segunda-feira, 31 de outubro de 2011

PARTIDA





















Foi divertido ver Mika se transformar num cigano. Dois ciganos velhos, um alto, magro e de barba branca, mais um baixote que só usava grandes bigodes o ajudaram. O último retoque foi guardar o punhal na faixa, à cintura. De fato ele ficou muito diferente, a barba e os cabelos mais longos ajudavam muito a disfarçá-lo. Oanna deu um bom suprimento de armas e comida aos ciganos. O suficiente para encher os dois carroções que lá estavam.
Na hora da despedida, uma pequeno incidente se deu. Cheguei próximo ao carroção que levaria Mika e meu olhar recaiu sobre seu dono: o mesmo cigano que atirara em mim, quando estivera no Cheile! Ele me reconheceu, fitando-me bem, enquanto embarcava, junto com outro jovem cigano, a grande arca que continha minhas roupas. Sua esposa também estava lá, sentada na carroça, pedindo em sua língua para o marido se apressar. De repente, de lá de dentro surgiu outro rosto conhecido: Mathuanka!... Estava mais crescida, aparentando seus sete anos. Sua fisionomia agora já se moldava aquela mistura entre o meigo e o rude, que tanto caracteriza as crianças ciganas. Ela também fixou seu olhar sobre mim. Sua mãe foi a última a me reconhecer. Espantou-se, fez menção de gritar, mas tapou a boca com as mãos.
A tensão, no entanto, foi quebrada por Mihail, que logo surgiu falando em romeno com o dono da carroça:
_Podemos partir, levarei apenas esta bolsa comigo!
_Sim... sim, senhor! _respondeu o cigano, cheio de sotaque, como que despertando de um cochilo.
Com tudo pronto, Mika voltou-se para e nos abraçamos. O beijei ternamente no rosto e, com seu rosto entre minhas mãos, prometi:
_Logo estarei novamente com você. Não vou abandonar você, nunca!...
_Eu sei... _respondeu ele e logo depois me abraçou com força.
Não pude deixar de verter lágrimas ao ver o carroção se afastar. Porém, meu choro foi interrompido pelo chamado de Oanna:
_Irina! _chamou da porta, com um aceno de mão, ordenando-me que entrasse.
Chegara a hora de me preparar para minha partida. Levaria apenas um vestido simples e uma capa, além de uma bolsa contendo alimentos para, no máximo, dois dias. Saímos à noite. Oanna disse às criadas que iria me acompanhar até outro grupo de ciganos, escondidos na floresta. Partimos à cavalo. Na verdade, fomos ao ramal onde encontramos Ion pela primeira vez. Ele já nos aguardava. Estava com seus três monstruosos companheiros, Anton, Fiodor e Rudolf. Aghaton relinchou e recuou assustado quando os viu. Tive de acalmá-lo:
_Calma, Aghaton! Calma, meu menino.
O acariciei no pescoço e no rosto, o que de certa forma o encantava, deixando-o sobre o meu controle. Oanna então olhou para mim e foi seca:
_Vá!... Você não tem tempo a perder.
Não lhe respondi nada, apenas a fitei e galopei rumo aos outros vampiros. Calmamente começamos nossa viagem, mergulhando na escuridão. Vez ou outra, eu olhava para trás. Oanna permanecia parada, vendo nos distanciarmos dela. Em determinado momento, virou-se com o cavalo e se foi de volta para o castelo, sem olhar para trás.

domingo, 30 de outubro de 2011

SANGUE E CARNE




















Quando o inverno completou dois meses, Oanna chamou a mim e a Mihail e determinou:
_Está na hora de prepararmos sua partida. Já recebi a resposta dos ciganos, eles prometeram chegar em no máximo três dias. Você levarão algumas armas e provisões, mas não muitas, pois não devem se retardar em virtude de bagagem excessiva. Foi bom ter deixado a barba crescer, Mihail, quando os ciganos o vestirem com suas roupas, ficará irreconhecível.
_Quanto a mim _intrometi-me _como me disfarçarei?
_Você não irá junto com ele. _respondeu categórica.
_Como assim?!... Você prometeu! Era nosso plano! _irritei-me.
_Você irá por outro caminho, adentrando os Cárpatos, seguindo o Olt. _explicou Oanna.
_O que?! _irritei-me mais ainda. _Para que perder tanto tempo?!...
_E expôr minha guarda especial ao perigo?!...  Nunca! Ion e seus companheiros lhe levarão até o Cheile, seguindo o rio, e ponto final! Lá chegando, encontrará Dimitru e a pequena tropa que pediu e poderá se danar com eles como bem entender!
Sem compreender, Mihail se intrometeu:
_Eu poderia ir com eles.Talvez fosse até mais seguro...
_Não! _cortou-o Oanna. _Você tem de chegar são e salvo de volta a seu povo! Irina irá a cavalo. É uma vampira, pode aguentar os rigores do inverno sem problemas, você não! Ou deseja se alimentar de sangue, como eles farão?
_Não... _recuou Mihail.
_Então se prepare para ir com os ciganos. _finalizou Oanna.
Mihail, porém, suspeitou:
_Ei! Mas de quem será este sangue?
_De bandidos! _intorrompeu-o, Oanna. _Ladrões, contrabandistas e salteadores! Gente que não vale nada! São sangue e carne fácil! Mas para além deles, nossa pequena comitiva pode ter a sorte de encontrar uma tropa do príncipe. Para meus homens seria um banquete! E penso que minha querida filhinha aqui _afagou-me então o rosto com suas longas unhas _também gostaria de saborear aquele sangue...
_Até a carne, se possível for! _respondi irritada.
Neste momento, Simona entrou na sala e foi até Oanna, sussurrando-lhe algo no ouvido. Oanna sorriu e deu-nos a notícia:
_Alegrem-se! Os ciganos chegaram!

