Nos dias que seguiram, Calidora me contou mais de sua vida. Certa vez lhe perguntei:
_Como conseguiu sobreviver tanto por tempo? Nunca lhe caçaram? Minha primeira vítima foi um pastor. Quando o matei, seus companheiros vieram atrás de mim. Por isso me escondi no Cheile.
_Nunca mate pastores, Irina. Nem caçadores, nem lavradores, nem eremitas, nem curandeiros, nem nobres, nem ciganos... Nunca mate quem conhece o lugar em que você está. Se o fizer, os companheiros da vítima virão atrás de você e a matarão. Você foi sábia em ir para o Cheile. Minhas primeiras vítimas foram dois legionários... Você não imagina o terror de ver uma legião inteira vindo em seu encalço. Não esqueço o latido dos cães, os gritos de comando do centurião: "_Não percam a strigoi de vista!..." Era assim que eles nos chamavam, strigoi. Eu corria desesperada pela floresta. Não apenas para não ser pega, mas sobretudo para chegar a tempo ao esconderijo onde Eni e Dácio estavam. Se tivesse de morrer, que ao menos morresse ao lado deles.
_Você sempre esteve sozinha? _perguntei afagando-a novamente, pois as lágrimas voltavam ao seu rosto.
_Cheguei a viver com um grupo de amaldiçoados. Chegamos a ser mais de duas dezenas, mas não éramos muito diferentes de um bando de mendigos, ou leprosos. Roubávamos comida de nossas vítimas. Pão, sobretudo. Encontrar vinho era um luxo. Porém, apesar de todo nosso esforço em sobreviver, ninguém durava muito tempo. A maioria caiu na mão dos legionários. O problema é que atraíamos os lobos, por causa dos corpos que deixávamos abandonados após nossos ataques. Até hoje está uma forma de nós, os strigoi, ou os vampiros, como vocês da România chamam, sermos descobertos. Onde há muitos lobos, sempre há vampiros.
_Nunca havia pensado nisso! _surpreendi-me.
Calidora soltou uma breve e espasmódica risada, que me pareceu meio louca. Em seguida continuou:
_Vi muitos companheiros meus morrerem, tendo suas cabeças cortadas... seus corações arrancados. Os legionários se regozijavam quando faziam isso. Isso nos irava! _relatou cheia de revolta _Por isso, nos invernos rigorosos, quando não tínhamos o que comer, não só bebíamos o sangue, como também comíamos a carne dos legionários que pegávamos. Não tínhamos nenhuma piedade!...
Meu coração doeu e meus olhos fecharam quando ela disse isso. E eu que pensava ter sido uma besta, uma fera... As dimensões infernais da maldição eram muito piores do que eu podia imaginar. Prossegui perguntando:
_Já vi outros vampiros com roupas parecidas com as suas. São de sua época?
_Não. Se viu uma mulher alta, com uma himation de lã e uma menina de uns doze anos, a primeira é uma geração mais recente que eu, a segunda, duas.
_De fato as vi, em minha infância.
_A mulher é Ioana. Era esposa de um advogado romano. Ela é de Mitilene, chegou aqui no tempo de Antonino. Virou lâmia porque tinha o costume de trair seu marido. Um dia, teve um encontro com um estranho que a levou para a floresta. Foi ele quem a amaldiçoou.
_Ela ainda vive, conviveu com ela?
_Nunca mais a vi. Não sei para onde possa ter ido. Nunca convivi com ela, pois é difícil mesmo de falar com ela. Ela vive tomada por uma embriaguez luxuriosa, ri à toa, fala coisas sem sentido. Acho que ela nunca conseguiu sair do transe inicial.
_Compreendo. _respondi, lembrando de quando fiquei neste mesmo estado. _E a menina? _continuei.
_Drusila?!... É romana, filha de um mercador, Druso, que veio para cá no tempo do sábio Marcus Aurelius. Era molestada pelo pai e fugiu para a floresta. Foi amaldiçoada por Cornelius, um dos sobreviventes de meu grupo. Viveu com ele até os turcos o matarem, há uns quarenta anos. Também não a vi mais.
_Conhece... por acaso... quatro mulheres...
_Quem não conhece as pornai! _respondeu ela prontamente, cortando minha pergunta e minhas dúvidas _Vieram comigo de Atenas, na mesma galera. As vi trancafiadas no porão, famintas, recebendo comida pelas grades, como se fossem animais. Era assim que eu recebia comida também, antes de Galerius me libertar. Elas eram encomenda de Laio, o pornoboskós mais promissor da România naquela época. Elas conseguiram fugir do lupanar e se refugiar na floresta. Foram encontradas por Athanasius, o mais antigo e poderoso strigoi que já andou por esta terra. Foram suas servas durante séculos!
_Foram elas que me amaldiçoaram... _revelei.
Calidora olhou para mim e soltou um leve riso. Em seguida concluiu:
_Como se eu não soubesse. Quem mais produz amaldiçoados por esta região hoje em dia?
