quinta-feira, 31 de março de 2011

INFERNO



























Os vi se afastarem acovardados, ganindo e uivando. O vento deu um longo sopro gelado e fechei os olhos de satisfação. Lágrimas rolaram sobre meu rosto. Meu coração batia!... Batia forte!... Como estava feliz!... Meu coração batia! Batia!... Ri e chorei de felicidade!... Feliz por me sentir viva!...
O vento gelado passou a me oprimir os ossos e juntas e, por isso, tive a lembrança sensata de juntar minhas roupas sujas e vesti-las. Foi neste momento que senti meu pescoço inchado e dolorido _com pouco movimento _assim como meus pulsos. Junto com a dor, senti uma estranha e incomensurável sede... Sede que mais parecia fome. Instintivamente levei a mão suja de sangue à narina. O cheiro de sangue já coagulado me enjoou. Mas um leve e sutil aroma ferroso me agradou. Sim... eu queria sangue!... Não aquele sangue, morto, coagulado. Queria sangue fresco...
De Volta à condição de fera, conclui: "_Tenho de me alimentar! Tenho de me alimentar!...".
Com este único pensamento em meu coração, perambulei como uma besta, soprando ar gelado pelas narinas, olhando de um lado para o outro, como uma raposa em busca de uma presa. Não demorou muito para eu sentir o cheiro, muito forte, de leite de cabra. Nunca pensei em senti-lo tão forte. Minha boca salivou de desejo pelo leite. Ouvi então o som de uma sineta e o berro próximo de uma ovelha. Feito um bicho, me apressei em direção ao lugar de onde vinham os sons. Para minha surpresa, cheguei lá bem rápido, como se possuísse o instinto de uma fera. À beira de um riacho estava uma ovelha perdida. Ao vê-la, inacreditavelmente, meu desejo de atacá-la cessou. Senti o cheiro de um pastor, muito forte, aumentando cada vez mais! Nunca pensei que reconheceria este cheiro de forma tão clara. "_Um pastor em busca de sua ovelha!..." _conclui salivando, com o espírito entre o homem e a fera.
De fato, minha primeira vítima não demorou a aparecer. Baixo, relativamente jovem, com cerca de 28 anos, talvez. Forte e tosco e atarracado como todo camponês. Como uma cobra, me aproximei fazendo o mínimo de barulho. Esperei ele se virar para conduzir a ovelha de volta ao rebanho. Mal ele começou seu caminho de volta... me aproximei muito rápida por trás!... Pulei em suas costas como numa brincadeira de criança. Mas minha brincadeira acabou como uma forte dentada em seu pescoço. Senti meus dentes entrarem em sua carne musculosa, perfurando-a profundamente. Seu cheiro forte de camponês, que me desagradaria em outras épocas, encheu-me a boca de água. Porém, o gosto de ferro, próprio do sangue, logo inundou minha boca e narinas. Chupei com força, muita força.
Ele apenas teve tempo para gemer. Ainda levou as mãos às costas, para tentar se livrar de mim. Mas caiu, e eu cai sobre ele. O agarrava com braços e pernas, num abraço infantil e mortal. Ouvia seu ganido fino e sufocado, de quem agonizava em uma espécie de estrangulamento. Mas minha boca drenava seu sangue de forma impressionante. O sabor ferroso do sangue, sua textura um tanto espessa, me causavam um prazer quase venal.
A medida em que ele ia se debatendo cada vez menos, mais forte eu me sentia e mais força empregava em drená-lo. Por fim, saciei-me... e ele não mais se debatia, estava morto!... Larguei então seu corpo e fiquei de joelhos, respirando ofegante. A medida que me acalmava, minha consciência retornava. Olhei para o cadáver daquele homem, ali estendido. Levei as mãos à cabeça, balançando-a negativamente. Mais uma vez compreendi: "É assim!... Será sempre assim!... Para sempre!... É o inferno!!!..."