terça-feira, 25 de outubro de 2011

LOUCURA


























Nos dias que se seguiram Mika conheceu melhor a Oanna. Esta não fez rodeios quanto ao fato de sua presença ali lhe render riscos:
_Não quero expulsá-lo, mas nada tenho contra o príncipe e sei que logo chegará uma tropa por aqui procurando por você. Penso então que, como já está reestabelecido, este seja o momento mais propício para você partir. Até porque o príncipe poupará seus homens no inverno.
_Pode me ajudar a retornar à Csik? _questionou Mihail.
_Sim. Até já imagino como. Você retornará pela estrada, disfarçado de cigano. Tenho muito boas relações com os ciganos. Você deixará seu cabelo e sua barba crescerem, deve ficar com uma aparência bem diferente. Sua viagem de volta começará no fim do inverno, para que possa lançar seu contrataque ao raiar da primavera, eles não esperam por isso.
_Tivemos muitas baixas, você pode me ajudar com mais homens? _suplicou Mika.
_Seria tolice minha me envolver diretamente nesta guerra, o máximo que posso fazer é deixá-lo de volta com o máximo de segurança.
Neste momento intrometi-me e provoquei-a:
_Faça o melhor para você, Oanna, mas irei com ele, afinal foi para isso que treinamos por tanto, não foi?
Desconcertada e irritada ela rebateu:
_Faça o que quiser! Lavo as mãos, no que diz respeito a você!
_que assim seja, mas quero algo antes de ir: dê-me um pequeno exército de vampiros.
_O que?! _irritou-se mais ainda.
_Não preciso de muitos, e eles agirão em pontos estratégicos, poupando os esforços de meus irmãos e desequilibrando as defesas do príncipe.
_Você está louca! Não arriscarei meus homens numa empreitada maluca dessas! _opôs-se.
_Seus homens não correrão nenhum risco. Atacaremos na calada da noite, quando as tropas do príncipe estiverem descansando. Não precisamos nem matar muitos, apenas o suficiênte para que eles morram de medo.
_O que está querendo dizer? _investigou ela.
_O exército do príncipe não teme os székelys, age como um grupo de caçadores acuando a caça. Está na hora de baixarmos o seu moral. Eles têm de se sentir acuados, têm de perceberam que a floresta possui feras muito mais tenebrosas de que possam imaginar. Com isso, os faremos perder o controle. Amendrontados e confusos, se tornarão presa fácil das escarmuças de meu povo.
Mika exultou:
_Meu Deus... você está certa!...
Oanna, irritou-se:
_Não acredito que um guerreiro está dando ouvidos às sandices de uma menina tola!
Mihail corroborou comigo e defendeu-me:
_Ela não é tola, bem ao contrário! Realmente, se as tropas do príncipe forem atacadas por vampiros ao longo de todo território székely, não apenas se enfraquecerão por conta de seu temor, mas desencorajarão outras tropas de entrarem em nosso país.
_Acha que Sigismond temeria vampiros? Ele é calvinista, sequer acredita em nossa existência! _rebateu Oanna.
Demonstrando todo seu conhecimento de guerra, Mika argumentou:
_Sigismond talvez não tema, mas seus homens sim. Ele nada poderá fazer sem seus exércitos. Fora isso, a própria notícia de que seus soldados fogem de volta para casa com medo de vampiros, o desmoralizará completamente.
_Isso é loucura! _protestou Oanna.
_Sim! _confirmei. _Extamante do que precisamos, loucura! Desequilíbrio! Soldados com o moral fraco e as defesas abertas!
_Perfeito! _exultou Mihail.
_Grande Yarilo!... _clamou Oanna, balançando a cabeça negativamente.
Sentou-se então e refletiu por um certo tempo, olhando para o chão, com as mãos sobre as têmporas. Após um breve momento de silêncio, suspirou alto e determinou:
_Que seja como vocês desejam! Mas ouçam!... Não usarão meu exército secreto em Csik, apenas os vampiros mercenários que eu arregimentar! Darei ordem a Dimitru para que reúna um bom número de novos vagabundos amaldiçoados como ele, e use nesta sua empreitada maluca!
_Como quiser! _aceitou Mihail.
Sorri em resposta.

