _respondeu cheio de si. _Nosso povo está tomando o castelo de conde Vladmir, o contrabandista cobrador de impostos. O canalha deve cair em breve!
_Como?! _impressionei-me.
_Já recuperamos Somlyó. Seus irmãos tomaram seu castelo de volta faz uma semana. A maior parte do povo se refugiou na abadia. Ela virou nosso quartel! _Riu-se. _Estou vindo agora do castelo do conde. O estamos sitiando desde ontem.
_Vênus!... _admirei-me. _Meus irmãos estão com vocês?
_Estão sim! Marton ficou em Somlyó, defendendo a comuna. Mas Nicolae e Mihail estão conosco.
_Temos de nos apressar! Vamos! _disse para meus companheiros.
Partimos a todo galope rumo ao castelo do conde. Atrás de nós, o garoto ainda gritou:
_Avisem aos nossos que logo levaremos as provisões!...

domingo, 15 de abril de 2012

LEITE





















No dia seguinte, Simona ainda se recuperava de seu ferimento. Quatro taças cheias de sangue conseguiram salvar sua vida, mas ela ainda convalescia. Oanna então mandou chamar uma camponesa chamada Alexandra. Com um rosto infantil, mas um imenso corpo e seios igualmente imensos, ela vinha carregando, sorridente, seu primeiro bebê, uma menina que dormia serenamente. Todas as criadas estavam encantadas com a criança. Não pude deixar de me encantar também e pedi para pegá-la no colo.
_Qual é o nome dela? _perguntei.
_Helena! _respondeu com sua voz meiga.
De repente, duas criadas chegaram com dois vasos de dois palmos e uma chave de comprimento e um palmo e uma polegada de espessura cada. Enquanto eu ninava a criança em meus braços, Alexandra ordenhava o imenso seio, despejando uma quantidade absurda de leite. Sabia que havia mulheres com muito leite, mas aquela era uma verdadeira vaca leiteira. Enchera os dois vasos e ainda uma taça, que Oanna mandara trazer, pois o leite ainda escorria do seio.
Sem nenhuma vergonha, Oanna bebeu o leite que estava na taça e ainda elogiou lambendo os lábios:
_Você é uma menina muito saudável!
Alexandra limitou-se a rir com bondosa satisfação. Oanna então acenou com a cabeça para as criadas levassem o leite direto para Simona. Durante uma semana, Alexandra praticamente amamentou Simona. Seu leite era tanto, que sobrava até para nós, que não estávamos doentes. Devo confessar que era forte e delicioso.
O poder regenerativo do leite não tardou em curar completamente Simona. Os sete dias que ela levou para se recuperar passei no castelo, não somente para compensar sua ausência nos serviços, mas para me reestabelecer também. Todo o sangue que bebera em batalhas fora consumido em outras batalhas, de forma que eu estava um tanto desgastada. Umas poucas taças do leite de Alexandra e o sperma dos cliêntes _que felizmente eram abundantes na primavera! _me fez recuperar totalmente as forças. Uma vez Simona reestabelecida e de pé, preparei-me para voltar para junto de meus irmãos. Minha intuição me dizia que Traian ainda não era ameaçador, porém o céu revelava um acúmulo de forças que logo explodiriam em algum conflito, cuja natureza eu ainda não conseguia definir.
Em um fim de tarde, eu e meus companheiros montamos e partimos. Pouco antes de seguirmos, Oanna me aconselhou:
_É bom que seu antigo professor ainda esteja vivo. Vai precisar de um sacerdote muito em breve!
Não lhe respondi, apenas olhei em seus olhos como se respondesse: "_Eu já sei disso".