terça-feira, 29 de março de 2011

A DAMA






















Eu não sei quanto tempo permaneci desacordada. Lembro que quando abri os olhos, ainda me encontrava na clareira, porém tudo à minha volta se encontrava diferente. Havia uma estranha luminosidade em tudo, como se a lua _que pairava cheia no céu _banhasse todas as coisas com seu brilho frio e prateado. Eu me sentia lânguida, como quem acorda de uma bebedeira. Porém, não sentia dor. Percebi que estava completamente nua. Minhas roupas estavam sob minhas ancas, no chão, ainda como a cama improvisada que as vampiras fizeram. Havia sangue coagulado em meu corpo. Descia do pescoço, passando entre os seios, até o meio de minhas coxas. O sangue chegara a banhar meu sexo. Toquei no pescoço e senti duas profundas e protuberantes perfurações, pouco abaixo da orelha direita. Notei ainda outras duas perfurações pouco abaixo da mandíbula esquerda. Olhei então para meus pulsos... Em cada um deles, as chagas de duas profundas dentadas figuravam envoltas em sangue ressecado. O sangue também banhara minhas roupas, deixando uma imensa nódoa. A despeito dessa imagem aterradora, não me sentia mal. Pensei comigo mesma, "_Devo estar morta!...". Para minha surpresa, uma doce voz feminina respondeu aos meus pensamentos:

_Sim, Irina, você está!...

Olhei na direção da voz e vi uma mulher linda, aparentando vinte anos de idade, de pele branca e cabelos negros, arrumados em um belo penteado. Seus olhos grandes tinham pupilas negras e seu sorriso era meigo, porém algo malicioso. Ela trajava um belo vestido azul turquesa, de seda, que reluzia miraculosamente. Ele era ricamente trabalhado, como das grandes damas. Estava sentada sobre um tronco decepado de árvore, que não existia na clareira, até então. Como uma estranha fada, ela começou falar:

_Mas não por muito tempo. Na verdade, a partir de hoje, todas as vezes que fechar os olhos para repousar, não dormirá... morrerá!...
Engoli esta sentença em seco, em minha garganta. Ela prosseguiu:
_Também não terá mais sonhos, apenas voltará para cá... para o mundo dos mortos. E quando despertar... voltará ao mundo dos vivos.
Desesperei-me:

_Por que não posso morrer de uma vez? Descansar, como todos os mortos?...

_Porque este direito lhe foi tirado. _respondeu ela doce, porém impiedosa.

Baixei a cabeça, compreendendo tudo. As lágrimas desceram inevitavelmente de meus olhos. Com a voz chorosa supliquei:

_Por favor, me deixe morrer!... Que eu vá imediatamente para o inferno... queimar por toda a eternidade... mas que eu possa morrer em paz...

_Seu inferno será este: penar na escuridão... Meio viva... meio morta... _respondeu ela mansa e categórica.

Espremi meu rosto em choro, vertendo dois rios de lágrimas de meus olhos. Sem piedade, ela continuou:

_Você não tem direito à morte, Irina. Nem à vida. Vagará entre uma e outra... toda vez que dormir, toda vez que acordar.

_Mate-me!... Mate-me de uma vez... Você é o anjo da morte , não é?.... Então leve-me!... Leve-me de uma vez!... _supliquei chorando.

Ela soltou um riso leve e gracioso, como se fosse uma jovem e paciente mãe. Respondeu então:

_Não sou um anjo.

Desesperada, fiquei de joelhos e supliquei novamente, estendendo-lhe os braços:

_Seja você quem for, leve-me! Não me deixe daqui...

Ela abriu um sorriso meigo, ergueu-se do tronco de árvore e veio até mim. Afagou meu rosto carinhosamente, como uma mãe, e disse:

