segunda-feira, 31 de janeiro de 2011

VALQUÍRIA



























Quando se levantou de cima de mim, papai parou de joelhos, seus olhos se encheram da desespero e ele começou a menear a cabeça negativamente, agarrando os cabelos com as mãos, como se quisesse arrancá-los. Olhava para o sangue entre minhas pernas e repetia, com olhos cheios de lágrimas:
_Meu Deus, o que foi que eu fiz?! O que foi que eu fiz?!...
Levantei-me imediatamente e comecei a beijá-lo e acariciá-lo, dizendo:
_Não é culpa sua! Não é culpa sua!... Fui eu quem quis! Fui eu quem quis! Eu o amo! Eu o quero! Não é culpa sua!...
Minhas palavras, porém, não adiantaram, ele me empurrou e correu para fora. Desceu, pegou seu cavalo e saiu desabalado. Desesperada, atirei-me ao chão e desatei em lágrimas. O medo de tê-lo enlouquecido assaltou-me. Uma imensa culpa me consumia. Mais que nunca temia perdê-lo, agora definitivamente. Desconsolada, adormeci no chão de sua sala.
Pela manhã, não o vi. Perguntei por ele aos criados e todos respondiam:
_O senhor saiu cedo com os cavaleiros.
Durante todo o dia esteve fora. Voltou apenas à noite e fechou-se em seu quarto. Durante dois dias evitou-me como se eu fosse o próprio Demônio. Desviava o olhar e fugia ao meu toque. Tomada pelo desespero, invadi seu quarto uma noite e o esperei chegar. Ao encontrar-me deitada, em sua cama, de camisola, estacou na porta. Ergui-me e supliquei:
_Por favor, não me deixe!... Eu suplico, não me abandone!...
Ele olhou-me desnorteado por um breve momento e depois retirou-se. Eu o deixei ir, mas sabia para onde ele ia. Fui até sua sala e ele estava sentado, sob a luz bruxelante da vela, bebendo vinho. Sem medo, aproximei-me e sentei em seu colo. Pousei minha cabeça em seu ombro e voltei a suplicar, baixinho, soluçando:
_Por favor... Não me deixe... Não me abandone...
Seu coração se desarmou e ele me abraçou amorosamente. Com a voz embargada, prometeu-me:
_Nunca vou abandonar você, Irina.... Nunca...
Começou então a beijar-me a fronte e o rosto. Abraçou-me com mais força e um grande calor se fez entre nós. De repente, sem que eu esperasse, ele pegou meu rosto em suas mão, enxugou minhas lágrimas e disse:
_Sempre serei seu, Irina, sempre!...
E então me beijou. Surpresa, fiquei de braços abertos, desarmados. Ao sentir toda paixão de seu beijo, o enlacei em meus braços e também o beijei, apaixonadamente. Ele então me ergueu em seus braços e me carregou como uma criança para seu quarto. Naquela noite, dormimos juntos.
Desta noite em diante, nada mais reprimiu nosso amor. Eu me entregava a ele todos as noites, de todas as formas. Era sua esposa, deitando-me de costas para recebê-lo por cima. Era sua filha incestuosa, sentando em seu colo como sua criança, para receber seu membro até as entranhas. Era sua fêmea, recebendo-o por trás, como fazem os animais. E era sua prostituta, excitando-o com minha boca, engolindo seu membro para enrijecê-lo e entregar-me a ele em sodomia.
Não havia mais limites para nossa lascívia. Eu o masturbava, o sugava até seu leite escorrer em meus lábios, ou esguichar em minha garganta. Fugia dele nua, rindo, provocando-o, fazendo-o me caçar, me tomar como sua presa. Não tínhamos mais nenhum respeito ou vergonha. Suas mãos puxavam-me, tomavam-me sem pejo em seus braços. Apalpava-me os seios, as nádegas, desferiam-lhes sonoras palmadas, metia a mão entre elas. Perscrutava-me entre as pernas, massageando meu sexo e lambuzando-se com seu mel.
Quando estávamos mais calmos e preguiçosos, ele me mimava. Punha-me em seu colo, nua, ou semi nua, de pernas abertas e me dava uvas, cerejas e ameixas na boca. Enquanto eu comia, alisava-me as coxas e a vulva. Eu, mimada, me ardia, ria e me comportava como uma criança lasciva. Durante o dia, sabendo que mamãe e as criadas estavam concentradas em cuidar de Greta, nos beijávamos em qualquer lugar, desde que estivéssemos a sós.
Sempre que podia, papai me dava presentes. Uma tarde, mandou vir mestre Ákos, para pintar um quadro meu. Eu jamais gostei de ficar parada para posar, mas por papai, fiz este esforço. O retrato saiu um tanto austero, mas não me queixei, para não aborrecê-lo. Numa manhã de primavera, ele me presenteou com o mais lindo presente de minha vida: Agathon, meu corcel branco. Vestida apenas com a fina camisola de seda branca com que dormira, o montei e cavalguei pelos verdes campos, sentindo seus pelos arranharem minhas pernas, que eram desnudadas pelo vento. Este, esvoaçava meus cabelos e me acariciava todo o corpo. O céu, que estava prenhe de tormenta _com ventos, trovões e relâmpagos, brindou-me! _alvejando meu corpo com grossos pingos de chuva. A água banhou-me e o vento amou-me! Eu era livre! Livre! Como uma valquíria!...