segunda-feira, 9 de abril de 2012

VAMPIRO MESTRE


 Marilyn Manson



Vi então novamente o deserto para onde a Dama de Azul me levou em nosso último encontro. O imenso ovo negro havia se partido! Ao longe, no horizonte, um homem seguia nu... era Traian!... A visão se desfez, Oanna me despertou com sua fala:
_Ele não é um vampiro qualquer, Irina, ele já foi atacado por vários vampiros, desde criança, desde de recém nascido... e sempre sobreviveu! Com certeza, o fato de ser um dampiro o ajudou.
_O que?!... _sobressaltei-me.
Oanna riu levemente e continuou:
_Você ainda não desenvolveu a capacidade de reconhecer os dampiros, não foi! Evidente! Em sua obsessão em ajudar sua família, não deixou que eu completasse sua instrução. Ele era um dampiro, fortíssimo! Mesmo meus poderes tinham pouco resultado sobre ele. Porém agora... finalmente encontrou seu destino: o inferno!... Ele é um vampiro demoníaco... Pior que isso!... É um vampiro mestre!...
_Você já o conhecia! Por que não me falou? _questionei.
_Não revelo meus segredos para quem ainda não tenho plena confiança e veja que revelei muita coisa a você. Traian é natural desta comuna, é filho Helena, uma camponesa que viveu aqui nesta comuna. Seu pai, Adrian, era um de meus criados. O incumbi de engravidar uma camponesa para que tivéssemos um pouco de leite materno para degustar. Eu já estava farta de leite de cabra! _disse com esnobe desdém. _Ele engravidou Helena e assim nasceu Traian.
Oanna então soltou um grande suspiro e continuou:
_Minha intenção era manter Helena como "leiteira", pois ela tinha seios grandes. Mas infelizmente ela se apaixonou Adrian. Ele, porém, era um canalha desclassificado _o filho deve ter puxado à ele _e logo seduziu outra jovem, Alina, sem o meu consentimento. Helena ficou possuída de raiva e fugiu com o bebê. Para sua infelicidade, acabou sendo encontrada pelas prostitutas... Os parentes de Helena, seguiram em sua busca. Mas a encontraram morta, com os lobos já puxando-a pelos braços, disputando seu corpo. Por sorte... ou por algum maldito destino, o tio-avô de Traian matou o lobo que já o lambia, com um certeiro tiro no focinho. Eles então espantaram a alcateia com tochas e tiros e socorreram o bebê. O que viram então foi espantoso!... Mesmo perfurado por várias e assustadoras mordidas, ele ainda estava vivo!... Chorando alto e forte!...
Oanna então riu levemente, comentando em seguida:
_Ele sempre foi muito forte!... Helena foi imediatamente decapitada e queimada. Queriam fazer o mesmo com o bebê, mas sua avó, a velha parteira Nadia, não deixou. Ela o criou sozinha, na floresta.
_E o que aconteceu com Adrian? _investiguei.
_O matei! Ele não era um bom servo, não me obedecia. Tivemos uma discussão e enfiei uma adaga em seu coração. Às vezes acho que devia ter feito o mesmo com você.
Sem ligar para sua provocação, acusei:
_Ele era seu amante, não era?...
_Talvez! O que isso importa agora? _respondeu ela, visivelmente irritada.
Continuou sua narrativa então:
_Em vários momentos, Traian foi atacado por vampiros desgarrados, que as bestas das prostitutas geravam a torto e a direito! Matei a todos, Ion os despedaçou e queimou. Infelizmente não consegui dar cabo dessas meretrizes do Diabo. Elas têm demônios muito fortes as protegendo. O fato, porém, é que Traian  sobreviveu a todos os ataques de que foi vítima. Quando a velha Nadia morreu, ele já contava 13 anos. Seguiu então para a cidade de Brasov, onde se tornou soldado. Como nunca morreu das mordidas, fora o fato de ser um dampiro, a maldição se acumulou dentro dele. Ele adquiriu muito da aparência, da força e do desejo de sangue dos vampiros. Embora não o bebesse, gostava de vê-lo jorrar. Por isso se tornou o soldado eficiênte que sempre foi. Seu pai não o tomou como capitão à toa, ele era o melhor! Mas agora, Irina... foi inevitável... Traian já não era tão jovem, contava 41 anos... Sua resistência, após anos de combates... já não era mais a mesma. Ele morreu, Irina... e já despertou!...
_Sim... por sua culpa! Não pela minha. Você o gerou!... _acusei.
_Mas foi você quem terminou sua gestação... _rebateu.
_Isso não teria acontecido se ele tivesse morrido, se tivéssemos reforços, se tivéssemos Ion e seus companheiros conosco! Você sabia da possibilidade de ele se tornar vampiro! Você o conhecia! Por isso estava tão nervosa! Mas você preferiu ser mesquinha, sua cafetina, sua bruxa maldita!... _acossei-a.
_Basta! _vociferou. _Isso não importa mais agora! Seja como seja, ele está à solta e penso que será melhor nos unirmos para destruí-lo.

