domingo, 5 de agosto de 2012

PAZ


É evidente que a exultante alegria da vitória, logo foi substituída pela dor da perda. Marton e seus filho, Miklos, nos deixaram, assim como o corajoso Boldizsár, o aldeão que se ofereceu, junto com outros companheiros, para reforçar nossas tropas. Vênus sabe o quanto eles foram fundamentais para nossa vitória! Seu funeral foi singelo, ao som da duda, porém digno dos melhores guerreiros. Triste foi ver as viúvas e crianças chorando. Uma faca cortou meu coração, ao ver Maryann chorando, inconsolável, se debruçando e agarrando ao corpo do pai. Afastei-me, não suportei! Lembrei-me de papai... Em minha mente, uma única frase se repetia sem parar: "_Maldito Sigismond!". Para aumentar minha dor, no dia seguinte, o corpo de papai foi finalmente levado para o nosso cemitério. Frei Emil realizou nova e singela cerimônia. Mais que tranzida de dor, limitei-me a derramar lágrimas e pôr uma rosa sobre seu túmulo.
Passados os dias de luto, Mihail mandou fazer uma grande festa, para comemorar o primeiro mês de nossa vitória. Os franciscanos, porém, exigiram que antes da festa fosse realizada uma missa no campo onde ocorrera a batalha, em memória dos mortos. A missa foi linda! O fato de tê-la visto de longe _protegendo-me do sol, à sombra dos pinheiros _talvez a tenha tornado até mais bela. Todo o povo estava lá reunido. Os franciscanos trouxeram a imagem da Virgem com o menino Jesus _que pareciam tão sofridas quanto nosso povo _e agradeceram à ela pela vitória e pela paz que finalmente estávamos desfrutando.
De fato, Sigismond pareceu ter desistido de nos atormentar após esta batalha. Pouco a pouco, não ouvimos mais falar em nenhum embate, em qualquer lugar que fosse do país. A única informação que nos vinha, era a de que seus homens se detinham na fronteira oeste, como se quisessem nos isolar do resto da Transilvânia. Ir para Kolozsvár se tornou impossível. Isso porém, não nos incomodou. Mantínhamos nosso comércio com oriente e com os ciganos. Nos concentramos na reconstrução de nosso país.
Passei a morar com Mihail, em nosso castelo. Foi cheia de alegria que vi minha terra voltar pouco a pouco a ser o que era: linda e feliz! Só sentia dor em não poder passear por ela em uma linda manhã de sol, como fazia antigamente. Mas os dias nublados do outono me eram profundamente gratificantes quando chegavam. Durante o verão, minha felicidade eram as tertúlias noturnas que fazíamos no castelo, com os amigos. Mika se impressionou com minha nova capacidade para beber e permancer acordada e alegre. Não parecia mais aquela menina que tombava de sono durante os festejos.
O ano de 1568 começou e não tivemos nenhuma animosidade. A tranquilidade só foi quebrada quando um jovem cavaleiro chegou com uma mensagem inesperada:
_János Literati manda lhe dizer que o príncipe convocou uma reunião! Disse que ele quer propôr a paz!
_O que? Está brincando comigo, rapaz?! _irritou-se Mihail.
_Não, senhor! Eu mesmo estou espantando! Mas lhe asseguro que foi o próprio Literati quem me enviou aqui! Aqui está sua carta, com sua assinatura e selo!
Mihail abriu a carta e a leu com atenção. Em seguida balbuciou:
_Meu Deus!... Como é possível isto ser verdade?...
Era inacreditável, mas era verdade! Em dois dias, Mika partiu em viagem para Kolozsvár. Ele se hospedou na casa de Vladia e, acompanhado de János Literati, foi até Turda, onde foi realizada a solene reunião. O que Mihail me contou, em carta, sobre este momento foi o seguinte:

"_Lá chegando, encontramos vários companheiros, líderes de nossa resistência. Assim como líderes saxões do levante de 62. Os convidados esperaram pelo príncipe em uma elegante sala, até que ele apareceu... Sim, ele mesmo, em pessoa, János Sigismond Zápolya!... Calvo, porém ainda jovem, escoltado por dois guarda costas, com o semblante fechado de quem ainda não decretara paz em seu coração. A forma como pisava forte com suas longas botas e a mão o tempo todo sobre o cabo da espada, delatavam isso. Ao seu lado, um senhor de cabelos brancos, que transparecia maior serenidade: Ferenc Dávid. Por sinal, foi este quem abriu a reunião. Fez longo e eloqüente discurso sobre a liberdade de crença e deu início às discussões de foro teológico. Confesso que, nos dias que se seguiram, fugi das palestras de Giorgio Blandrata, o médico italiano que prega contra a Trindade. Estavam ele e Ferenc Dávid então apresentando sua nova igreja, que agora também é a igreja do príncipe, a Igreja Unitária. Por fim, após muitos discursos piedosos, a paz foi sancionada! Após penarmos ali do sexto ao décimo terceiro dia deste mês de janeiro, finalmente vimos e ouvimos o que queríamos: 

'Sua majestade, o nosso Senhor, de que forma ele - juntamente com seu domínio - legislou sobre o assunto de religião nas dietas anteriores, na mesma matéria agora, nesta Dieta, reafirma que em todo lugar os pregadores devem pregar o Evangelho e explicar cada um segundo a sua compreensão, e a congregação se gostar, bem. Se não, ninguém pode obrigá-los para as suas almas não sejam satisfeitas, mas devem ser autorizadas a manter um pregador cujo ensinamento eles aprovam!'

Ao ouvir a leitura deste texto, confesso que não consigo imaginar que estas palavras tenham vindo daquele homem calvo e obstinado que vi ali sentado, sempre com a mão sobre o cabo da espada. Antes sim, creio que elas tenham vindo não apenas da boca, mas do coração de Ferenc Dávid, que foi quem o leu. No mais, quero dizer que em breve estarei de volta, para abraçar minha Maryann e meus filhos e para contar a você, minha linda e corajosa Irina, como tudo se passou, com mais detalhes."

De fato, quando Mika voltou, passamos muitos dias conversando sobre este evento. Nunca pensei, em minha consciência, desde que vim ao mundo, que se pudesse fazer paz entre diferentes crenças. A própria Bíblia conta sobre como Jeú e seus soldados passaram todos os sacerdotes de Baal no fio da espada.

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