domingo, 30 de janeiro de 2011

LOT


























A partir daquela tarde, perdi totalmente o respeito e mesmo o afeto por minha mãe. Não contei nada a papai, pois sabia que seria a minha palavra contra a dela. Mas não dei mais à ela nenhuma satisfação do quer que fosse. Não lhe dirigia mais a palavra, não olhava mais em seu rosto, não lhe acatava mais nenhuma ordem e, se ela insistisse, deixava clara a minha posição:
_Não devo respeito a você!...
Consciênte do que fizera e temendo que a delatasse a papai, ela era obrigada a engolir. Por isso, passou a me evitar também. Vivíamos em espaços bem delimitados, eu em meu quarto, na capela e lá fora, colhendo flores e vendo os rebanhos de ovelhas. Ela em seu quarto, na sala de jantar, em sua sala de reuniões e, ocasionalmente, na cozinha. Como tinha de cuidar da jovem Greta, encontrava motivos para se ocupar e ficar longe de mim. Para evitá-la ainda mais, passei a fazer minhas refeições junto com frei Emil, na capela, ou em seu modesto aposento. Ele e Andrei estabeleceram uma espécie de concubinato. O cavalariço deixou de dormir na estrebaria, para acomodar-se em sua cela. Para que ninguém percebesse seu contrato conjugal, frei Emil delegou a ele as funções de coroinha e sacristão.
Com o coração explodindo de repulsa, contei a frei Emil o que presenciara. Ele prometeu guardar segredo de confissão e tentou me acalentar.
_Calma, meu amor!... Calma!... Sempre estarei aqui para você, sempre... _dizia passando a mão carinhosamente em meus cabelos, como uma tia amorosa. Enquanto isso, eu chorava a ira que me consumia, com a cabeça pousada em seu ombro.
O incidente mudara completamente minha personalidade, sentia-me emancipada. Não apenas da autoridade materna, mas de toda a moralidade que ela representava. Não temia mais nenhum mandamento, nenhum Céu, nenhum Inferno. Mas do que nunca, Deus não era o meu senhor. Suas leis não eram por mim consideradas. O que norteava minha conduta era a paixão. A paixão que sentia por meu pai, a paixão que sentia por meu clã, a paixão que sentia por frei Emil, a paixão que sentia... por mim!...
Paixão, era tudo o que importava e, mais que nunca, apaixonei-me por meu pai. Detestava vê-lo recreando com as criadas. Ele e mamãe não dormiam mais no mesmo quarto. Suas divergências se tornaram inconciliáveis. Para piorar, conde Vladmir passou a nos visitar com frequência. Porém agora, ao contrário do que acontecia antes, papai não se mostrava altivo e resoluto contra ele. Como viria a me revelar mais tarde, o motivo desta mudança era um só: o conde havia usado de sua influência para que ele não fosse enforcado por sua participação na revolta. Em troca, deveria entregar a mim!... como esposa para Ferencz.
_Eu não tinha escolha... _ainda lembro de papai contando. _Teimar e morrer seria pior, o conde se apossaria de você pela força. Talvez matasse seus irmãos ao fazer isso. Na condição em que me encontrava naquele momento, esperava apenas pelo pior. Passei dez dias no calabouço do quartel da guarda de Gyulafehérvár, em uma cela pequena, úmida e apertada, junto com mais vinte companheiros. Não víamos a luz do sol... apenas o clarão das tochas, quando os soldados vinham pegar dois de nós para serem enforcados. Era assim... de dois em dois, todo santo dia. Nossa alimentação era pão e água. O carcereiro se apiedou de nós e, vez ou outra, passou a trazer um naco de carne de porco seca, para repartirmos entre nós todos. Dormíamos mal, tanto por não podermos nos acomodar direito, quanto por não sabermos quando era noite ou dia. A maior parte do tempo passávamos acordados, conversando, especulando sobre quem seria o próximo a ser levado para morrer. Questionávamos se iríamos para o Céu, ou para o Purgatório, pois o lugar onde estávamos já era inferno suficiente para pagarmos muitos e muitos pecados!...
Ele tossiu um instante e prosseguiu:
_Eu e Roland fomos os últimos a deixar a cela. Eu porém, fui levado por outro corredor. Jogaram um balde d'água sobre meus pés e esfregaram minhas botas com uma vassoura.
_Você não pode entrar na sala do capitão com as botas imundas de merda! _disse o carcereiro.
Fui conduzido então até a sala do capitão, onde conde Vladimir me aguardava sentado à mesa. Tivemos uma longa e exaustiva conversa. Concordei em entregar você, mas pelo menos conseguiu que ele me concedesse o prazo de um ano. Aleguei que precisava deste tempo para angariar seu dote. Uma vez que tudo fora acertado, fui levado para fora, para ser libertado. Ao passar pelo corredor, olhando pela janela, ainda pude ver Roland sendo enforcado, com o povo gritando contra ele...
Quando papai terminou de contar eu chorava, abraçada a ele. Ele estava isolado e melancólico. Passou a afogar-se no vinho. Sua situação piorava a cada dia. Por isso, para não vê-lo soçobrar, decidi dar o que lhe faltava: uma mulher! E eu seria esta mulher! Não me prendiam mais os arreios da moral. Cuidar de papai era só o que me importava. Daria a ele meu corpo, meu carinho, minha devoção!...
Não foi difícil encontrar oportunidade para isso. Nicolae e Greta passaram a ocupar o quarto onde antes dormíamos eu e minhas irmãs. Possuíamos três quartos de hóspedes, papai estava ocupando um e eu o outro, logo ao lado. Os quartos de hóspedes ficavam a meio caminho da sala de reuniões, o que me dava uma dupla oportunidade, caso ele estivesse lá.
E foi o que aconteceu, em nossa primeira vez. Uma noite, tão logo ele entrou em sua sala e começou a se encher de vinho, entrei em seguida. Fui vestida da maneira apropriada, com uma camisola de seda carmesim, muito fina, vaporosa, que ganhara de presente de Vladia, como estímulo para que me casasse. O leve tecido mostrava todas as delícias de meu corpo, já absolutamente definido. Trazia meus cabelos ruivos soltos e meu corpo banhado e perfumado. Ao me ver, ele se espantou:
_Irina, vá dormir, está tarde!...
Não respondi nada, apenas me aproximei e sentei em seu colo, abraçando-o. Deitei minha cabeça em seu ombro e disse o mesmo que dizia em criança:
_Estou com medo, não consigo dormir...
_Irina... você não é mais uma criança... Está com medo de quê?... _respondeu ele me abraçando e ainda tentando ser apenas um pai.
_Tenho medo de lhe perder... _respondi chorando, com a voz sumida e embargada.
Ela não resistiu à minha carência, passou a mão em minha coxa e beijou-me no rosto e na testa. Notei que seus instintos conflitavam, de um lado, o pai, do outro, o homem. Mudei então de posição, sentando-me de frente para ele, com as pernas abertas, encaixando-me em seu colo. Agarrei-me nele, como fazia quando criança. Senti ele estremecer, quando meus seios tocaram seu peito forte. Pousei minha cabeça novamente em seu ombro, carente, pueril. Ele não podia escapar ao meu calor, à maciês de meu corpo, ao meu perfume. Seus olhos não conseguiriam fugir de minhas pernas, de minhas coxas. Sentiria meus cabelos macios em qualquer movimento que fizesse. Estava preso, enredado.
_Irina... vá para cama dormir... _tentou argumentar carinhosamente.
_Não quero... Só for com você... _respondi manhosa.
Seu corpo não resistiu e respondeu com uma poderosa ereção. A senti inchar sob minha vulva, debaixo de suas calças. Vendo-o traído por seus instintos, olhei-o nos olhos e o beijei. Ele não resistiu mais, abraçou-me com força e devorou minha boca. Seu hálito de vinho me excitou e comecei a me esfregar em seu colo, em seu membro. Derretia-me entre as pernas. Ele então apalpou minhas coxas com vontade, com gula. Suas mãos grossas não me respeitavam mais.
Ele então deitou-me na mesa, como se fosse sua caça. Mordeu e beijou minhas coxas com avidez e perdeu-se no fogo entre minhas pernas. Alimentava-se de minha vulva com muita fome e eu me derretia vertendo todo mel que ele queria, que ele precisava. Arqueava-me em arrepios. Sentia-me mulher, fêmea, deusa!... Era criança e senhora ao mesmo tempo.
Ele então subiu comendo-me a barriga, afundando-se em meu umbigo, até chegar aos meus seios, que abocanhou com a volúpia dos recém-nascidos. Mamou-os como se fossem duas frutas saborosas. Escalou então então, em carícias, o meu pescoço, até alcançar novamente minha boca. Enquanto me beijava, senti-o abrir as calças. Com o membro já liberto, invadiu-me profundamente.
_Aah!!!... _gritei, quando meu selo se rompeu.
Ele urrava feito um animal descontrolado, enquanto me possuía. Não tardou muito, senti seu membro bombear dentro de mim. Alcancei o êxtase neste momento. Estava consumado! Lot perdera-se na caverna.

sábado, 29 de janeiro de 2011

CASAMENTO


















Vênus, Vulcano e Marte, de Tintoretto.



Dividia então meu dia entre os treinos e os estudos com frei Emil. Sendo já uma mulher, possuía vários pretendentes, além de Ferencz. Todos, porém, eu recusava. Nenhum me causava interesse, além do que não aceitava a idéia de me submeter a um homem que não fosse meu pai. Papai, por sinal, não fazia objeções à minha atitude, queria apenas resguardar-me do perigo. Mamãe, assim como os parentes e amigos da família, criticavam minha demora em casar. Sempre que visitava Vladia, em Kolozsvár, ela também me inquiria sobre minha demora em escolher um marido.
_E você, Irina, quando vai resolver casar-se e ter seus próprios filhos?
Eu simplesmente lhe respondia:
_Não aprecio nenhum de meus pretendentes, Vladia! Como casar com homem sem amá-lo?... _e continuava a brincar com minha sobrinha mais nova, Lísia, que contava apenas seis meses. _Não é Lísia linda? _dizia em falsete à fofurinha, que me olhava sem nada entender, segura em minhas mãos.
Vladia me censurava:
_Você anda lendo demais estas estórias de amor tolas dos bardos, Irina.
A despeito de resistir ao casamento, desejava ter filhos. Adorava meus sobrinhos, Béla, Juliu, Sarka e Lísia. Eles eram a única coisa que ainda me fazíam cogitar um possível um marido. Béla, o mais velho, herdou o nome do pai, mas tinha saúde um tanto frágil e era a cara de Nicolae. Juliu saíra todo ao pai, tanto no corpo como no gênio. A carinhosa Sarka era uma misturinha linda de Vladia e Mila. E minha linda Lísia, herdara tudo da titia, parecia mesmo ser minha filha.
Mihail estava de casamento acertado com Mariann, que ainda contava 13 anos e era a quarta filha de Marton, um dos melhores cavaleiros de papai. Ambos já nutriam uma paixão mútua. Ela se criara nas proximidades de nosso castelo e o casamento só seria a conveniênte formalização do que já existia. Papai confiava muito em Marton e já queria formalizá-lo como vassalo. Mamãe, por sua vez, não aprovava as escolhas de papai. Ela queria cônjuges nobres para seus filhos e sabia que podia encontrá-los entre as famílias protestantes _o que era justamente o que papai não queria.
Porém, não era só papai quem não conseguia entrar em bom entendimento com mamãe, minha convivência com ela tornava-se cada vez mais difícil. Nossas gênios sempre conflitaram e sua conversão ao protestantismo acabou por destruir o pouco de afeto que ainda nutria por ela. Detestava suas reuniões com os infiéis em nosso castelo. Como ela podia trazê-los para dentro de nosso lar? Achava isso inadmissível! Não suportava a hipocrisia dos protestantes, que condenavam ao inferno todos os que não professavam sua fé, mas que eram os primeiros a cometer toda sorte de pecados, os mais vis! Como poderia então aceitar o proselitismo desses vermes?!
A desintegração final de meu relacionamento com mamãe se deu numa tarde de outono. Eu terminara de ler mais uma novela do Decameron e resolvera descer para encher meu pote de água. Ao meio do caminho, passei pela sala onde ela se reunia com seus amigos infiéis. Ela tinha o costume de manter a porta sempre fechada, toda vez que se reuniam. Nesta tarde, no entanto, estava descuidadamente entreaberta. Foi quando a flagrei!... Estava sentada absolutamente nua sobre a mesa, com as pernas vergonhosamente abertas. Ria como uma rameira, enquanto irmão Sandór _o pastor que presidia as leituras e discussões de suas reuniões _também nu, metia a mão em seu sexo, masturbando-a. Ele também chupava seu pescoço e, vez ou outra, trocava com ela deploráveis beijos, entre risos lúbricos e devassos.
Não acreditei no que vi e entrei na sala. Estavam tão entretidos que nem me notaram. Quando por fim mamãe se deu conta de minha presença, quase gritou de susto.
_Irina!... _disse quase engasgando.
Eu não tinha condições de falar nada e apenas fui me afastando, perplexa. O sórdido irmão Sandór apenas apressou-se em cobrir-se. Com os olhos vermelhos e arregalados, mamãe fazia mensão de falar, mas não conseguia. Apenas tentava cobrir-se com o vestido, que estava estendido sobre a mesa. Não suportando mais a cena, fugi dali. Então eram essas suas piedosas reuniões! Foi isso que ela fez durante todo o período em que papai arriscou a vida no campo de batalha!... Mais do que nunca, eu a odiava!...