domingo, 8 de abril de 2012

MALDIÇÃO



Numa cerimônia simples, cremamos os corpos de nossos mortos. Estavam livres agora. Não precisavam de recomendações para suas almas, a morte lhes bastava. Mantivemos silêncio, enquanto seus corpos eram consumidos pelas chamas. Depois, recolhemos suas cinzas e as atiramos do alto das torres do castelo, para fertilizarem o solo.
Quando nos recolhemos, Oanna veio fazer sua cobrança:
_Vejo que você ainda não avaliou direito as consequências de seu magnífico plano.
_Se tivéssemos utilizado Ion e seus homens, o resultado seria muito mais auspicioso. _rebati serenamente.
_Não venha dizer que a culpa é minha! Foi você quem resolver começar esta loucura desde o início! _vociferou.
_Queria que eu ficasse aqui, como uma covarde, sendo apenas mais uma de suas prostitutas? _provoquei.
_Sim! E nada disso teria acontecido! E quer que lhe mostre mais! Feche os olhos e veja! Veja o que você conseguiu!...
Fechei meus olhos e vi Traian lutando contra vários vampiros. Ele brandia sua espada e os afastava com golpes precisos, na garganta e no coração. De repente, Ilona, surgiu e, antes que ele consiguisse reagir, mordeu seu pulso esquerdo. Ele gritou, porém, demonstrando, frieza, resistência a dor e reflexo impressionantes, avistou a pistola de um soldado caído ao seu lado. Abaixou-se, mesmo sentindo as presas de Ilona rasgarem-lhe o pulso, e a pegou com a mão direita. Foi quando notei que ele também era ambidestro, pois brandia a espada com a esquerda. Ele então encostou a pistola entre os seios de Ilona e disparou. Ao sentir o impacto ela largou seu pulso, andou cinco passos para trás e parou, cambaleante, o olhar perdido. Com a mão esquerda banhada em sangue, ele armou calmamente a pistola e disparou o fatídico tiro, que a atingiu ao alto da testa, atravessando a cabeça.
Antes que ele pudesse se regozijar, porém, Catalina surgiu selvagem. Com uma rapidez incrível, ele carregou a pistola e ainda apontou para ela, mas Petre o agarrou por trás e lhe desferiu uma poderosa mordida entre o ombro e o pescoço. Traian fechou os olhos e gritou. Porém, numa reação inimaginável, abriu novamente os olhos e disparou contra Catalina, que já estava bem próxima. Ao ser atingida, ela estacou, olhou para o ferimento e passou a mão sobre o peito ensanguentado, como se não acreditasse que tinha sido atingida. Sendo fortemente sugado por Petre, Traian puxou uma adaga da cintura e a cravou em sua coxa. Petre o largou. Mostrando incrível força e determinação, Traian virou-se e tentou armar novamente a pistola, porém não possuia mais chumbo na algibeira. Sem pestanejar, jogou a arma fora, tomou da espada e desferiu um golpe na garganta do cocheiro. Vendo-o golfar sangue pela boca, aproximou-se e terminou de ceifar sua vida, enterrando a espada em seu coração.
Após tirar a espada do peito de Petre e vê-lo tombar, rumou para o portão. Trazia a mão sobre o ferimento entre o ombro e o pescoço, que sangrava sobremaneira. Rilhando os dentes _sentindo toda uma dolorosa tensão sobre seus músculos! _ele conseguiu entreabrir o portão e fugir, esgueirando-se pela fresta. Logo a seguir, ele apareceu caído em algum lugar, sob uma faia. Estava morrendo... Sua compleição se apresentava muito pálida e ele respirava com dificuldade. Antes de expirar, sua boca balbuciou sem parar:
_Maldição... maldição... maldição...

segunda-feira, 26 de março de 2012

MISTÉRIO
















Quando o banho de sangue terminou, praticamente toda a tropa estava estirada sobre o chão. Muitos mortos, outros agonizantes. Porém, nossas baixas também logo se mostraram. Caídos próximos aos portões, estavam Ilona, Catalina e Petre, o cocheiro. Ilona apresentava duas perfurações à bala: uma atravessou o peito, à altura do coração, a outra a atingiu na testa e saiu atrás da cabeça. Petre recebera uma perfuração de adaga na coxa direita, um longo corte na garganta e outra perfuração, esta de espada, que lhe atravessou o peito. Com um tiro no peito, Catalina agonizava. O projétil a atingira pouco acima do coração, partindo uma artéria, que espirrava sangue sem parar. Oanna a pegou nos braços e ela não não cansava de repetir:
_Foi o capitão... o capitão...
_Traian!... _conclui imediatamente.
Oanna olhou para seu ferimento e determinou:
_O corpo não está conseguindo se regenerar.
Olhou então para Catalina e disse com doçura, acariciando seus cabelos:
_Catalina, minha selvagem Catalina... Não tema, agora poderá finalmente descansar...
Catalina lhe respondeu com um sorriso sofrido. Oanna então abraçou-a, beijou sua testa e passou os dedos sobres suas pálpebras, fechando seus olhos. Em seguida, num movimento rápido e forte, quebrou-lhe o pescoço. O corpo de Catalina escorregou mole de seus braços, os olhos fechados, tomados pelo sono da morte. Oanna voltou-se então irada para mim.
_Veja o que conseguiu com seu plano perfeito!
Não lhe respondi nada, simplesmente a deixei se afastar. De fato, mais dos nossos morreram e ficaram feridos. Simona chorava, segurando um ferimento sobre o fígado, que não parava de sangrar. Oanna a acalmou:
_Calma, minha menina, calma. Vamos lhe dar mais sangue e logo a dor vai passar.
Theodor então apareceu com uma taça cheia de sangue, que recolheu sangrando um soldado agonizante. Ioan também foi ferido por uma bala, no braço esquerdo, mas já estava resolvendo o problema, sugando outro soldado. Eu sabia que teríamos baixas, mas não esperava tantas: treze mortos. A escuridão nos ajudou, mas seria impossível deter a reação dos soldados. Por outro lado, em minha mente, apenas me indagava sobre qual força protegia Traian. Como ele conseguira fugir?! Lembro que Oanna mantinha os portões serrados com sua vontade. Como ele venceu seu poder mental? Recorria, por acaso, à feitiçaria? Qual seria seu mistério?
Enquanto procurava respostas, tomei mais uma vez a espada e comecei a ajudar na "limpeza", junto com os demais. Decapitamos todos os corpos, assim como os agonizantes. Depois, os amontoamos em duas carroças e os jogamos fora do castelo. Por fim, os cremamos em uma imensa fogueira.