_Acorde, Irina. Acorde. Já é hora... _ e fechou meus olhos com a mão.
Ainda sob a escuridão, ouvi como que bufos e uma baforada quente, úmida e mal cheirosa sobre meu rosto. Algo quente e molhado começou a se esfregar em meu pescoço. Outros bufos e rosnados chegaram aos meus ouvidos. Agora eram meus pulsos que passavam a ser lambidos. Comecei a sentir como que picadas em meu corpo, nas costas, no pescoço, no pulso esquerdo. Arranhadas. Algumas "coisas" geladas... tocavam e empurravam meu corpo. Foi quando minha consciência voltou de todo...
Com um movimento brusco e um irado e agudo grito, ergui-me e joguei dois lobos para longe de mim. Chegaram a rolar pelo chão! Ganindo assustados, se afastaram. Porém, com os olhos flamejando na escuridão, toda uma alcateia começou a rosnar e latir ameaçadoramente. Como um animal selvagem _completamente nua! _ pus-me em guarda, sobre as duas pernas semiflexionadas... também rosnando e sibilando assustadoramente. Sem recuar, eles continuaram a rosnar, circulando à minha frente. Começaram então a insinuar pequenos avanços, latindo e rosnando ameaçadoramente. Seu objetivo era me amendrontar e acuar. Uma bela forma de desarmar a presa.
Eu estaria sentenciada à morte se eu fosse quem era antes. Mas para desgraça deles, eu não o era mais... Um deles _visivelmente o lobo líder _se aproximou babando e rosnando, seguro e ameaçador e, sem demonstrar nenhum medo, saltou sobre mim...
Tão logo o fez, sem sequer pensar, projetei meu braço para frente, com a mesma rapidez de seu salto. Minha mão enfiou-se em sua goela!... Agarrei-o pela língua, rasgando-a por baixo, com as unhas!... Como um travesseiro velho, sacudi seu corpo no ar e o joguei de volta à alcatéia. Seu pescoço estalou alto ao se fraturar. Como um imenso soco, caiu sobre três de seus irmãos. Um teve o focinho fraturado, rodando desnorteado, tonto, jorrando sangue pelas narinas, acabando por tombar. O outro saltou ganindo de dor, por ter quebrado a perna dianteira. O último dos três, também tombou morto pois, como seu líder, quebrou o pescoço.
Urrei muito alto, em seguida. Eu era a fera ali!... O vento frio da noite de outono bateu forte. Minha juba ruiva, desgrenhada, revolvia sobre meu rosto. Minha respiração soltava assustadoras nuvens de vapor. Meus olhos... deveriam estar mais vermelhos que nunca!... Amedrontada, a alcateia se afastou. Respirando o ar frio da noite, senti que estava viva _viva! _e comecei a chorar.

terça-feira, 22 de março de 2011

A CONSUMAÇÃO















Cena de Drácula - De Bram Stoker.