sexta-feira, 28 de janeiro de 2011

A ESPADA





















Cerca de seis meses após o casamento de Vladia _numa bela manhã de primavera, um domingo _recebemos uma visita muito pouco auspiciosa, o baixote e ardiloso conde Vladmir e seu filho Ferencz. Da janela, os vi chegando, guarnecidos por seus cavaleiros. Lembro de ter ficado com raiva e apreenção ao mesmo tempo. Papai desceu para recebê-los acompanhado de Nicolae e alguns de seus melhores homens. Traian ia a seu lado. Nicolae foi quem me contou o que de resto aconteceu. Segundo ele, tão logo o conde o viu guarnecido, com a espada no cinto e pronto para o enfrentamento, ergueu sua mão e saudou-o em tons amistosos:
_Saudações, meu caro Jozsef! Venho em paz, para tratar de assuntos de nosso mútuo interesse.
_Se é assunto de meu interesse também, suponho então que o conde possa descer de seu cavalo e entrar para conversarmos a sós. _testou papai.
_Com todo o prazer, mas peço que me permitas levar meu filho Ferencz, pois o assunto também diz respeito a ele.
_Permito sim, desde que meu filho Nicolae também nos acompanhe. Já o estou inteirando nos assuntos da família. _testou de novo.
_Com certeza, caro Jozsef. Concordo sem objeções.
Papai então meneou a cabeça positivamente e estendeu a mão na direção do castelo, convidando-os a entrar. Conde Vladmir e Ferencz desceram de seus cavalos e acompanharam papai até sua sala particular. Antes de entrarem porém, papa. Em lá chegando, o conde foi direto ao assunto:
_Soube do casamento de sua segunda filha, Vladia e do infeliz acidente que acometeu sua filha mais velha, Mila. Fiquei muito triste com o acontecido, pois ainda a queria como nora. Mas como não podemos mudar o que está feito, vim aqui... para falarmos de Irina.
_Ainda não tenho planos de casamento para Irina. _respondeu papai secamente.
_Por isso mesmo! _rebateu o conde _Irina não tardará a entrar na adolescência. Penso que podemos fazer um acordo muito vantajoso para nós dois. Meu filho é excelente guerreiro e o estou preparando para também para a política...
Frente aos elogios do pai, Ferencz sorriu, mostrando seus horrorosos dentes de ogro. Sua fisionomia era feroz e quase inumana. Ao contrário do pai, que tinha cabelos compridos e longos bigodes, Ferencz tinha os cabelos curtos e hirtos e apenas uma áspera barba mal aparada. Contemplando tal semblante, papai encheu-se mais ainda de asco e cortou o discurso de conde Vladmir:
_Não casarei Irina com um protestante! Sou católico, fiél à fé de minha nação! _respondeu categórico.
_Meu caro, Jozsef... você não está em condições de rejeitar uma oferta como esta. Os székelys não detém mais o mesmo poder. Penso que é tolice se opor à nova ordem. Tenho excelentes relações com o príncipe...
_Não reconheço a autoridade deste príncipe se é o que quer saber! _interrompeu papai. _Ele não converterá a mim e à minha família em infiéis, como pretende! Tenho direito de permanecer católico e de fazer com que minha família assim permaneça!...
_Sim, mas soube que sua esposa... já não concorda com sua postura e que já professa a fé de Lutero.
_Minha esposa não é székely! _vociferou papai. _Além do mais, quem decide o futuro de meus filhos e filhas sou eu! Saiba, conde... que enquanto eu permanecer vivo... minha casa será székely e servirá à Igreja de Roma!...
Conde Vladmir então baixou o olhar, balançou a cabeça negativamente e concluiu:
_Penso, Jozsef... que você deve refletir melhor. Não inisistirei mais com você por hoje. Mas prometo voltar, para continuarmos nossa conversa.
Conde Vladmir partiu então com sua comitiva, deixando papai muito apreensivo. Ele reconhecia seu isolamento e não conseguia encontrar uma saída. Fechou-se então em sua sala por cerca de quase uma hora, depois, desceu resoluto, procurando por mim. Eu me encontrava na cozinha, pintando ovos para Páscoa e ouvindo Erzsi contar estórias de fantasmas e vampiros, enquanto preparava um bolo adoçado com açúcar, que eu adorava. Papai chegou ressoando suas botas. Parou à porta da cozinha e me chamou de forma firme, quase como se fosse me dar uma reprimenda:
_Irina, venha aqui, agora!
Fui sem exitar. Porém, bem ao contrário de qualquer coisa que eu pudesse imaginar, papai me levou para o pátio perto do estrebaria, onde treinava meus irmãos. Estes, por sinal, já nos aguardavam, sem as camisas. Papai tirou seu casaco e depois tirou a camisa. Pegou então uma pequena espada de madeira, que antes servira à Mihail. Deu-a para mim e disse:
_Tome, Irina! A partir de hoje, você treinará conosco!
Peguei a espada em silêncio, um tanto perplexa. Papai voltou-se para meus irmãos e ordenou:
_Repitam o que lhes ensinei ontém. Ensinarei apenas Irina por hoje.
Eles menearam positivamente com a cabeça e se posicionaram frente à frente, com as espadas em riste. Nicolae então ordenou a Mihail:
_Me ataque!
Este desferiu o primeiro golpe, que foi prontamente aparado por Nicolae. Suas espadas tiniram, me fazendo dar um leve salto. Papai observou o início de sua luta, meneou positivamente a cabeça e voltou-se para mim:
_Muito bem, Irina... Faça como eu!... Mantenha a cabeça erguida e empunhe a espada assim...
Eu o imitei, ele sorriu:
_Isso!... Muito bem! Muito bem!...
Então continuou:
_Agora, golpeie assim!... _ordenou cortando o ar com sua espada de aço, que zuniu, causando-me um arrepio na espinha.
Papai riu de meu susto e ordenou novamente:
_Vamos, filha, é a sua vez!
Golpeei o ar de forma desajeitada. Papai então parou, embainhou sua espada e veio até mim. Abaixou-se por trás de mim e segurou minhas pequenas mãos, fazendo-as erguerem novamente a espada de madeira. Começou então a instruir:
_Agora, olhe para frente... Mantenha os olhos na direção da ponta da espada e... golpeie! _e me fez desferir o golpe.
Este foi o dia de minha iniciação na espada. O dia em que papai viu que não podia mais apenas me defender. A partir daquele dia, tomei consciência de que tinha de aprender a me defender sozinha. Portanto, teria de ser uma ótima aluna para papai. A melhor aluna!...
Durante três anos, papai me treinou initerruptamente. De forma que quando alcancei 14 anos, não apenas havia me tornado uma mulher, como também uma guerreira. No combate, equiparava-me a meus irmãos e só perdia para papai. Era forte tanto na espada, como no combate corporal. Aprendi a desarmar oponentes com facas, adagas e machados. Para tanto podia me utilizar de unhas e dentes. Papai tentou ensinar para meus irmãos sua arma secreta: a luta com duas adagas. Mas eles não conseguiram aprender. O motivo era simples, papai era ambidestro e sabia manejar bem com ambas as mãos. Tanto Nicolae, quanto Mihail eram destros, como mamãe. Eu porém, era ambidestra, como papai, e por isso consegui aprender a arte. Também aprendi a montar a cavalo. Mas não como as mulheres, sentando-se de lado, e sim como os homens, abraçando o cavalo com as pernas. Mamãe se escandalizava ao me ver cavalgar, pois não só  montava de forma impudica, como meu vestido levantava, mostrando minhas pernas até um palmo acima dos joelhos.
Papai também ensinou-me a atirar, jamais esqueço suas instruções:
_Cada um de vocês tem de conhecer sua própria arma antes de se atrever a usá-la em combate. _postulava, enquanto apontávamos para velhas garrafas de vinho. _Cada arma _continuava _atira da sua própria maneira, tem sua própria personalidade. Descubra como ela costuma lançar a bala e qual a distância que consegue alcançar, para que sua mira seja certeira!
Aprendi a atirar muito bem e passei a participar das caçadas. Não gostava de usar o mosquete, pois tinha de usar ambas as mãos e isso me desequilibrava sobre o cavalo. Preferia então a pistola, segurando as rédeas com a mão esquerda e a pistola com a direita. Uma vez, perseguíamos um obstinado javali. Nem papai, nem Marton, nem Nicolae, ou Mihail conseguiram alvejá-lo. Avancei então com meu cavalo por entre as árvores e me adiantei ao animal. Equiparei minha velocidade à dele e apontei a arma na direção de seu focinho. Ele estava a cerca de vinte e cinco pés de distância. Tão logo sua cabeça emergiu detrás de um pinheiro... disparei!... _Pah! _Seu olho estourou, fazendo sua cabeça balançar para o outro lado, como se tivesse levado um forte soco. Como viesse à grande velocidade, ainda continuou sua desabalada fuga por mais vinte pés, cambaleando e perdendo a direção para a direita, até chocar o focinho em um pinheiro e tombar pesadamente sobre o chão.
Fui então até ele e o vi em em seus últimos suspiros, tremendo e grunhido. Logo chegaram os homens e papai elogiou:
_Nossa santa Mãe!... Mas que belo tiro! Muito bem, Irina! Muito bem!...
Nicolae me olhou com uma cara fechada, como se sentisse insultado por não atirar melhor que uma mulher _pior que isso! _que sua irmã caçula! De minha parte, me limitava apenas a sorrir com altiva e vitoriosa satisfação.
Por esta época, recebemos a visita inesperada de um grande amigo de papai, János Literati! Chegou trazendo consigo o pequenino Mózes, que contava então seus nove anos. Afagando a cabeça do filho, lembro de Literati falando à papai:
_Já o estou levando comigo para trabalhar nas minas. E graças à Santíssima Mãe, que atendeu ao meu pedido de um filho homem, ainda recebi a graça dele gostar muito de nossa função. Não são todos que aguentam trabalhar com o sal.
A visita de János não era puramente fraterna, os mineiros preparavam uma grande rebelião contra o príncipe Sigismond.
_Já conseguimos o apoio dos saxões, Joszef, a rebelião será deflagrada a qualquer momento.
_No que diz respeito a mim, eu e meus homens já estamos prontos para o combate, amigo János.
De fato, a rebelião não tardou em explodir. Papai riu quando roguei para que me levasse junto com ele para a guerra. Nicolae caçoou de mim:
_Irina, você é mulher! Guerra é coisa de homens!
_Luto melhor que muitos homens! _respondi furiosa.
Nica também queria ir para a guerra, mas papai o incumbiu de defender o castelo em sua ausência. Fez isso primeiro porque sabia que, em caso derrota székely, uma possível tropa do príncipe apareceria para confiscar nossas terras e o castelo, segundo por consideração à pobre Greta, que estava grávida do primeiro filho de Nicolae. Baixa, gorducha e temperamental, Greta era a filha caçula de Béla. Papai a casou com Nicolae para ressarcir o banqueiro pelo fato deste ter recebido Vladia já violada. Desta forma, com o casamento da filha, pelo menos garantiria netos nobres.
A rebelião, porém, mostrou-se um fiasco. Parte do exército do príncipe era composto de székelys comprados com cargos e privilégios. Como se não bastasse, János Sigismond foi até Constantinopla, ajoelhar-se aos pés do sultão Süleiman e rogar por seu socorro. Süleiman atendeu à sua súplica, ajudando-o a bater os revoltosos. Recebeu em troca um antigo sonho: Erdély! Sigismond passou então a governar como príncipe, sob a tutela otomana. Para escornar o poder de nossa nação, destituiu nossos juízes eleitos, em Udvarhely e Háromszék, e pôs homens de sua confiança em seu lugar.
Papai voltou para casa magro e abatido, com cicatrizes no corpo e a vã promessa turca de que sua fé e seus direitos seriam respeitados. Na verdade, ele trazia sobre as costas uma grande carga, que só depois me revelaria. Ainda lembro de avistá-lo chegando em seu cavalo, numa enevoada manhã de outono. Com lágrimas nos olhos, corri para abraçá-lo!
_Calma, minha Irina! Calma!... Estou de volta!... _dizia enquanto me acalentava.