segunda-feira, 24 de outubro de 2011

CORDA



















No dia seguinte, eu e Mika conversamos mais. Atendendo ao clamor de meu coração, ele me garantiu que frei Emil ainda estava com eles, na floresta. Não contive minha alegria em saber disso, pulei em seu colo, chacoalhei em cima dele, o abracei até quase sufocar, dando-lhe muitos beijos, rindo e chorando ao mesmo tempo. Ele disse que Andrei também estava com eles. Contou então os crimes que conde Vladmir cometera, em sua busca ensandecida por mim:
_Primeiro ele aprisionou tio István e tia Mónika na masmorra de seu próprio castelo e os deixou a pão e água durante quatro dias, para que delatassem onde você estava.
_O que me admira, pois eles o estavam ajudando a chantagear papai com a estória do incesto. _comentei indignada.
_Sim, hoje sabemos disso. Mas só depois que ele queimou o solar de tio István, com ele, tia Mónika e todos os criados dentro, é que soubemos do acerto.
_Eis o prêmio da traição. _postulei.
Mika continuou:
_Depois disso ele mandou uma tropa até o mosteiro onde Mila se encontrava. Os soldados mataram as freiras e incendiaram o prédio.
_O que?!... _inquietei-me. _E Mila?!...
_Graças a Deus Mila conseguiu fugir, não me pergunte como, e agora está com Vladia em Kolozsvár.
_E vocês, como estão? _indaguei preocupada, ajeitando-lhe uma mecha de cabelo sobre a orelha direita.
_As coisas estão difíceis. _respondeu ele. _Só não caímos por conta de nossa obstinação. Já se debate uma trégua, para uma possível negociação com Sigismond. Mas uma parte de nossos companheiros é contra, pois teme as inevitáveis retaliações. Tanto Sigismond, quanto nosso povo têm motivos muito fortes para não ceder, para lutar até a morte. Ele nos afrontou, nós o afrontamos. Acho a idéia de uma trégua, e subsequente negociação, um sonho impossível na atual conjuntura!
_Até que ponto estão em desvantagem? _investiguei.
_Até o ponto de o inimigo estar dentro de nossa casa. Somlyó passou a ser o centro do conflito, o centro da resistência. Se Sigismond conseguir destruir nosso foco na floresta, nosso país estará em suas mãos.
_Não possuem nenhuma alternativa? _inquietei-me.
_A última alternativa que considerávamos foi um fracasso. Chegamos à conclusão de que precisávamos de um posto fortificado. Por isso tivemos a ideia de retomar nosso castelo. Tínhamos um bom contingente, mas nosso assalto foi um desastre. Conseguimos entrar com facilidade, mas uma explosão acidental complicou tudo. Alguns de nossos homens entraram pela cozinha. Lá, encontraram guardas, com quem trocaram tiros. Do ponto em que estava, ouvi quando o tiroteio começou. Acontece que, ao que parece, eles estavam guardando barris pólvora ali. Devem ter atingido um barril, pois toda a cozinha voou pelos ares. Pelo menos dez de nossos homens foram perdidos. Os que estavam lá fora, cerca de quinze, também foram gravemente feridos. Um incêndio teve início. A luta começou então desordenada, praticamente homem a homem. A ajuda dos camponeses foi um tanto nefasta nesse sentido. Eles caiam sobre os soldados com suas foices, facas e enxadas, sem medo de morrer. Nossos inimigos passaram a atirar a esmo, isso tirou a vida de muitos de nossos melhores homens. O fogo estava se espalhando e tivemos de bater em retirada. Foi difícil para mim e Nicolae encontrarmos uma saída, pois fomos acuados no alto da escada. Batemos muitos homens à espada, mas tivemos de nos refugiar no antigo quarto de Mila. Descemos pela janela, com a ajuda dos camponeses, que puseram cavalos a postos para nós, embaixo. Na hora da fuga, no entanto, fomos surpreendidos por mais soldados. Na confusão da luta, acabei por fugir para um rumo diferente do de Nicolae.
Pus a mão sobre a boca de aflição. Mika prossegiu:
_Nicolae voltou para nosso acampamento, eu tomei o rumo sul. Ainda cheguei a me esconder na casa de um ferreiro. Ele me disfarçou com um manto com capuz e pregou as ferraduras de meu cavalo ao contrário, para que os soldados do príncipe pensassem que fugi na direção oposta. Esperava chegar em Brasov são e salvo, mas alguém deve ter me visto. Uma pequena tropa veio em meu encalço. Quando o capitão viu que não podia mais perder tempo comigo, mandou três homens continuarem em meu rastro. Conseguiram me alcançar na estrada, onde fui obrigado a confrontá-los. Matei um deles com um tiro na testa. Os outros me perseguiram até onde você me encontrou. Na fuga, levei o tiro que me atravessou o abdomem. Eles também feriram a perna traseira direita de meu cavalo. Tive de saltar e sacriquificá-lo. Escondido atrás de um pinheiro, despedi-me dele e o esfaqueei na garganta. Um tiro seria mais rápido, mas delataria meu esconderijo. Fugi então para frente, sem saber onde iria chegar. Meu intento era achar uma gruta. Mas estava perdendo sangue e comecei a me sentir fraco e sedento. Foi quando finalmente os dois me alcançaram... Para minha sorte, não tinham mais balas. Ainda tentei lutar, mas um deles, com um único golpe de espada, jogou a minha longe. Cai ao pé de um pinheiro, não tinha mais forças para me manter de pé. Teria sido morto... se o milagre mais aterrorizante de toda a minha vida não acontecesse!...
Neste momento não resisti e o abracei soluçando:
_Jamais deixaria você morrer, jamais!...
_Eu sei... Eu sei... _respondeu Mika afagando-me os cabelos.
Expliquei então a ele o que se passou comigo:
_Tive uma visão de sua fuga, consegui chegar a tempo!... _e continuei a chorar.
Mika me afagou a cabeça e prosseguiu:
_Eu não entendo como consegue fazer isso, mas lembro que ainda a segui. Não me pergunte de onde tirei forças para isso. Eu parecia estar possuído.
Lhe expliquei então:
_Você seguiu o rastro deixado por minha força, ele tomou sua alma, puxou-o como uma corda em seu pescoço.
_Não entendo de magia, mas de minha parte jamais maldirei esta corda. _disse enquanto eu o apertava em meus braços e o beijava.