Elas estavam juntas, como irmãs e olhavam direto para mim. A mais alta delas _que estava no meio e parecia ser a líder _falou então em seu característico koiné, que já conhecia de meus sonhos:
_Irina... Tanto tempo esperamos por você...
Eu simplesmente olhava para elas, com a respiração ofegante. Esperando algum pedido, alguma explicação de seu desesperado chamado. Foi quando minha respiração quase parou... e meu sangue gelou... Aterradores sorrisos, que mostraram presas longas e afiadas como as dos lobos, se abriram para mim. Não podia ser! Elas eram vampiras! Estavam ali para exigir minha alma! Para consolidar minha maldição! Eu caíra com meu pai! Pecara! Como as filhas de Lot!... Tremi como que congelada por um instante e por fim... gritei:
_Aaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaah!!!...
Dei-lhe as costas! Corri! Corri! Corri!... Corri sem olhar para trás!... Um mundo de árvores e trilhas confusas se abriu à minha frente. A bruma envolvia a tudo!...Terrível! Como teia de gigante e aterradora aranha!... Os fantasmagóricos risos de minhas algozes ecoava, tomava o ar!...
_Wah-rrarrarrarrarrararrarrarrá!...
O terreno ondulante, de constantes subidas e descidas, desequilibrava-me, cansava-me as já fatigadas pernas. Meu vestido atrapalhava, pesava! Por vezes tinha de levantá-lo!... Em uma descida... tropecei!... Caí!!!... _A-aaaah!... _Minhas mãos ainda tiveram tempo de se apoiar e ferir-se no chão, para que não machucasse meus seios. Mas os risos ecoavam! Se aproximavam! Não!... Elas vinham logo atrás, zombando! Eu as sentia se aproximando! Mas não ouvia seus passos!... Levantei-me! Corri! Corri! Corri!...
Mudava de direção, tentando confundi-las. Mas era eu quem me perdia naquele labirinto de árvores. Minha respiração ofegava, esfumaçava na noite. Minhas mãos tolas tentavam abrir a pesada cortina de bruma, só para constatar que ele se fechava logo em seguida. Quase não reparava para onde estava indo. E sendo assim... por fim me vi novamente... na clareira!...
_Meu Deus!... Estou andando em círculos!... _conclui tardiamente.
Elas então surgiram à minha volta!... Saíam da bruma lentas e precisas. Serpentes meticulosas, até podia ouvi-las sibilar. Antes que eu pudesse gritar, caíram sobre mim.
_Aaaaaaaaaaaaah!... _girtei.
Duas me agarraram por trás, pondo meus braços para cima, com uma força surpreendente em suas mãos geladas. As outras levantaram meu vestido e agarraram-me pelas pernas. Arreganharam-me como a uma prostituta! Senti o vento gelado bater em minhas coxas e brincar com meus pelos pubianos. Protestei desesperada, me debatendo!
_Nãaaaaaaaaaaaaah-aão!!!... Não!...
Elas zombaram:
_Ninguém pode lhe ouvir, Irina, ninguém!... _disse a mais baixa às gargalhadas.
Tentei me soltar de seus braços. Mas eles eram como correntes. Foi quando as que me agarravam as pernas, começaram apalpar minhas coxas e a bolinar meu sexo. Senti uma repulsa e agonia profundas!...
_Nãaaaaaaaaah-ão!!! Não! Me larguem! Me larguem! _gritei em protesto, tentando me desvencilhar, balançando minha cabeça de um lado para o outro e desgrenhando meus cabelos.
A líder respondeu então entre risos libidinosos:
_Não resista, Irina... Você gosta!... Você quer!...
_Nãããooo! Nãaaaaooo!!!... _reagia.
Ela e sua companheira então abriram meu corpete e minha blusa com a precisão do caçador que tira a pele da caça. Encheram suas mãos geladas com meus seios... Os apertavam e brincavam com os mamilos, com as pontas de seus dedos longos e frios. Enquanto isso, as duas embaixo passavam suas línguas viscosas em minhas coxas. Uma delas massageou minha vulva, sussurrando lúbrica:
_Como é linda! É ruiva e cálida!...
Chorando, eu tentava fechar as pernas, mas seus braços eram mais fortes que o dos guardas de tio István.
_Que delícia! _diziam sôfregas.
Minhas forças começaram a faltar. O cansaço da luta prolongada recaía sobre mim. Vendo-me perder a luta, intensificaram sua sedução:
_Isso, patriciazinha, se entregue!... Não resista!... _dizia a líder de forma sibilante.
Elas começaram a tomar minha alma. Meu corpo e minha mente eram entorpecidos pela volúpia, que parecia mesmo uma droga. Suas leves mordidas emitiam ardores que subiam até meus mamilos e faiscavam no coração. Minha boca secou... e depois se umedeceu.
Foi então que senti as duas descerem minhas coxas, ao mesmo tempo, molhando-as com suas línguas. Olhei para entre minhas pernas e vi quando seus rostos se tocaram e elas se enfureceram.
_Kaarrr!!! Rakaarrr!!!...
Rosnavam como lobas famintas, brigando por meu sexo! Mostrando suas presas, ameaçadoramente, uma contra a outra!... Tentavam morder-se, abocanhando terrivelmente o ar. E mal uma vacilava, a outra já abocanhava minha a vulva.
_Aaaaaaaaah!!!... _gritava, retorcendo-me para trás.
Meus pelos avermelhados estavam molhados, pingando. Suas línguas me penetravam como navalhas úmidas. Lambiam lábios, pistilo, sugavam minha flor inchada, escorrendo o meu mel.
Em cima, uma das que me agarrava os braços desceu e começou a abocanhar meu corpo. Enfiou então a língua em meu umbigo. Estremeci!... A líder provocava:
_Isso, Irina! Não resista! Goze! Gozeee!!!...
Elas então tiraram totalmente minhas roupas, as jogaram sobre o chão e deitaram-me nua sobre elas. O frio era intenso, mas eu ardia, como se estivesse em chamas. A líder então ordenou:
_Fique de quatro, patriciazinha, fique!...
Com a vontade estranhamente dominada, obedeci. Empinei-me feito a mais ordinária das rameiras. A líder veio então por trás e abocanhou meu sexo.
_Aa-aa-a-ah... _gemi, quase sofrendo.
Lambeu e chupou forte. Enlouqueceu-me desta forma por um tempo que pareceu interminável, até que, numa atitude vil... abriu minhas nádegas e sodomizou-me com a língua.
_Aaaaaaaaaaaaaaaaaaahhhh!!!... _gritei.
_Isso, Irina, grite! Grite! Você gosta! _diziam as outras, gargalhando e dando-me tapas fortes nas nádegas.
Chorando, numa confusão de culpa, vergonha, volúpia e desespero, comecei a rebolar feito uma puta sem valor. A líder se fartava, enfiando e tirando a língua. Mexia com a cabeça para os lados, com a língua enterrada no fundo, fazendo-me urrar. Quando cansou-se de me devorar com sua boca, invadiu-me com os dedos. Introduziu o indicador e o médio em minha vulva e o polegar entre minhas nádegas!... Gani feito uma cadela. Ela fazia movimentos rotativos e de vai-e-vem. Provocava:
_Isso, sua prostitutazinha! Mexe as ancas, mexe!...
Uma das outras, então, puxou-me pelos cabelos e beijou-me a boca. Praticamente devorou-a. Sua língua se enroscava louca na minha e seus lábios se esfregavam ensandecidos nos meus. Seu hálito ferroso me embriagava. Ao parar, vociferou:
_Gostou?! Gostou, sua patriciazinha suja?! Gostou de beijar minha boca, gostou?!... Heim, sua patriciazinha suja, prostituta!...
Pegou então meu rosto com força, pressionando meus lábios, trincando meus dentes, como os de um animal. Balançou minha cabeça de um lado para o outro, desgrenhando meus cabelos e por fim, desferiu um tapa em meu rosto: _pah! _Gritei _Aah! _e cai para o lado, já sem forças.
Comecei a desfalecer... mas antes que perdesse os sentidos, senti uma poderosa dentada em meu pescoço. A dor enrijeceu todos os meus músculos, de forma que mal conseguia respirar... A líder sugava meu sangue com força. Drenava-me com fúria e eu sentia minhas forças se extinguirem. Minhas pernas tremiam, meu corpo foi esfriando. Senti sede. Comecei então a ouvir os risos das outras, como ecos distantes. Desfaleci... e nem senti quando elas todas se serviram de meu sangue.