quinta-feira, 27 de janeiro de 2011

SAFO

























Safo Rainha de Lesbos, de Niceas Romeo Lanchett.


Meu coração ficou confuso por longo tempo. Por um lado, repudiava a própria lembrança do que vira, por outro, a cena me assaltava em sonhos e inesperadas recordações. Fiz algo que jamais pensei em fazer, procurei frei Emil para me confessar. Enquanto eu me agarrava a ele, chorando, ele me acalentava e aconselhava:
_Não chore, minha menina, o mundo é assim mesmo. Está escrito no livro de Jó: "(...) o mundo inteiro jaz no malígno!".
Frei Emil não me passou nenhuma penitência, apenas passou a me ensinar sobre a natureza do mundo, a partir de seus livros proibidos, como o Satíricon, de Petrônio _o seu preferido. Por esta época, Mila, em suas cartas, revelou-me muito de seu amor incestuoso com Nicolae e confidenciou-me sua vida nada santa no convento. Em suas próprias palavras, escritas no mais belo grego alexandrino, narrou:

Desde que aqui cheguei, tenho sido poupada dos afazeres mais extenuantes, tendo como ocupação apenas a tradução e a leitura. Logo no princípio, ainda fui submetida à dureza da vida religiosa, tendo meus cabelos tosados e minha alegria contida. Porém, cai nas graças de todas e sobretudo na de irmã Gabriella, nossa madre superiora. Por isso, fui recompensada com toda sorte de agrados e mimos. Não me alimento apenas com a ração regular, mas recebo secretamente refeições profanas na biblioteca, que chegam a conter doces e frutas. Ainda que em segredo, recebi permissão para deixar meus cabelos crescerem e para usar perfumes, que me são presentados pela própria madre. Escondo meus cabelos debaixo do véu e quanto ao perfume, as outras irmãs pensam ser um milagroso dom divino.
Durante a noite, tenho momentos deliciosos junto à madre, seja em minha cela, seja em sua sala particular. Sento em seu colo como uma criança, completamente nua. Ela me queima com seus beijos e carícias. Meu corpo é seu brinquedo e suas mãos _e ainda mais, sua boca! _me conduzem às alturas do paraíso. A pedido dela, uso jóias e cosméticos em nossos encontros. As jóias são as minhas próprias, que foram doadas à Santa Sé e estão guardadas sob os cuidados da madre. Os cosméticos ela consegue negociando em segredo com os ciganos.
Quando começamos nossas folganças noturnas, indaguei a ela se o que fazíamos não era pecado contra a lei de Deus. Ela me respondeu que no mundo éramos carne e que desta condição não poderíamos fugir. Apenas nos resta obrar pela fé e pelas vidas dos que sofrem, pois desta maneira talvez consigamos o perdão no julgamento final. Ela também me explicou que poucos são os agraciados em nascer com uma natureza divina, nada querendo desta Terra. A nós, os pecadores, que somos maioria, cabe dançar com Deus e o Diabo, sabendo terminar nas mãos do Criador ao fim do baile...

Lendo isso, lembrei-me da poesia de Safo. Frei Emil apresentou-me uma coleção de seus versos, que ele guardava com todo cuidado, dizendo serem raros, para além de proibidos. O mundo pagão vivia sem pecado. O pecado foi criado por nós cristãos. Toda depravação provém de nós, do pecado que cometemos ao lançar no inferno todos os deuses da natureza, com seus irreprimíveis poderes. Mesmo os tormentos do Hades não eram para o luxuriosos _visto que os deuses eram os primeiros a cair em tentação! _antes sim, para os traidores, para os ingratos, para os falsos, para os perversos. Gente como Traian e não como minha pobre irmã. Esta pecara e fora cruelmente punida com a esterilidade. Entregaram-na para a Igreja para que salvasse sua perdida alma. Mas lá, apenas fora conduzia aos Céus... pelas ardentes labaredas do Inferno!

quarta-feira, 26 de janeiro de 2011

PAPISA


Enquanto eu me empenhava em aprender latim e grego, meus irmãos eram treinados na arte da espada por papai. Nicolae era quem mais apreciava os exercícios militares. Adorava poder disputar com alguém, para demonstrar sua destreza. Era muito bom no combate no solo e melhorava a cada dia no combate a cavalo. As criadas arrumavam pretextos para sair e vê-lo exercitar-se. Ele então já era um homem alto, vistoso, de músculos saliêntes, cabelos longos caindo-lhes nas espáduas e um leve cavanhaque ornamentando-lhe o rosto. Seu dote era muito comentado pelas criadas.
Mihail, por outro lado, dava muito trabalho a papai nos exercícios. O pobre sofria muito, com ralhos e cansaços. Papai chegou a cogitar mandá-lo para a Igreja. De fato, Mihail era muito mais dado à leitura e à reflexão. Quando soube que eu estava estudando grego e latim, também quis aprender. Frei Emil penava com nossas infindáveis perguntas. Porém, fomos premiados por nossa curiosidade, pois acabamos conhecendo Platão, Aristóteles, Homero, Virgílio, Horácio e o proibido Ovídio, que eu adorava. Frei Emil também nos ensinou italiano e graças a isso, podemos também ser apresentados a Dante e Boccaccio. Mihail adorava a Divina Comédia, enquanto eu preferia as novelas pecaminosas do Decameron. Porém, para manter nossa disciplina espirutal, como dizia, frei Emil  também nos obrigou a estudar Santo Agostinho e Santo Tomás de Aquino.
Minhas leituras proibidas estavam a salvo da vigilância de mamãe, que estava mais ocupada com os preparativos do casamento de Vladia. Esta fora dada a Béla, como compensação pela perda de Mila. Quando o dia deste finalmente chegou, a festa mostrou-se impecável. A cerimônia foi celebrada em nossa capela, mas não deixou de ser bela e pomposa. Vladia estava linda! Seu vestido era muito elogiado pelas convidadas.
Papai ficou alegre além da conta, por causa da pálinka, que estava sendo servida à farta. Os homens competiam entre si, para ver quem a tomava de um só gole. Feliz e sorridente, papai convidou:
_Amigos, vamos dançar! Onde estão os noivos?
Vladia foi ter com seu marido e ambos começaram a dança. Béla dançava com a graça de uma vassoura, mas sua alegria era sincera. Logo os casais se formaram em volta dos noivos e se embalaram ao som do címbalo, da duda, do alaúde e das flautas. Os músicos tocavam com gosto!
A música, a dança e a bebida se arrastaram noite adentro. Sendo ainda jovem demais para noitadas, pedi à mamãe para ir dormir. Rindo, também alegrada pelo vinho, ela me "alforriou" da festa:
_Vá! Vá e não me apoquente mais!
Subi bocejando, porém, todo meu sono desapareceu diante de uma cena: deitada em sua cama, com as parnas brancas e roliças bem abertas e erguidas até os joelhos lhe tocarem os ombros, estava Vladia. Nicolae a segurava entre os joelhos e as panturrilhas, possuindo-a violentamente. Como uma vadia, Vladia gemia, arquejando o corpo para trás e jogando a cabeça de um lado para o outro, de forma que os cabelos loiros lhe caiam sobre rosto. Nos lábios, um sorriso despudorado!...
Fiquei paralizada! O que eu via me chocava! Tremi!... Até podia esperar que a frágil Mila caísse em tentação por conta de sua fraqueza, mas Vladia?!... Vladia, cuja disciplina moral e religiosa me faziam lembrar da austera papisa das cartas de Tarot?!...  Não!... Aquilo que eu via era mais que pecado, mais que uma queda, mais que perdição!... Aquilo era depravação!...

terça-feira, 25 de janeiro de 2011

SODOMIA














Como me prometera, Mila passou a me escrever todo mês. Em uma de suas cartas, ela confidenciou, em um bilhete à parte:


_Irina, quero que rasgue este bilhete quando acabar de ler. Guarde-o na memória. Estou aprendendo latim e grego, com irmã Helena. É ela quem lê a bíblia para as demais irmãs. Porém, está muito idosa, por isso está me preparando para substituí-la. A maior parte das irmãs sequer sabe ler o vernáculo, por isso o convento logo precisará de uma nova leitora e tradutora.
Tudo o que aprender, passarei a você em minhas cartas. Assim poderemos trocar nossos segredos em plena segurança. Confio em você, Irina, pois sei que não tem a carolice de Vladia. Sei que não comentará com ninguém o que lhe confidenciar. Seja uma leitora atenta, pois terei de lhe transcrever mesmo a pronúncia das palavras. Espero que seja agora uma boa aluna e não mais a menina preguiçosa e birrenta que foi quando lhe ensinei as primeiras letras.