domingo, 16 de outubro de 2011

GUERRA

A alegria do reencontro seria apenas momentânea, eu sabia disso. Logo teria de saber tudo o que acontecera após meu desaparecimento. Meu coração dizia para esperar o pior. No dia seguinte, sentei-me com Mihail e fiz a pergunta fatídica: 
_Como está papai?...
Ele se manteve calado por um momento, baixou a cabeça, a ergueu novamente e disparou:
_Papai está morto!...
Engoli a notícia com dificuldade. Uma grossa lágrima começou a rolar de meu olho direito e tomei fôlego para continuar.
_Como aconteceu?...
_Numa emboscada...
Rilhei os dentes e começei a soluçar. Mihail prosseguiu:
_Estamos em guerra, Irina. Nossa família está fora da lei agora, em guerra contra o príncipe novamente. E tudo... por sua causa.
_Como assim? _espantei-me.
_Estávamos tentando viver em paz quando você desapareceu. Conde Vladmir culpou papai por seu desaparecimento e o acusou de incesto.
_O que?!... _sobressaltei-me, levantando da cadeira.
_Sim... Ele acusou papai de ter um caso incestuoso com você e de escondê-la. Foi até o príncipe e disse que papai havia garantido sua mão a Ferencz. Defendeu que ele não honrou sua palavra por conta do crime que cometia com você. Acusou então papai de loucura e disse que queria resgatá-la e fazer valer o direito que tinha sobre você.

_Bandido!!!... Ele nunca teve, nem nunca terá qualquer direito sobre mim!!!... _vociferei.
_O fato... _continuou Mika _é que o príncipe não apenas concedeu ao conde o direito de resgate, como o de prender papai, sob a acusação de insanidade.
_Como?!... O príncipe é quem é louco!...
_O problema, Irina... _interrompeu-me Mika _é que papai matou Ferencz!...
_O que?!... _surpreendi-me.
_Foi numa manhã que tudo se deu... _prosseguiu Mika _Conde Vladmir, Ferencz e alguns de seus homens chegaram no castelo. Traian também estava com eles.

_Maldito!... _rosnei com os dentes rilhados.
Mika continuou:

_Eu, papai, Nicolae e Marton descemos armados para recebê-los. O conde então perguntou por você, acusou papai de escondê-la e disse que se não a entregasse, iria até o príncipe. Papai respondeu que não sabia onde você estava e que me mesmo se soubesse, jamais a entregaria. Ferencz então o insultou:
_Devolva-a, seu cão mentiroso e incestuoso!
Papai ficou possesso... Na verdade, desde que você foi para o castelo de tio István, ele perdeu o controle de si, bebia muito e vivia irritado. Ele já estava alto quando o conde chegou. Com a provocação de Ferencz... ele explodiu:
_Cale sua boca suja, seu porco infiel imundo!
Montado, Ferencz atirou-se ele. Mas papai, como era seu costume, trazia sempre uma adaga escondida atrás na cintura. Puxou-a e atingiu o cavalo na testa, entre os olhos, fazendo-o cair. Ferencz ficou com a perna presa sob o corpo do cavalo, tentando se desvencilhar. Antes que ele o fizesse, porém, papai puxou a espada... e o decapitou...
_Que glória!... _exultei chorando.
Mika prosseguiu:
O conde gritou desesperado quando viu seu filho morrer:
_Ferencz!... Não!... Nããããooo!...
Papai, porém, estava fora controle... Apanhou a cabeça de Ferencz pelos cabelos e jogou-a para o conde dizendo:
_Tome a cabeça de sua cria asquerosa, sua serpente imunda!
O conde ainda quis lançar-se contra papai, mas Traian o conteve.
_Não faça isso, conde! Suporte sua dor! Não seja tolo! Não podemos perder a razão, ele agora é um criminoso. Vamos nos retirar. Levaremos o corpo de Ferencz como prova de sua loucura para o príncipe. Voltaremos mais tarde... com dez vezes mais homens!...
_Víbora!... _acusei.
Mika continuou:
_Eles juntaram o corpo de Ferencz e partiram. Nós entramos e começamos a planejar nossa defesa, sabíamos que, a partir daquele momento, estávamos fora da lei. Sabíamos que eles voltariam já acompanhados pelas tropas do príncipe. Concluímos que ficar no castelo seria tolice. Sigismond quer apenas um pretexto para nos punir e papai lhe dera muito mais que um motivo. Por isso, Marton sugeriu:
_Temos de nos esconder na floresta! Prepararemos armadilhas e escaramuças.
_Certo! _concordou papai.
Marton prosseguiu:
_Os criados devem se dispersar pela vila. Os idosos e doentes devem ir para o mosteiro. Levaremos apenas aqueles que forem fortes e hábeis com armas. Deixaremos para o exército do príncipe apenas um castelo vazio e sem provisões.
_Certamente! _concordou Nicolae.
_E mais _concluiu Marton _devemos enviar um emissário imediatamente para os rebeldes e avisar nossa situação. Sozinhos seremos dizimados! 
Enviamos os emissários e começamos a esvaziar o castelo imediatamente. Montamos acampamentos na floresta. Levamos nossas mulheres e filhos e algumas criadas. Algumas delas ainda exitaram em ir, temendo os vampiros. _riu-se Mika.
_Tolas! _revoltei-me. _Não há vampiros nas redondezas de nosso castelo. Vampiros preferem o Cheile e as estradas.
Mika finalizou:
_Os primeiro grupo rebelde ainda chegou a tempo de nos ajudar a montar o acampamento. Nos três dias que se seguiram, sete novas levas de rebeldes apareceram para se juntar a nós. Todos rogaram a nós para que iniciássemos um novo comando, uma vez que a resistência estava dispersa em bandos sem unidade desde o fim do levante de 62. Aceitamos nossa nova incumbência incondicionalmente.
Sorri quando ele falou isso. Ele continuou:
_Ainda vimos de longe quando nossos inimigos finalmente chegaram no castelo. Ficaram aparvalhados. Vimos quando conde Vladmir, irado, deu ordem para os soldados incendiassem tudo. Mas Traian novamente o conteve. Eles então passaram a usar nosso castelo como quartel.
_Eu empalaria e queimaria aquele baixote infiél vivo, se ele incendiasse nosso castelo. _ameaçei irada.
Mika riu levemente e prosseguiu:
_Tivemos tempo de nos organizar, pois eles ainda se demoraram em buscar provisões. No início os matávamos facilmente, pois os homens do príncipe não conheciam o terreno. Porém, Traian conhece bem a região e isso os ajudou. Um dia, por acaso, topamos com uma tropa liderada por ele. O combate que seguiu foi rápido e violento. Primeiro trocamos tiros, depois lutamos à espada. Perdemos dois companheiros. Nicolae não estava conosco. Papai lutou como nunca, desarmou e feriu Traian com um golpe de espada, no ombro direito.  Porém, a atitude suicida, que passou a ter desde que você desapareceu, acabou por lhe custar a vida... Traian também o feriu... com um golpe de adaga no fígado...
Ao ouví-lo dizer isto, simplesmente baixei a cabeça e comecei a soluçar baixinho. Mika começou a acalentar meus cabelos e continuou:
_O levamos para o acampamento, mas não havia esperança. Ele próprio nos certificou disso. Ainda sobreviveu uma hora, o suficiênte para nos despedirmos dele... Ele nos fez prometer que encontraríamos você... e parece que consegui cumprir a promessa... _concluiu com lágrimas nos olhos.
_Onde o enterraram? _indaguei com voz sumida.
_No mosteiro. Tivemos de fazer um sepultamento secreto, de madrugada. Sua cova é marcada apenas por uma figueira. Quando tudo isso acabar, o enterraremos em nosso jazigo. _prometeu Mika.