_Como conseguiu sobreviver tanto por tempo? Nunca lhe caçaram? Minha primeira vítima foi um pastor. Quando o matei, seus companheiros vieram atrás de mim. Por isso me escondi no Cheile.
_Nunca mate pastores, Irina. Nem caçadores, nem lavradores, nem eremitas, nem curandeiros, nem nobres, nem ciganos... Nunca mate quem conhece o lugar em que você está. Se o fizer, os companheiros da vítima virão atrás de você e a matarão. Você foi sábia em ir para o Cheile. Minhas primeiras vítimas foram dois legionários... Você não imagina o terror de ver uma legião inteira vindo em seu encalço. Não esqueço o latido dos cães, os gritos de comando do centurião: "_Não percam a strigoi de vista!..." Era assim que eles nos chamavam, strigoi. Eu corria desesperada pela floresta. Não apenas para não ser pega, mas sobretudo para chegar a tempo ao esconderijo onde Eni e Dácio estavam. Se tivesse de morrer, que ao menos morresse ao lado deles.
_Você sempre esteve sozinha? _perguntei afagando-a novamente, pois as lágrimas voltavam ao seu rosto.
_Cheguei a viver com um grupo de amaldiçoados. Chegamos a ser mais de duas dezenas, mas não éramos muito diferentes de um bando de mendigos, ou leprosos. Roubávamos comida de nossas vítimas. Pão, sobretudo. Encontrar vinho era um luxo. Porém, apesar de todo nosso esforço em sobreviver, ninguém durava muito tempo. A maioria caiu na mão dos legionários. O problema é que atraíamos os lobos, por causa dos corpos que deixávamos abandonados após nossos ataques. Até hoje está uma forma de nós, os strigoi, ou os vampiros, como vocês da România chamam, sermos descobertos. Onde há muitos lobos, sempre há vampiros.
_Nunca havia pensado nisso! _surpreendi-me.
Calidora soltou uma breve e espasmódica risada, que me pareceu meio louca. Em seguida continuou:
_Vi muitos companheiros meus morrerem, tendo suas cabeças cortadas... seus corações arrancados. Os legionários se regozijavam quando faziam isso. Isso nos irava! _relatou cheia de revolta _Por isso, nos invernos rigorosos, quando não tínhamos o que comer, não só bebíamos o sangue, como também comíamos a carne dos legionários que pegávamos. Não tínhamos nenhuma piedade!...
Meu coração doeu e meus olhos fecharam quando ela disse isso. E eu que pensava ter sido uma besta, uma fera... As dimensões infernais da maldição eram muito piores do que eu podia imaginar. Prossegui perguntando:
_Já vi outros vampiros com roupas parecidas com as suas. São de sua época?
_Não. Se viu uma mulher alta, com uma himation de lã e uma menina de uns doze anos, a primeira é uma geração mais recente que eu, a segunda, duas.
_De fato as vi, em minha infância.
_A mulher é Ioana. Era esposa de um advogado romano. Ela é de Mitilene, chegou aqui no tempo de Antonino. Virou lâmia porque tinha o costume de trair seu marido. Um dia, teve um encontro com um estranho que a levou para a floresta. Foi ele quem a amaldiçoou.
_Ela ainda vive, conviveu com ela?
_Nunca mais a vi. Não sei para onde possa ter ido. Nunca convivi com ela, pois é difícil mesmo de falar com ela. Ela vive tomada por uma embriaguez luxuriosa, ri à toa, fala coisas sem sentido. Acho que ela nunca conseguiu sair do transe inicial.
_Compreendo. _respondi, lembrando de quando fiquei neste mesmo estado. _E a menina? _continuei.
_Drusila?!... É romana, filha de um mercador, Druso, que veio para cá no tempo do sábio Marcus Aurelius. Era molestada pelo pai e fugiu para a floresta. Foi amaldiçoada por Cornelius, um dos sobreviventes de meu grupo. Viveu com ele até os turcos o matarem, há uns quarenta anos. Também não a vi mais.
_Conhece... por acaso... quatro mulheres...
_Quem não conhece as pornai! _respondeu ela prontamente, cortando minha pergunta e minhas dúvidas _Vieram comigo de Atenas, na mesma galera. As vi trancafiadas no porão, famintas, recebendo comida pelas grades, como se fossem animais. Era assim que eu recebia comida também, antes de Galerius me libertar. Elas eram encomenda de Laio, o pornoboskós mais promissor da România naquela época. Elas conseguiram fugir do lupanar e se refugiar na floresta. Foram encontradas por Athanasius, o mais antigo e poderoso strigoi que já andou por esta terra. Foram suas servas durante séculos!
_Foram elas que me amaldiçoaram... _revelei.
Calidora olhou para mim e soltou um leve riso. Em seguida concluiu:
_Como se eu não soubesse. Quem mais produz amaldiçoados por esta região hoje em dia?