De sua irmã que tanto a ama, Mila.

Chorando, prometi a mim mesma que não seria mais preguiçosa e aprenderia com afinco e disciplina. Para memorizar melhor a pronúncia, passei a ir à todas as missas na capela. Vladia ficou muito feliz com esta atitude, pensando que esquecera minha revolta contra a religião. Mal sabia ela o quanto eu detestava aquelas missas. Não apenas por minha revolta contra Deus, mas porque _embora ainda não soubesse latim _sabia que o que quer que o velhíssimo frei Gábor proferisse, definitivamente, não era nem latim, nem grego, nem a língua do Diabo que o carregue!...
As missas por sua vez, representavam um novo esforço de papai para nos manter católicos. Antes, chamávamos um padre apenas em ocasiões especiais. Era mamãe quem nos lia a Bíblia e ensinava o evangelho. Com sua conversão aos luteranos, porém, papai passou a trazer frei Gábor para rezar as missas aos domingos. Não demorou para que ele decidisse manter um padre de vez no castelo. Pediu então ao abade do mosteiro franciscano vizinho para enviar um de seus frades para exercer as funções de padre e professor. Foi assim que frei Emil chegou em nosso castelo. Quando os portões do castelo se abriram, rudes e pesados, e vi surgir sua figura baixa, gorducha e sorridente, abri um largo sorriso. O amei imediatamente.  Frei Emil estava sempre alegre e espirituoso. Fizemos amizade imediata. Eu simplesmente o perseguia o dia todo. Onde quer que ele estivesse, lá estava eu, agarrada à sua mão... ou à sua batina.
_Venha minha pequena pupila! _costumava dizer quando estendia a mão para seguir com ele.
Lembro que papai chegou a ficar com ciúmes:
_Você pode largar o frei pelo menos um segundo? _se queixou uma vez.
Nicolae também se queixava dele: "_Essa senhora de batina!..." _zombava quando tinha de ir para as aulas. De fato, seu jeito efeminado era notório. Isso de forma alguma me aborrecia. Ao contrario, aproveitava ao máximo seu lado maternal. Uma vez porém, o deixei muito desconcertado. Pegara o costume de procurá-lo a qualquer hora e, uma noite, fui até a capela, para que explicasse como se pronunciava uma palavra em latim. Lá chegando, não o vi na sala principal, por isso fui direto à sacristia. Abri a porta sem bater e flagrei-o em delito carnal. Ele estava com a batina levantada, montando Andrei, o cavalariço, por trás. Este por sua vez, encontrava-se absolutamente nu, gemendo em falsete e requebrando-se feito uma prostituta ordinária. Seus gemidos se misturavam aos de frei Emil que, para meu espanto e riso, trazia uma vela enfiada entre as nádegas gordas. Não resisti e comecei a rir. Os dois deram um salto de susto e arregalaram os olhos para mim, como se eu fosse o próprio demônio. Eu por meu lado, apenas me curvava de tanto rir daquela patuscada. Os dois rapidamente se desataram. Com as mãos trêmulas e aparvalhadas, frei Emil não sabia se tapava o rosto, ou se tirava a vela do traseiro. Andrei se vestia rapidamente, como uma mulher envergonhada. Mal se recompuseram, frei Emil tentou contornar com o rosto e os olhos vermelhos:
_Irina... meu amor!... Por favor... Esqueça o que viu!... Eu lhe rogo, pelo amor de Deus!...
Eu, no entanto, mal conseguia ouvi-lo, mas apenas rir. Andrei, por sua vez, retirou-se sem demora. Porém, não sem antes fazer o sinal da cruz, apalermadamente, diante do altar, o que me provocou mais gargalhadas. Quando me acalmei mais, sentei-me com frei Emil para conversar.
_Irina... _começou ele com o rosto vermelho _Tenho de explicar a você... algumas coisas... sobre a carne...
_Não precisa!... _acalmei-lhe sorrindo e acariciando-lhe a face gorda.
Ele pôs suas mãos gorduchas sobre a minha e começou a soluçar, envergonhado. Enxuguei as lágrimas de seu rosto e o abracei. Naquela noite, fizemos um pacto: eu jamais revelaria o seu segredo e, em troca, ele me ensinaria latim e grego. Nossa amizade se fortificou mais que nunca. Eu era sua pequena confidente e amiga e não mais o assustava quando chegava. Agora dava três batidas leves na porta para ele saber que eu havia chegado: "toc-toc-toc... _Frei Emil... sou eu!..." _Do outro lado da porta, eu ouvia o barulho ritmado de Andrei a castigar-lhe convictamente as entranhas. Quando eles se demoravam muito, eu simplesmente pedia:
_Frei... minha aula!...
_Calma, Irina... oooorr... meu amor... Já estamos terminando!... _respondia ele chacoalhando, enquanto o som de suas carnes ressoava contra as coxas e os quadris magros de Andrei, plof-plof-plof...
A sodomia não me espantava mais. Aliás, nada que fosse contrário as leis de Deus, que para mim não passava de um egoísta e impiedoso senhor de almas.

segunda-feira, 24 de janeiro de 2011

A PERDA DA ALMA




















Mila permaneceu no quarto todo o resto do dia. Parecia doente. Mamãe ficou de guarda, ao pé de sua cama, desde que lhe ministrara a infusão. Ao início da noite, Mila começou a contorcer-se de dor, chorando e clamando por socorro. Ao perceber que seu vestido e os lençois de sua cama estavam empapados de sangue, começei a gritar e chorar.
_Mamãe, Mila está morrendo!... Mila está morrendo!...
Sem demora, mamãe levantou-se, certificou-se da situação e depois ordenou a Vladia:
_Tire Irina daqui!
Vladia me levou para fora apressada e cuidadosa:
_Venha, Irina! Não chore! Vai ficar tudo bem! _e me dava beijos de consolo e enxugava minhas lágrimas _Mila vai ficar boa!...
Ainda pude ouvir mamãe dizer às criadas:
_Tragam água quente, rápido! Ela expeliu o embrião!
Por dias pensei que Mila fosse morrer. Tinha febre e delirava. Recebia visitas diárias de madame Dorka, que lhe ministrava poções e resas. Após uma semana de sofrimentos, ela finalmente começou a se recuperar. Estava pálida e abatida. Madame Dorka a examinava todos os dias e um dia, revelou à mamãe:
_Ela não poderá mais ter filhos, senhora... Lamento!...
Mamãe teve de ser muito cautelosa para enganar papai. Disse-lhe que Mila contraíra uma doença uterina ao beber, sem saber, um chá que a velha cozinheira, Erzsi, fazia para aliviar sua artrite. Tanto a velha Erzsi, quanto Klara, Arnira e, por fim, madame Dorka confirmaram a estória inventada por mamãe. Isso, no entanto, não deteve a fúria de papai, que derrubou copos e quebrou uma cadeira na parede, ao saber que Mila não poderia mais lhe dar um herdeiro. Pegou seu cavalo e desapareceu boa parte do dia. Ao retornar, pelo início da noite, chamou mamãe e determinou:
_Vou entregar Mila à Igreja! Assim que ela se recuperar, irá para um covento.
Mamãe não contestou, apesar de ser protestante. O segredo de Mila seria melhor guardado no cláustro. Mila, por sua vez, mesmo como com lágrimas nos olhos, aceitou placidamente seu destino. Notei que a culpa a corroía, ela queria uma rendenção. No dia que as irmãs dominicanas a levaram, chorei muito. Mihail despidiu-se dela na sala, não quis vê-la partir. Nicolae pegou seu cavalo e simplesmente desapareceu. Na hora da partida, a abracei com força e não quis soltá-la. Ela, por sua vez, me acalentava, com lágrimas nos olhos:
_Calma, minha bebezinha, calma!... Sempre escreverei para você, sempre! Lembrarei de você em minhas orações.
Foi preciso mamãe me arrancasse de seus braços, para que ela pudesse seguir viagem. Não esqueço sua imagem triste e resignada _com o lenço branco envolta da cabeça _sendo levada na carroça das irmãs. O céu estava cor de chumbo e a tarde soprava um vento frio.
Uma ira colossal se apossou de mim. Corri para a capela e acusei Jesus em altos brados:
_É tudo culpa sua! É tudo culpa sua! Você se vingou dela! Você a puniu! Você não perdoa! Você não perdoa ninguém!...
A imagem massacrada de Jesus, na cruz, mantinha-se calada, surda aos meus insultos. Foi então que o esconjurei:
_Eu rejeito você! Eu rejeito você!... Não serei sua serva! Não serei sua serva! Jamais! Jamais!...
Vladia chegou nesse instante e me acalmou:
_Não diga isso, Irina! Não diga isso, pelo amor de Deus! Venha, vamos passear no campo!... Venha, querida, venha!... _rogava cobrindo meu rosto de beijos. _Vamos passear...
Vladia pegou-me pela mão e me levou para o campo. Passeamos placidamente para além do mosteiro franciscano. Ela cantarolava doces cantigas para me acalmar. Caminhamos por horas, na tarde fria e tristonha. Em certo momento, fomos nos aproximando da floresta. Foi quando vi uma mulher em frente as árvores, distante cerca de trinta e cinco pés. Era alta e muito pálida. Aparentava seus 30 anos e olhava diretamente para nós. Usava uma camisola branca, cingida por um cordão nos rins. Seus cabelos negros esvoaçavam com o vento.
_Veja, Vladia! Quem é aquela mulher?... _indaguei apontando para ela.
Vladia parou como se batesse de frente à uma parede. Seus olhos pararam fixos na mulher e seus lábios caíram. A mulher, por sua vez, permanecia impassível, olhando para nós. Vladia então virou-se e me apressou:
_Vamos Irina, está tarde! Vamos embora! _dizia assustada, olhando para a mulher o tempo todo.
Seguimos então de volta, a passos mais rápidos. Vladia começou a sussurrar o Credo e, vez por outra, olhava para trás. Eu também olhava e via que a mulher permanecia lá, parada, nos fitando de longe. Foi quando notei que ela estava olhando precisamente para mim. Ao perceber isso, assustei-me e virei o rosto. Porém, a curiosidade me atiçou e novamente voltei o olhar. Ela, porém, havia desaparecido.
_Quem é ela, Vladia? Ela é um fantasma? _perguntei novamente.
_Não, Irina! Ela é pior que um fantasma! Muito pior!... _respondeu apreensiva. _Ela perdeu a alma!...