terça-feira, 11 de outubro de 2011

PODERES






















Passei então o resto do dia entretendo Mihail, mostrando-lhe meus poderes. Ele riu muito quando me viu subir pelas paredes.

_Ahahahahahahaha!!!... Mais o que é isso, Irina?!... Como... como você consegue?...

_Há uma força que me gruda às paredes. Não sei lhe explicar direito. Eu puxo a respiração e sinto esta força. Então é só andar pelas paredes, a força me segura.

_Posso tentar? _arriscou.

_Nem sonhe! Tem de ser como eu para conseguir fazer isso. _respondi de cabeça para baixo, no teto. _Ou quer ficar pior do que já está? _continuei.

_Nem sonhando! _respondeu ele rindo.

Questionou então:

_Por que seus cabelos não caem de todo, e sua saia também não?...

_Quer ver minhas pernas e minhas partes íntimas? _respondi rindo.

_Não! Desculpa! Não é isso! _explicou-se ele rindo. _E que não entendo o que estou vendo, só isso.

_A força também segura um pouco meus cabelos e meu vestido. Por isso não fico nua na sua frente_respondi rindo.

Os risos de Mika, porém, pararam quando saí do corpo. Primeiro, ele não gostou nada de ver morta, sentada na cadeira:

_Irina... Irina... _Chamava-me, balançando-me o corpo. _Irina... responda!...

Meu rosto tombou, sem vida, para o lado como resposta. Porém, antes que ele se desesperasse, mostrei-me em minha forma espectral.

_Estou aqui!

Ele se virou e quase deu um salto de susto:

_Aaaaaaahhh!!!... O que é isso?!!...

_Sou eu! Não tenha medo!... _tentei acalmá-lo.

_Você?!... Mas você... Você é um fantasma!...

_Sim, mas posso voltar a viver, não se preocupe.

_Irina... Não estou acostumado com isso... _inquietou-se.

_Calma, veja o que posso fazer...

Transformei-me então em fumaça. Soltando vapor avermelhado aos poucos, até desaparecer e me tornar uma bruma que cobriu o chão. Mika novamente se impacientou:

_Irina... Você está ai? Em qualquer lugar... Irina... não estou gostando dessa névoa fria...

Vendo que ele estava muito assustado, recolhi minha forma de névoa rapidamente e retornei ao meu corpo. Para não assustá-lo mais ainda, entrei por debaixo de meu vestido. Não vendo mais a névoa em nenhum lugar da sala, aproximou-se de mim.

_Irina...

Abri os olhos e ele estremeceu. Ri.

_Desculpa! Estou bem.

_Irina... _dizia ele tocando meu rosto, meus ombros e braços com as mãos. _Como é bom ver você de volta!...

Ri novamente.

_Calma, seu bobo. Eu posso voltar sempre. Sempre, não se preocupe. _e afaguei seu rosto, o beijei e abracei.