sábado, 19 de março de 2011

JUÍZAS

























Vampiras do filme Drácula, de Bram Stoker, de Francis Ford Coppola.



Como notara, os sonhos não eram sonhos, mas possessões. Sua intensidade aumentava a cada dia. Para além deles, eu passei a sentir uma espécie de "chamado", uma estranha atração que a floresta exercia sobre mim. Eu sempre gostei da floresta _sobretudo a que fica próxima ao solar de tio István _mas o que sentia agora era uma estranha obsessão. Eu passava horas olhando pela janela de meu quarto a floresta ao longe, com seus pinheiros solenes, seu verdor vivo, que eu sempre achei lindo, mágico!...

Ao cair a noite, a possessão se consumava. Eu não mais sonhava, mas ouvia as vozes delas sussurrando em meu ouvido, em minha mente... Eu corria para a janela e sentia mesmo vontade de voar até a floresta, para encontrá-las. Finalmente, perdi meu juízo. O solar de tio István não possuía fosso, eu poderia descer por uma corda, da janela de meu quarto até o chão, e fugir. Eu sabia que os guardas só vigiavam o portão principal, na entrada. Alucinada, improvisei uma corda com lençois e vestidos. Amarrei uma ponta em minha tesoura de aparar os cabelos e a finquei numa fresta, entre os tijolos de pedra da janela. Joguei a corda janela abaixo e desci por ela. Por pouco não despenquei dali. Meus braços e costas doeram de tanta força que fiz para segurar-me. As paredes ásperas de pedra deixaram alguns arranhões e meus braços e mãos.

Quando toquei o solo, meus sapatos nem sequer pareciam cobrir meus pés, tal era o frio e a aspereza do chão pedregoso. Sem pensar em mais nada, corri rumo à floresta. Não me preocupei nem em levar a capa, desabalei para a floresta sentindo todo o frio da noite cair sobre mim. Parecia um cavalo em disparada, vendo o vapor de minha respiração soprar de minha boca e narinas. Penso que em menos de um quarto de hora alcançei a floresta. Mergulhei sob as árvores e a bruma. A lua cheia no céu iluminava meu caminho em faixos de luz. Corri, corri e corri!... Tinha de encontrá-las, tinha!...