domingo, 23 de janeiro de 2011

INFUSÃO

























Detalhe de Velha Fringindo Ovos, de Diego Velásquez.



O pecado de Mila e Nicolae não tardou a deixar rastro. Uma manhã, ao tomarmos o desjejum, Mila enguiou, com ânsia de vômito. Levantou-se da mesa rapidamente, correndo até à janela para vomitar. Eu, em minha igenuidade infantil, simplesmente achei nojento. Mas mamãe arregalou os olhos, como se diagnosticasse, instintivamente, algum mal muito grave. Levantou-se, pegou Mila pelo braço e começou um pequeno interrogatório. Dava para notar seu tom cuidadoso, porém inquiridor.
Papai se limitava a olhar, intrigado, continuando sua refeição. Mamãe então mandou Mila subir para o quarto, apontando o caminho autoriatariamente com o dedo. Ao sentar-se de volta à mesa, respirava ofegante, visivelmente irritada.
_O que houve, Eva? _interrogou papai.
_Nada! As cólicas dela estão fortes e ela não consegue comer. _respondeu sem demora.
_Hummm... _contentou-se papai com a resposta, voltando a comer.
Mamãe terminou rapidamente seu desjejum e levantou-se dizendo:
_Vou ver como ela está. Acho que chamarei madame Dorka para preparar um infusão para ela.
De fato, a velha curandeira foi chamada. A vi entrando, encurvada e tenebrosa, com sua bengala e o grande lenço sobre a cabeça. Mamãe e duas criadas a escoltavam. Não tardou para ouvirmos os gritos desesperados de Mila, como se estivesse sendo estuprada:
_Não! Nãaaaaao! Nãaaaaaaoooo!... _gritava horrivelmente.
Ao ouví-la em tal desespero, comecei a chorar, pois achava que ela estava sendo torturada. Vladia então me abraçou, também com lágrimas nos olhos, acalentando-me com beijos, em silêncio. O que ocorreu naquela tarde me foi revelado mais tarde por uma das criadas, Klara. Mamãe trancou-se com madame Dorka e as duas criadas, Klara e Arnira, no quarto onde eu e minhas irmãs dormíamos. Mila, que estava na cama, tão logo viu a velha bruxa chegar, já ergueu-se e foi-se encostando na parede. Sua reação defensiva era exatamente o que mamãe esperava encontrar. Sem nenhuma piedade, ordenou:
_Amarrem ela!
Mila então começou a gritar:
_Não! Nãaaooo! Se afastem de mim! Nãaaoooo!...
Porém, sabendo que se apiedar de Mila lhes renderia chibatadas, as criadas foram rápidas e precisas na missão. A agarraram com força, uma em cada braço e a imobilizaram, o que não foi muito difícil, pois eram fortes e corpulentas. Amarraram então os braços de Mila na cabeceira da cama e, em seguida, avançaram sobre suas pernas. Mila esperneava, mas as duas conseguiram separar suas coxas e deixá-la em posição de parto. A velha Dorka pode então examiná-la. Tocou seu orgão genital, observou-o por um instante e, em seguida, movendo a cabeça negativamente, diagnosticou:
_A jovem não é mais virgem!
O rosto de mamãe ficou vermelho de fúria. Inquiriu então:
_Ela está grávida?
Madame Dorka apalpou a barriga de Mila e não tardou a dar a resposta:
_Sim!
As lágrimas e soluços de Mila não foram o suficiênte para conter a ira de mamãe:
_Sua ordinária! _vociferou já disferindo o primeiro tapa no rosto de Mila. _Vagabunda! Desgraçada!...
Mila tentava se desviar de suas mãos, em vão. Mamãe então encheu a mão com seus cabelos e interrogou:
_Quem é ele! Fala, sua prostituta! Quem é ele!... Vou mandar castrá-lo!...
Mila, obstinada, se recusava a delatar seu amante:
_Não! Nãooo!...
Foi quando a sabedoria da velha curandeira contornou a situação:
_Senhora, não vamos perder tempo. Deixe que eu lhe prepare uma infusão... e todo mal será dela expelido hoje mesmo...
Mamãe, com os olhos flamejantes de fúria, escorrendo lágrimas como cera quente, pareceu conter-se:
_Está bem! Seja rápida!...
Madame Dorka puxou então um punhado de ervas de sua sacola rota e dirigiu-se com as criadas para a cozinha. Mamãe foi com elas, trancafiando Mila no quarto, como uma prisioneira. Pouco mais de um quarto de hora, estavam de volta. Klara e Arnira voltaram a imobilizar os braços e pernas de Mila, para que ela não se mexesse. Com uma velha caneca de cobre, Madame Dorka aproximou a infusão dos lábios de Mila. Ela desviava o rosto, recusando-se a beber. Mas mamãe segurou sua cabeça com uma chave de braço e, abrindo sua mandíbula como a de um animal, ordenou à curandeira:
_Dê-lhe a infusão!
Madame Dorka então derramou a infusão na boca de Mila, que foi obrigada a engolí-la tal como a um veneno punitivo. Mamãe puxava sua cabeça para trás, para que a infusão desçesse por sua garganta. Mila, derramando lágrimas dos olhos e escorrendo a infusão pelos cantos da boca, rendia-se ao amargo e humilhante suplício.

sábado, 22 de janeiro de 2011

O PECADO ORIGINAL



















Detalhe de O Pecado Original, de Michelangelo.





Infelizmente para papai, menos de seis meses depois da viagem à Kolozsvár, presenciei algo que comprometeria absolutamente seu contrato. Numa tarde de verão, à hora da sesta, estava passeando pelo castelo. Não conseguia dormir após o almoço. Ficava então perambulando pelos corredores e salas. Numa atitude absolutamente improvável, resolvi ir à capela. O que definitivamente não era o meu costume, pois nunca fui dada à religião. Lá entrando, ouvi sussurros e gemidos que vinham da pequena sacristia. Aproximei-me na ponta dos pés... A porta estava entreaberta. Vi uma cena que me deixou desconsertada: Mila estava sentada sobre pequena mesa, de pernas abertas, com o vestido levantado. Enquanto isso, Nicolae se encaixava nela pela frente, com as calças até os joelhos. Foi como se um raio caísse sobre mim e me torrasse da cabeça aos pés. Meus irmãos cometiam incesto!...
Estavam tão entregues ao seu pecado, que sequer me perceberam. Suas bocas estalavam beijos sôfregos que exalavam paixão. Mila abraçava Nicolae como a mais desesperada das amantes e este a possuía com a gula de um marido que acabara de chegar da guerra. O calor que emanava dos dois parecia consumir a tudo em volta, inclusive a mim. Seu furor deixava claro que seu pecado não era recente, mas há muito praticado.
Fiquei tomada. Era como se meu corpo inteiro se inflamasse. Como se a própria serpente estivesse me oferecendo o fruto da árvore proibida. A cena me queimava. E não era a imagem viril de Nicolae que me perdia, mas... o pecado!... A abominação! A ignomínia! A perdição em si!... Crescera vendo Mila como a irmã mais velha, obediente, zelosa, que cuidava de mim, de Vladia e Mihail, por vezes, de forma severa. O exemplo de filha para mamãe. Não foram poucas as vezes que ouvi mamãe falar:
_Siga o exemplo de Mila!
Mila era a própria antítese de Nicolae, sempre impetuoso, dado às criadas, às caçadas e aos treinos de luta e espada. O lugar de Nicolae era bebendo com os soldados, o de Mila, era na capela, ajoelhada, de mãos unidas, recebendo a hóstia em suas mãos.
Ver os dois em ato de incesto era como ver o anjo se entregando ao demônio, o bem sucumbindo ao mal. Mila não apenas se despia de suas roupas, mas do pudor, da moral, da fé que a santificava. Sua imagem de pureza abria pernas voluptuosas, revelava formas tentadoras, mostrava a carne debaixo da virtude, se entregando ao pecado venal.
Tudo isso fazia com que aquela cena tivesse sobre mim o poder de uma iniciação. Aquilo não era nada parecido com o que eu já presenciara. Nada como a cópula dos animais, como os flagras da falta de vergonha dos criados _que eram pouco mais que os próprios animais. _Aquilo era abrir a larga via que conduzia à perdição e _confesso! _eu estava tentada a entrar.

sexta-feira, 21 de janeiro de 2011

POLÍTICA
























O banqueiro e sua esposa, de Quentin Massys, 1514.