domingo, 9 de outubro de 2011

PINTASSILGO




















A recuperação de Mihail levou alguns dias. A febre ia e voltava, fazendo-o tremer e delirar. Por fim acabou por ceder. Quando finalmente retomou a consciência, olhou para mim e apertou-me levemente a mão.
_Irina... _disse baixinho, sorrindo.
_Descanse, Mika, descanse... _respondi acariciando-lhe a testa.
No dia seguinte, ele conseguiu finalmente sentar-se à beira da cama. Ainda sentindo dores devido ao tiro. Eu lhe dava de comer e já fazia algumas perguntas:
_Irina... que lugar... é este?...
_Um lugar onde você está seguro. Vamos, tome a sopa.
_Nós... Ai!... procuramos tanto... por você...
_Cuidado quando se mexer. Não se preocupe com isso agora, quando você estiver melhor lhe contarei tudo.
Para minha felicidade a recuperação de Mihail foi até rápida. Um belo dia ele saiu do quarto, passeou pelo castelo e conheceu os criados. Ao saber disso, Oanna foi ao seu encontro e o saudou:
_Ora vejam só, nosso hóspede já está de pé. Espero que esteja gostando de minha morada, sou Oanna Danesti.
_Grato por sua hospitalidade, Oanna. _respondeu.
_Se quiser tomar a sopa conosco, na mesa, pode me acompanhar. _convidou Oanna.
_Sim, claro.
Depois da sopa, eu e Mika fomos conversar no jardim.
_Por que desapareceu, Irina?
_Não fugi, fui... _embaracei-me _Não sei como lhe contar isso...
_Você apareceu para mim, na floresta...
_Sim...
_Você sabe. Então... não foi um sonho... e nem um delírio.
_Não... _respondi já chorando.
_Era... você mesma...
_Sim...
_Mas... como?...
_Sou uma vampira, Mika...
_O que?...
_Sou uma vampira. Não fugi do castelo de nosso tio. Simplesmente fui encantada por quatro vampiras... Elas me transformaram... nisso... _expliquei com lágrimas escorrendo dos olhos.
Ele olhou para mim, cheio de ternura, enxugou minhas lágrimas com a mão, delicadamente e disse:
_Mas você... está tão normal, tão linda... Parece até... mais bonita do que você era...
_Sim, eu sei... Mas não sou mais que era antigamente. Sou uma amaldiçoada... Você mesmo viu.
Ele silenciou por um instante e depois falou:
_Eu nunca realmente acreditei... que essas coisas existissem. Via algumas pessoas serem apontadas como vampiros. Pensava serem apenas pessoas doentes.
_Não, Mika. É uma maldição. Pode ver como uma doença se quiser. Saiba apenas que é real.
_Como fez aquilo? Como se transformou... naquele lobo?
_É muito complicado para explicar agora, Mika. Quero apenas que saiba... que jamais abandonei você. Jamais abandonei minha família... _respondi com as lágrimas escorrendo novamente.
_Nós chegamos a pensar... que você estivesse morta.
_Sim... de certa forma... eu estou morta... Ou quase morta.
_Mas você está bem. Está linda...
_Mas não sou mais a mesma, acredite. Veja...
Estendi o braço. Uma maçã arrancou-se do galho e voou até minha mão. Mihail arregalou os olhos. Expliquei:
_Consigo fazer isso... e outras coisas também. Veja...
Um pintassilgo estava saltitando no telhado. Ergui a mão e olhei para ele. Encantado, ele voou e se empoleirou em meu dedo. Mika riu.
_Que bonitinho! _exclamou.
Sorri e acariciei o bichinho. Mika começou a comer a maçã.

sábado, 8 de outubro de 2011

PIETÀ


Pietà - Rubens.



Ao retornar a meu corpo, cai sobre o chão e chorei descontroladamente. Minha camisola estava suja de sangue, assim como lábios. Um vampiro não se livra da marca de seu crime, mesmo se o faz longe de seu corpo. O sangue se plasma onde ele estiver. Ainda debruçada sobre o chão, pude ouvir Oanna abrindo a porta e entrando.
_Agora que já fez o que o que fez... vai ficar ai chorando feito uma menina tola? _repreendeu.
Simplesmente continuei soluçando. Ela continuou:
_Penso que seu irmão precisará de um esconderijo. Pode trazê-lo para cá, não o procurarão aqui. Não adianta mais chorar de vergonha, ele já sabe. Penso que, neste momento, o fato de você ser uma vampira o preocupa menos do que ser encontrado por seus inimigos. Vamos, levante-se! Vou lhe dar um banho e partiremos com Theodor e Victor, imediatamente.
Embora estivesse com vontade de matar Oanna, obedeci. Ela tinha razão, não podíamos perder tempo. Não demorou para que adentrássemos a floresta a todo galope, rumo ao local onde encontrei Mihail. Com nossos sentidos aguçados, o alcançamos rapidamente. Mesmo porque ele tentou me seguir, se pondo a meio caminho do castelo. Vimos sua silhueta cambaleante a muitos pés de distância antes que ele pudesse nos ver. Como estivesse com febre, seu calor emanava até nós. Quando finalmente paramos, saltei de Agathon para socorrê-lo, pois já estava sem forças, caído ao pé de um carvalho.
_Mihail!... Mihail!... _desesperei-me.
Febril, de olhos fechados, ele só tinha forças para balbuciar meu nome:
_Irina... Irina...
O abracei com força e acariciei seu rosto. O cheiro de sangue era forte sobre ele. Seu intenso calor me queimava o coração. Olhei-o então de alto a baixo, com os olhos marejados e senti-me como Maria vendo o Cristo morto, tirado da cruz. Não queria largá-lo, mas logo senti as frias mãos de Theodor e Victor me tocarem os ombros e os braços.
_Marquesa, temos de levá-lo. _disse a voz seca de Theodor.
Oanna nos apressava:
_Depressa, não podemos perder tempo! Ele pode morrer!
Larguei Mihail e Victor o ergueu e carregou nas costas. O pôs então sobre seu cavalo, montando logo em seguida, segurando-o com firmeza. Sem mais demora fomos para o castelo. Tão logo chegamos, Oanna mandou Dorotheea esquentar água e preparar um banho. Tiramos a roupa de Mihail _que estava desacordado _e pude descobrir o pior: além do corte de espada no braço, a bala o perfurara pouco mais de um palmo abaixo da omoplata esquerda, até varar pela barriga. Por pouco não atingiu o fígado, ou o rim, porém, rasgou-lhe o intestino. Mas que depressa o lavamos e o pusemos sobre uma mesa, para que Oanna tratasse seus ferimentos. Apressada, ela ordenou:
_Simona, vá buscar dois grandes potes com ervas em meu laboratório! Mais um pequeno frasco que contém uma resina verde! _ordenou estendendo-lhe uma chave específica de seu molho.
Simona correu e logo retornou trazendo o que Oanna pedira. Esta não tardou a pôr sua medicina em prática. Mandou Simona macerar algumas folhas, enquanto derramava pequenas doses da resina verde escura, viscosa, numa panelinha com água fervendo. Jogou então mais algumas pitadas de um pó castanho escuro na fervura. Mexeu com a colher de pau e em seguida ordenou à Simona:
_Ponha as ervas maceradas sobre os ferimentos dele. No furo da bala, ponha um pouco da massa dentro das aberturas.
Simona obedeceu prontamente. Poucos minutos depois, Oanna tirou a panelinha do fogo e ordenou à Dorotheea:
_Esfrie!
Dorotheea derramou a infusão em uma grande caneca de ferro. Pegou então outra caneca e começou a esfriar o remédio, passando-o de uma caneca para outra. Logo a infusão esfriou e Oanna pediu para eu fizesse Mihail beber, com cuidado. Abracei sua cabeça, erguendo-a um pouco, e fui pondo o remédio em sua boca, pouco a pouco, fazendo-o engolir. Para minha felicidade, ele ainda estava um pouco consciente e bebeu a infusão sem problemas. Quando acabou, deitou a cabeça sobre o travesseiro e dormiu.
Com cuidado, Theodor e Victor o levaram até a cama. Fiquei de vigília a noite toda, vertendo lágrimas e pedindo à Perséfone que ainda não cortasse o fio da vida de meu irmão. Quando a manhã vinha raiando, Oanna mandou Sanziana ficar em meu lugar, dando-me ordem para ir dormir. Foi difícil deixar Mihail, mas fui me deitar. Em minha viagem pelo mundo dos mortos, felizmente só encontrei os espíritos de sempre, certificando-me de que meu irmão ainda estava vivo.