Não me lembro quanto tempo corri pela floresta, talvez uma hora, ou quase isso. Finalmente, cheguei à clareira... e lá estavam elas, iluminadas pela lua. Todas quatro, tal como eu via nos sonhos. Circundadas pela fina névoa, olhavam para mim como juízas. Juízas da vida... e da morte!...

quinta-feira, 17 de março de 2011

TRANSE

























O Pesadelo, Johann Heinrich Füssli.



As flores de János espantaram meus pesadelos por um tempo. Neste curto tempo, refleti sobre o sentido das mulheres que apareciam em meus sonhos. Elas falavam grego e de forma alguma aparentavam ser székelys, magiares, ou romenas. Seriam feiticeiras? Se fossem, só poderiam ser ciganas, tal era o exotismo de sua aparência. Porém, até onde sei, ciganos não falam grego. Para além disso, elas não recitavam encantamentos, apenas me chamavam.
Tão logo as flores se ressecaram e morreram, eu voltei a sonhar com elas. Voltaram, dessa vez, muito mais fortes. Eu sequer voltei a sonhar com papai, elas como que se apoderaram de meu sono. Agora não mais apareciam na penumbra, já se mostravam por inteiras. O sonho começava sempre da mesma forma, eu vagando perdida na floresta, em meio à bruma. Eu ouvia suas vozes sussurrando em meu ouvindo o tempo todo, me chamando. Às vezes elas ecoavam no ar, baixinho.
Eu então chegava à uma clareira. No meio dela, lá estavam elas. Quatro mulheres vestidas com longas camisolas brancas frisadas, cingidas por um fino cordão, à boca do estômago. Usavam mantos longos, azuis, da cor do céu noturno, e traziam o rosto maquiado de forma estranha. Os olhos contornados por uma tintura preta. Mantinham-se solenes, caladas, diante de mim, como se fossem juízas de um estranho tribunal.
O sonho sempre acabava neste momento. Eu não acordava mais atordoada, mas me sentia estranha, como que envolvida por uma força invisível. Havia em mim, cada vez mais forte, uma sensação de transe quando acordava. Ela era tão forte e evidente que tia Mónika finalmente a notou:
_Está doente, Irina? _perguntou demonstrando certa preocupação.
Ao ouvi-la, como que despertava e respondia como uma criança perdida:
_Hum... Não... Onde está a sopa, estou com fome...
_Friderika já a está trazendo. _respondeu com ar preocupado. _Tome... _deu-me então um pedaço de pão.
Não fiz o menor movimento para comer o pão, permaneci imóvel, com os olhos vidrados. As criadas cochichavam ao me ver assim, mas eu sequer tinha qualquer disposição para me irritar com elas. Friderika trouxe, finalmente, a sopa e, ao me ver paralisada, como que sonhando, tia Mónika me serviu. Quase como uma sonâmbula, comecei a tomar a sopa. Sorvia-a colher a colher, enquanto aquele estranho estado parecia me deixar pouco a pouco.