Depois da refeição, papai fechou-se na sala particular de Béla, para discutirem o que realmente o levara até ali. Lembro de estar brincando com Mihail, próxima à porta, e de ter ouvido sua conversa. Como boa menina curiosa que era, olhei pela fechadura. Mihail quis bisbilhotar também.
_Deixa eu ver. Deixa eu ver, I.
_Sai, Mika! _o empurrava irritada.
O teor da conversa não era dos melhores, papai esbravejava:
_Isto é insulto! Querer que eu dê minha filha em casamento àquela besta que ele chama de filho, em troca do perdão dos impostos atrasados! O que este baronete de meia tigela pensa que é?!... Um contrabandista do pior tipo, que enriqueceu vendendo mercadoria roubada das caravanas do oriente! E que agora possui, infelizmente, autoridade só porque um príncipe moleque! _que ainda mal vestiu as calças! _o elevou à condição de conde, para que ele nos cobre esses impostos injuriosos! Eu tenho estirpe, sou um székely! Não sou como este anão meio romeno, meio magiar, que além de infiél, não passa de um oportunista desclassificado!
_Porém, um oportunista que detém poder. _argumentou Béla. _Temos de encarar a realidade, Joszef, os protestantes estão no poder. Portanto, se quisermos viver em paz, teremos de ceder.
_O que se pede de meu povo não é que ele ceda, mas que se humilhe. Sempre servimos ao império por lealdade! Agora que fazemos parte de um minguado principado, nos arregimentam à força e nos obrigam a pagar impostos, como se fôssemos alguma espécie de povo conquistado, como se nosso país fosse uma reles colônia!
_São os novos tempos, Jozsef, temos de nos ajustar a eles. _pondera Béla.
_Ajustar?!... _se irritou papai _Então surge um principezinho infiél, que nos obriga a pagar impostos, a servir no "seu!" exército e ainda concede autoridade a oportunistas sem linhagem para que eles nos humilhem e eu tenho de me "ajustar"?!!...
Béla se manteve calado e impassível frente ao ataque de fúria de papai. Este continuou:
_Acho que ainda não lhe contei tudo o que está acontecendo... Este maldito anão está me vigiando. Ele insiste em pôr seus cavaleiros passeando em minhas terras, como forma de intimidação. Quando o inquiri por que estava estava fazendo isso, respondeu que recebera a incubência de vigiar as terras do príncipe!... Como terras do príncipe?! Essas terras são minhas!...
_Ou eram!... _questionou Béla calmamente. _Jozsef... sou banqueiro porque herdei o banco de meu pai, mas sou advogado de formação. A conciliação, para mim, sempre é o melhor caminho. Reflita melhor sobre a proposta de casamento do conde...
_Jamais! _vociferou papai. _Jamais entregarei minha filha a um infiél! Aliás, para mim, aqueles dois, pai e filho, não passam de dois vampiros!...
_Acredita nessas lendas, Jozsef? _riu-se Béla.
_Acredito no que meus ancestrais acreditam.
_Não levo a sério essas lendas dos camponeses, com todo respeito à sua pessoa. Sou um homem da urbe, lido com problemas reais... _postulou esfregando a ponta do polegar com o indicador, querendo dizer "dinheiro".
_Pois então me dê uma boa quantidade de seus "problemas reais" e eu resolverei o meu problema, pagando aquele cachorro!
_Jozsef, tem idéia da quantia que está me pedindo?... Tem certeza de que poderá me pagar?... _questionou Béla.
_Sim! _respondeu papai firmemente.
_De que maneira? _questionou novamente Béla.
_Mila!... Estou disposto a lhe entregar Mila! _respondeu papai fazendo Béla arregalar os olhos. _Prefiro mil vezes vê-la na mão de um judeu convertido, do que na mão de um infiél!
_Confesso que é uma proposta bem interessante! _respondeu Béla, piscando os olhos lascivos.
_E qual é sua resposta? _exigiu papai.
_Minha reposta... é de que terá minha total ajuda, meu caro. Todo o crédito que precisar! _respondeu Béla estendendo a mão a papai.
_Ótimo! _alegrou-se papai, segurando firmemente a mão de Béla.

quinta-feira, 20 de janeiro de 2011

VINARS



























Nosso destino em Kolozsvár era o palacete de Béla Blaskó, um banqueiro amigo de meu pai. Ele nos recebeu muito hospitaleiramente, como de costume.
_Petrache! Emil! _gritou ele a dois jovens criados, que logo apareceram correndo _Levem a bagagem de meus hóspedes para os dois quartos que já estão preparados lá em cima.
Os dois rapazes menearam positivamente com a cabeça e prontamente carregaram nossa arca escada acima. Em seguida, Béla gritou à sua criada preferida:
_Annika!
_Sim, meu senhor! _chegou ela correndo, limpando as mãos no avental.
_Prepara um banho para Jozsef e sua família!
_É pra já, senhor! _e correu sorrindo, como se fizesse aquilo com grande satisfação.
Béla era um judeu convertido. Viuvo, sua esposa morrera quatro anos antes e, sendo ela nobre, ele herdara terras e um pequeno solar nas proximidades de Kolozsvár. O palacete fora fruto de seus negócios. Não apenas por conta do que herdara, mas também por agora viver cercado de jovens criadas, Béla parecia bem feliz com a morte da esposa.
Enquanto esperávamos a preparação do banho, sentamos na sala e outra criada já nos trouxe uma pequena bacia com água para lavarmos as mãos. Trouxe também um jarro com água e copos para matarmos a sede. Sedenta, peguei o copo com as duas mãos e bebi a água, deixando-a cair um pouco em meu vestido. Mamãe, como de costume, me repreendeu:
_Cuidado, Irina! Olhe os modos! _e começou a enxugar meu vestido com a toalhinha que a criada trouxera.
_Calma, Eva! _intercedeu Béla, sorrindo _Suas roupas serão bem lavadas aqui.
Mamãe limitou-se a olhá-lo com cara feia, pois conhecia muito bem o espírito galanteador e nada escrupuloso do banqueiro. Por sua vez, ele e papai ainda começaram a travar uma pequena conversa, antes que Annika aparecesse anunciando:
_O banho está pronto.
Béla possuía uma pequena, porém bela piscina de água quente. Tiramos nossas roupas e mergulhamos. Papai, como de costume, mergulhou logo a cabeça na água e, ao erguê-la, escorrendo a água do rosto com as mãos, soltou um gemido de alívio:
_Oooohr...
Enquanto mamãe se ocupava em lavar meus cabelos, uma criada lavava os dela. O cheiro do sândalo inebriava a sala. Mila, já uma mocinha de treze anos, lavava os cabelos de Vladia, então com doze. Nicolae, já um rapagão de quinze anos, bulia com Mihail, então com nove, mergulhando sua cabeça na água, rindo, como se quisesse afogá-lo.
_Pare com isso, Nicolae! _ralhou mamãe.
O pobre Mihail ergueu a cabeça, tomando fôlego, enquanto mamãe escorria a água de seu rosto com a mão. Papai se limitava a rir. Uma vez estabelecida a ordem, mamãe sentou-se à beira da piscina. Apoiou-se nas palmas das mãos, jogou os longos cabelos castanhos para trás, pingando água. Fechou então os olhos, relaxando, enquanto uma criada começou imediatamente a ensaboá-la. Mamãe era uma mulher bonita, alta e de corpo bem feito, que chamava muito a atenção. Ela tinha quadris largos, um traseiro generoso e belas e grossas pernas. Eu e minhas irmãs herdamos sua bela estrutura. Ao ensaboar suas pernas, notei que a criada se detinha em olhar seu sexo de pelos castanhos, quase ruivos. Não demorou para que ela começasse a ensaboar a vulva de mamãe, esfregando-a quase como se a masturbasse. Mamãe, por sua vez, permanecia de olhos fechados, deixando a cabeça pender, suavemente, de um lado para o outro, numa languidez quase lasciva.
Papai olhava tudo com um sorriso malicioso no rosto. Quase instintivamente olhei para a água e pude ver seu membro ereto, submerso. Papai tinha um bom dote e as criadas soltavam risinhos e apontavam admiradas. Quando a criada que ensaboava mamãe, jogou água sobre suas coxas, papai, como um moleque, meteu a mão em sua vulva e começou a masturbá-la com força. Mamãe assustou-se e jogou sua mão ladina do meio das pernas, censurando-o raivosamente:
_Safado!...
Eu e meus irmãos rimos muito. Mas a hora de brincadeiras logo acabou e não tardou para que mamãe estivesse mais uma vez ajustando-me o espartilho, momento que parecia sempre uma tortura para mim:
_Tá apertado, mãe!... _choramingava eu.
_Não te mexe, Irina! Assim não ajusto aqui! Pare de se queixar, se queres aprender a ser bonita, tens de aprender a sofrer.
Vladia e Mila, já com os espartilhos apertados, se olhavam no espelho.
Os esforços de mamãe para me educar eram grandes, na mesa, durante a refeição, eu meti a mão no pedaço de carneiro assado em meu prato.
_Irina, coma com os talheres! _ralhou ela, olhando meu rosto já lambuzado de gordura.
_Deixa a menininha se refestelar! _riu-se Béla, com uma taça de vinars na mão.
Papai, virou sua taça nos lábios e depois comentou rindo-se:
_Irina tem a voracidade de seus ancestrais!
Por sua vez, Nicolae, ainda que comendo com os talheres, não era menos bárbaro, mastigando o carneiro com a boca aberta, a carne a cair-lhe pelo canto dos lábios. Vendo o tom vermelho e translúcido do vinars, desejei experimentá-lo:
_Eu quero papai! _roguei manhosa, saltando de minha cadeira.
Papai então virou delicadamente a taça de vinars em meus lábios. O sabor fortemente alcoólico me fez fechar os olhos numa careta. Mamãe interveio:
_Ela ainda não tem idade para tomar vinars, apenas sangria. Venha cá, Irina, estou adoçando esta taça de vinho com açucar. _seduziu mamãe, sabendo aque eu adorava açúcar.
Corri até ela soltando um gritinho de excitação. Tomei a taça com as duas mãozinhas e a virei nos lábios. O vinho adoçado, diluído em água, ainda era a coisa mais forte que eu conseguia tomar naquele momento. Muito diferente de hoje, onde meu paladar tolera, sem problemas, um sabor ferroso e impregnante.