quinta-feira, 6 de outubro de 2011

LOBA



























Os dias que se seguiram foram de total lua de mel entre eu e Aghaton. Não cansava de cavalgá-lo, tratá-lo, dar-lhe carinho, água e comida. Oanna não conseguia controlar seu ciúme.
_Por acaso você se casou com este cavalo?
_Sim! _respondia categórica.
O rosto dela fechou-se irado e, só para se vingar, argumentou:
_Você o encontrou ferido, ele fugiu, certamente. Pelo visto, os inimigos de seu pai se apoderaram dele em algum momento. O que significa que seu pai pode estar em perigo... ou morto!...
_Não!... _desesperei-me.
Imersa em seu corrosivo ciúme, ela simplesmente se afastou. Eu porém, não encontrei mais paz o restante do dia. À noite, pressentia que algo muito ruim estava para acontecer. Foi neste momento que recebi um claro chamado. Estava na sacada de meu quarto, olhando para a floresta, quando uma imagem surgiu em minha mente: Mihail, molhado pela chuva, acuado, ferido, fugindo... prestes a ser alcançado por dois soldados! Saltei da cadeira.
_Nããããoooo!!!... _gritei.
Olhei desesperada para a floresta e para as montanhas longinquas. Não podia chegar até ele em minha forma mortal. Não pensei duas vezes... expirei e sai de meu corpo. Como facho de luz, rasguei os céus. Num piscar olhos, pus os pés bem próximo ao lugar onde se encontrava Mihail, já sob a forma de uma imensa loba branca. Surgindo por detrás das árvores, saltei direto no pescoço do soldado que já erguia a espada para matá-lo. Sem forças, Mihail se limitava a erguer o antebraço direito inutilmente, em um último reflexo defensivo. Rosnando e babando de fúria, com uma ferocidade fora de controle, afundei meus dentes na carne, entre o pescoço e o ombro esquerdo do soldado. Seu grito foi esganiçado:
_Aaaaaaaaaaahhh!!!...
O balancei então, de um lado para o outro, como se ele fosse uma reles boneca. Ele urrava de dor, sentindo sua carne se rasgar. Seu sangue salpicava nas árvores e na neve.
_Aaaaaaaaaaahhhh!!!... Aaaaaaaaaaaaahhh!!!...
O outro soldado apenas conseguia gritar de horror.
_Aaaaaahhhh!!!
Atirei então o corpo de minha primeira vítima na direção de um pinheiro. Sua coluna e suas costelas soaram alto, quando se espedaçaram ao bater contra o tronco _Krah! _Tomado pelo terror, o outro simplesmente largou a espada, deu as costas e tentou correr. Mas logo sentiu meus dentes cravarem em seu pescoço. Ainda vivo, agonizando, sendo lentamente sufocado por minhas mandíbulas, ele ainda teve o horror de não sentir mais o chão sob seus pés, pois eu o erguia suspenso em minha boca. O sangue escorria grosso pelo canto de sua boca e, sem que ele esperasse... _crah! _o atirei para longe, quebrando seu pescoço.
Paralisado de terror, Mihail, apenas assistia a tudo, encolhido em seu canto. Ao mirar seus olhos... não resisti. Pouco a pouco fui voltando à forma humana. Soluçando, com os olhos cheios de lágrimas e os lábios e a camisola banhados de sangue, mostrei-me a ele em minha forma espectral.
_Irina!... _pasmou ele.
Sem conseguir suportar a descoberta de minha condição, tomei a forma de serpente de fumaça e adentrei na floresta, fugindo de volta ao castelo. Ainda ouvi sua voz gritar por mim:
_Irina!... Irina! Não!... Volte, Irina!... Irina!...
Meu coração apertava e eu chorava, chorava muito. Ainda que minhas lágrimas fossem vapor.