sábado, 5 de março de 2011

ALHO




















As acusações continuaram sendo cochichadas pelos cantos, pelos criados.
_Ela é ruiva e tem olhos azuis. Não veem, é vampira. _argumentava, convicta, uma sórdida mocinha, que era camareira.
Eu fingia não lhes dar ouvidos. Não podia me delatar. Mas apesar de minha determinação em lutar por papai e por mim mesma, comecei a ser acometida por uma inimiga invisível: a melancolia. Esta recaiu sobre mim com uma força irresistível. Uma manhã, decidi transpor os portões e passear no campo. Tinha certeza que um passeio me faria bem. Antes que o fizesse, os guardas cruzaram suas lanças à minha passagem e me informaram:
_Recebemos ordens expressas de não deixá-la sair sem permissão, marquesa!
Olhei em seus olhos e vi que estavam falando muito sério. Meu coração partiu-se em dois!... A partir daquele momento, um grande abatimento se apoderou de minha alma. Senti-me como uma flor murcha. Os dias se tornaram estéreis, as noites se tornaram atormentadas. Tinha sonhos recorrentes com papai. Sonhos que começavam maravilhosos, com nós dois juntos, desfrutando as delícias do amor. Porém, logo se tornavam pesadelos. Em um deles, estávamos passeando em um lindo campo. Então os flocos de neve começaram a cair pouco a pouco. Rapidamente, o céu fechou, o vento se tornou forte e uma brutal tempestade começou. Eu me agarrei a papai com medo. Mas quando a fúria da tempestade atingiu o auge, os ventos colossais nos separaram. Eu fui então atirada para a floresta, onde me perdi em meio à bruma. Acordei só, desesperada, chorando e chamando por papai.
No início, eu não mais conseguia dormir após os pesadelos. Porém, com o tempo fui ficando cansada, minhas forças foram-se exaurindo. Foi neste momento... que "elas" apareceram!... Eu voltava a dormir e me via numa floresta escura. De repente, suas vozes surgiam, sussurrando... em grego koiné!... "_Irina... Irina...". Eu olhava para todos os lados e só via bruma. Uma sensação estranha tomava conta de mim, uma mistura de excitação e desespero. Quando acordava, me sentia como que enfeitiçada. Como se estivesse drogada por alguma infusão. A sensação desaparecia pouco a pouco, tão logo me alimentava ao desjejum.
Os dias foram se tornando tormentosos. Eu não possuía um único livro para ler, a não ser uma bíblia que tia Mónika pusera na cabeçeira de minha cama. Era uma tradução protestante para o húngaro. Comecei a lê-la por não ter outra opção. No início, consegui distrair-me, apesar de a tradução ser muito ruim. Senti saudades de frei Emil, de sua cultura, de seu carinho, de seu impecável latim!...
Não tendo mais nada a fazer, consegui ler toda a Bíblia, do Gênesis ao Apocalipse. O outono começava e tudo se tornava nebuloso. Perambulava pelo castelo, com a Bíbila na mão, ouvindo os criados cochicharem:
_Ela é vampira, ela não se salvará...
E olhavam para mim com olhos arregalados de abutre, como que esperando eu cair para me devorarem. Balançavam a cabeça negativamente e voltavam a sentenciar baixinho:
_Vampira, ela será uma vampira...
Quando a noite caia, eu praticamente desfalecia na cama. Tão logo isso acontecia... "elas" começavam:
_Irina... Irina... Venha para nós... Venha, Irina...
E então eu me via na floresta, caminhava em meio à bruma e chegava até uma clareira. Elas então apareciam, mas não diante de mim, porém apenas em meus pensamentos. Via apenas suas bocas, partes de seus rostos e olhos, meio encobertos pelas sombras. Elas convidavam, chamavam, clamavam:
_Irina... Venha conosco, Irina... Venha, Irina... precisamos de você...
Este sonho crescia e me tomava mais a cada noite. Notei então que ele não era um sonho, mas uma espécie de transe, de possessão.
Certa manhã, extraordinariamente tia Mónika me chamou para passear com ela em frente ao solar. Foi quando vi pela primeira vez o sábio János. Ele chegou com seu burro carregado de quinquilharias e sacos com ervas. Seus longos cabelos _já com vários fios brancos, pois estava já transpondo os quarenta anos _caiam em madeixas maltratadas debaixo das abas do surrado chapéu. Saudou então tia Mónika e ofereceu:
_Bom dia, senhora! Tenho ervas e raízes para todos os usos! Hortelã, alecrim, gengibre!...
_Gengibre! Você tem gengibre! _exultou tia Mónika.
_Tenho, minha senhora! _respondeu János alegremente.
Minha tia e duas velhas criadas o pararam para ver suas especiarias. Ele então olhou para mim, sorrindo. Seus olhos vivos pareciam me penetrar a alma e seu sorriso tinha algo de enigmático. Disse então algo que me assustou:
_Não fique triste, marquesinha, tenho algo aqui que lhe fará sorrir!...
Olhei-o espantada. Como ele sabia que eu era uma marquesa? Era a primeira vez que o via. Ele então puxou um pequeno buquê de flores de alho e disse:
_Tome! Dou de presente para você!... A fará dormir mais tranquila!...
Espantei-me com sua atitude. Como ele poderia saber que eu tinha pesadelos?... E depois, flores de alho!... Estaria gracejando? Alguém lhe contara algo? Peguei então o pequeno buquê com desconfiança. Ele continuou olhando para mim, com seus olhos vivazes e penetrantes. Nos lábios, um sorriso que continha uma estranha felicidade.