quarta-feira, 19 de janeiro de 2011



















Ao longo de minha infância, em diversos momentos, encontrei vampiros em meu caminho. Lembro de certa viagem que eu e meus pais fizemos à Kolozsvár. Era outono e eu estava com oito anos. Em certo momento, paramos perto de um riacho, para que nós e os cavalos pudéssemos beber água e nos recompor. O ritual foi o mesmo de todas as viagens, primeiro bebemos água. Depois _enquanto o cocheiro dava de beber aos cavalos _fizemos nossas necessidades fisiológicas escondidos na mata. Primeiro eu e meus irmãos, depois meus pais, por último o cocheiro e o guarda. Enquanto meus pais estavam na mata, eu me afastei um pouco do coche e me entreti a colher pedrinhas. De repente, senti como se alguém estivesse atrás de mim, me observando. Voltei-me para trás e vi uma mocinha, em cima de uma imensa pedra caída à beira do riacho. Ela devia ter 12 anos, era pálida, tinha cabelos castanhos, soltos, sem trato, vestia-se apenas com uma rústica túnica de lã, amarrada à altura dos rins, que lhe descia até os joelhos, e uma capa azul escura, também de lã. Notei que calçava sandálias, que se amarravam em tiras em suas pernas.
Com seus olhos castanhos, de brilho opaco, ela olhava para mim como uma criança que acaba de acordar e se depara com algo inesperado, que lhe causa curiosidade. Não senti medo, mas sua tez por demais pálida, sem brilho, me causava certo mal estar, como se ela fosse doente. Não falou absolutamente nada para mim e nem eu para ela. Ficamos nos olhando durante vários minutos, até que mamãe me chamou. Voltei-me na direção de seu chamado e, quando olhei de volta para a mocinha, ela não estava mais lá.
Mamãe me recebeu novamente com ralhos:
_O que estava fazendo afastada de nós? Já disse para não fazer isso! _esbravejou me puxando pelo braço.
_Só estava vendo a menina pálida! _respondi choramingando.
_Que menina pálida?
_A que estava ali me olhando, em cima daquela pedra!...
_Não há ninguém ali e não quero que separe de nós, não permito que converse com ninguém, entendeu! Não fale com estranhos! Não se aproxime de estranhos!... _vociferou.
Em seguida entramos no coche. Ao ver mamãe enfezada comigo, papai intercedeu:
_O que ela fez, Eva?
_Se pôs em risco novamente, se afastando de nós!
_Calma, Eva! _tranquilizou-a papai _Rezo sempre à São Cristóvão antes de seguirmos viagem.
_Não creio mais nessa idolatria! _rebateu mamãe.
Papai espantou-se e a inquiriu:
_Converteu-se aos luteranos?
_Sim! _respondeu ela sem pejo. _E acho que você deveria fazer o mesmo! Assim como fizeram István, seu irmão e Mónika, sua cunhada, esposa dele.
_Você está louca! _vociferou papai _Jamais renegarei a fé de meus ancestrais pela falsa fé dos infiéis!...
_Falsa é a fé que você devota aos santos e à imagens! Eles são ídolos! São contrários à doutrina de Jesus! _acusou mamãe.
_Eles são a lembrança dos mártires e nossos protetores! _defendeu papai.
_Isso é mentira pregada pelos padres e pelo papa, que são falsos profetas! _rebateu mamãe.
_Falsos profetas são os infiéis! Almas perdidas que se tornarão vampiros! _bradou papai.
_O Diabo não tem poder contra a verdadeira fé! _pregou mamãe.
_A verdadeira fé é a da Santa Madre Igreja Católica Apostólica Romana!... _pavoneou papai.
E continuaram sua discussão ao longo de quase toda viagem. Eu nunca gostei dos infiéis, sejam luteranos ou calvinistas, sempre defendi a tradição de meu pai. A despeito disso, nunca me apeteceu a fé cristã. O cristianismo opõe a cruz à espada. De minha parte, sempre achei a espada um objeto sagrado. A espada é como se fosse nossa alma, quando ela tomba, tombamos com ela.

terça-feira, 18 de janeiro de 2011

VAMPIROS




















Inverno em Harghita, Transilvânia.




Cresci ouvindo falar nos vampiros, os amaldiçoados mortos-vivos, sugadores de sangue, que se escondiam nos cemitérios, estradas, cavernas e montanhas. Porém, não me importava com eles, apenas com as montanhas. Sempre amei as montanhas. Quando criança, aos cinco anos visitei o solar de tio István pela primeira vez. Ele fica praticamente ao pé dos Cárpatos. Mamãe deixou que eu fosse ver os pastores e as ovelhas, acompanhada de minha babá, Anna. Porém, o que eu queria mesmo era passear na floresta, que sempre me fascinou. A floresta e as montanhas, sempre pareceram me chamar.
Durante nosso passeio, Anna logo se entreteu com um belo e jovem pastor, o que me deixou livre para correr rumo à floresta. Corri, corri, subi a encosta até que me perdi, não sabia mais onde estava. Olhava para trás, para os lados e para frente e não reconhecia mais nada. Apenas arbustos e neve me rodeavam. Senti algo estranho. Algo mais forte que o medo, como se uma força invisível me envolvesse. De repente, ouvi soar a doce melodia de uma flauta. Olhei à minha esquerda e, à cerca de 40 pés de distância, por trás dos arbustos ressequidos e cobertos de neve, estava um rapaz. Ele descia a encosta tocando uma flauta doce. Trazia um chapéu de abas largas sobre a cabeça e seus longos cabelos não me deixavam ver seu rosto. Ele me chamou a atenção por estar com roupas de verão. Estas eram negras, mas um tanto desbotadas, o que lhes dava um certo tom acinzentado, mais em algumas partes que em outras. Subitamente ele parou. Numa atitude burlesca, virou-se rapidamente em minha direção, inclinado-se, dobrando os joelhos. A aba de seu chapéu ainda me impedia de ver seu rosto. Apenas via seu queixo e boca. Mas foi o suficiente para perceber sua compleição emaciada e pálida. Ele então sorriu, tomou da flauta e tocou uma bela, porém, intrigante melodia. Parou, sorriu de novo e me chamou com a mão, movendo levemente os dedos. Suas unhas eram um tanto longas. Instintivamente recuei um passo para trás. Com estranha satisfação ele continuava a me chamar. Fiquei com os olhos fixos nele, até ouvir um tiro de pistola ao longe. Voltei-me na direção do tiro, dois cavaleiros se aproximavam à galope.
_Irina! _pude ouvir claramente a voz de Anna me chamar.
Olhei novamente na direção do rapaz. Ele não estava mais lá. Os dois cavaleiros, um deles trazendo Anna na garupa, pararam afoitos à cerca de cinco pés de distância de mim. Anna saltou enlouquecida e me abraçou:
_Irina! Meu Deus! Irina!!!...
Então abriu meu casaco na altura do pescoço. Olhou e apalpou meu pescoço, como se querendo ver se eu estava machucada, ou se contraíra alguma doença. Então carregou-me em seus braços com força e disse desesperada:
_Vamos, meu amor! Vamos! Vamos embora daqui!... Meu Deus!... Graças a Deus!...
Um dos cavaleiros, que reconheci ser o jovem por quem Anna se enamorara, me pegou com seus braços fortes e me pôs na garupa. Anna sentou atrás de mim e meio que me pôs em seu colo. Rumamos então, à galope, de volta para o solar.
Quando chegamos, minha mãe já aguardava com o desespero estampado no rosto. Mal descemos do cavalo, ela me tomou nos braços:
_Irina!... _suspirou lívida de angústia, abraçando-me e beijando-me.
Em seguida, investigou meu pescoço como fizera Anna antes. Mudando então de humor repentinamente, enfurecida, segurou-me com força e vociferou:
_Não vá mais para floresta, entendeu! Eu lhe proíbo de ir para a floresta! Nunca mais me desobedeça! Nunca mais em sua vida vá para a floresta! Nunca mais vá para lá!... _e apontou para a floresta e para as montanhas.
Com os olhos cheios de lágrimas, olhei para a paisagem que tanto amava. Mamãe então ergueu-se e voltou-se furiosa para Anna. Desferiu-lhe um forte tapa no rosto e vociferou:
_Sua rameira vadia! Eu mando lhe açoitar da próxima vez!... _o dedo apontando em riste em seu rosto.
Anna cobriu o rosto com as mãos e começou a chorar. Mamãe me puxou então com força pelo braço, me levando de volta para dentro do solar. Tive então a impressão de ouvir o soar de uma flauta, vindo das montanhas. Olhei na direção delas, com as lágrimas escorrendo pelo rosto.