domingo, 2 de outubro de 2011

PRÍNCIPE ÁRABE





















Todos dias, por horas, eu treinava. Às vezes com Theodor e Victor, às vezes com Oanna. Por vezes com os três, em meus dias mais aguerridos. Ou apenas com um deles, em meus dias mais serenos. Quando não tinha mais com quem treinar, treinava sozinha. Bailava com duas adagas, minha dança fatal.
Uma noite, um sentimento estranho me abateu. Estava olhando a floresta sob o luar, quando o som de cascos de um cavalo, ao longe, fez meu coração palpitar. Não compreendi o que seria aquilo, aquele repentino sobressalto. Pensei que talvez fosse a saudade que tinha de papai, ou de meus irmãos. Mas não era, senti que não era. Uma aflição ruidosa me tomou. Sem nenhuma razão, simplesmente desci, tomei uma das laternas do pátio, encantei os dois guardas do portão, fazendo-os dormir, e tomei o rumo da floresta. Feito uma louca, desabalei numa corrida aparentemente sem sentido, como se tivesse de salvar alguém. Cheguei a lembrar da noite das pornae, porém, agora não havia nenhum chamado. Havia apenas clara sensação de ter de encontrar alguém. E lá estava eu indo em sua busca, sem saber sequer de quem, ou do que se tratava. Minha cabeça pensava mas meu coração não me obedecia. Pensava comigo: "_Que tola, por que trouxe uma lanterna? Posso enxergar no escuro se quiser. E se queria passear com meu corpo mortal, por que não peguei um cavalo!" _Porém, mal esta idéia passou-me pela cabeça, senti-me imediatamente culpada, como se tivesse pensado uma heresia.
O céu pouco a pouco se fechou em nuvens púrpuras e não tardou a cair uma fina e intermitente chuva, acompnhada de leves trovoadas. Minha mente se calou. Perdi então verdadeiramente a noção do tempo, tendo corrido por mais de uma hora. Fiquei em estado deplorável! Estava ensopada, meus pés e a barra de minha camisola estavam imundos de lama!
Quando a chuva finalmente parou, meu coração me fez parar perto de um riacho. Eu não o via totalmente, pois a vegetação o ocultava, em parte, de minha vista. Mas o ruído fluido de suas águas me chegava claro aos ouvidos. Ouvi também, claramente, o ruído de cascos e o bufar de um cavalo. Ergui a lanterna para iluminar o caminho e me aproximei, pé ante pé, do local onde o animal se escondia. De repente, sem que eu esperasse... saltou diante de mim um belo cavalo branco. Tremi da cabeça aos pés...
_Aghaton!...
Sim, era ele mesmo, meu belo Aghaton. Ele estacou quando me viu, como se não me reconhecesse, ou me temesse. Deu dois passos para trás, relinchou.
_Aghaton... _me aproximei aos prantos, levantando a mão direita, em súplica para que ele não fugisse.
A luz da lanterna clareou mais sua imagem. Ele estava ferido, trazia alguns cortes sobre o peito, em uma das ancas e no alto da perna esquerda. Os cortes ainda sangravam. Aproximei-me mais e ele relinchou, defensivamente. Foi quando compreendi toda a situação. Eu sentira sua proximidade e fora ao seu encontro. Porém, tivera a intuição de pegar uma lanterna e seguir a pé, condição sem a qual eu o assustaria, pois cavalos conhecem os vampiros. Suja, molhada dos pés à cabeça e com uma lanterna nas mãos, pareceria normal para ele, como qualquer outra pessoa. E como qualquer outra pessoa, eu não deveria encantá-lo, mas sim acalmá-lo e fazê-lo vir até mim.
_Aghaton... meu lindo Aghaton... Não tenha medo, sou eu... sua Irina... _suplicava chorando.
Ainda assustado, ele se ergueu sobre as patas traseiras e relinchou.
_Não tema, meu amor... Sou eu... sua Irina...
Ele me olhava como que confuso. Senti que me reconhecia, mas me receava. "_Maldita maldição!", esconjurei em meus pensamentos. Desesperada, simplesmente estaquei, fechei os olhos e começei a soluçar. O pranto lavou minhas faces. Foi quando finalmente senti seu focinho gelado tocar meu rosto. Abri os olhos e o vi, calmo e dócil, olhando para mim. O abracei, a maldição não conseguira tirá-lo de mim.
Fiquei ali com ele, ainda por um tempo. Lavei suas feridas à beira do riacho, lhe dei de beber e o mimei. Antes de ir, ainda molhei o rosto, lavei os cabelos, bebi um pouco de água e me recompus. Dizem que os vampiros têm medo da água corrente. Isto é bobagem, simplesmente é tolice tentar atravessar um curso d'água quando se está fugindo. E vampiros têm de fugir, muitas e muitas vezes. Retardar-se por conta da correnteza, ou morrer afogado é uma idiotice que nenhum guerreiro comete.
Porém, naquele momento não precisava mais correr. Tinha meu Aghaton novamente. Com um salto, montei sobre ele e o pus a galope. Cavalgamos até quase o amanhecer, quando finalmente meu príncipe árabe me levou para casa.