segunda-feira, 26 de março de 2012

MISTÉRIO
















Quando o banho de sangue terminou, praticamente toda a tropa estava estirada sobre o chão. Muitos mortos, outros agonizantes. Porém, nossas baixas também logo se mostraram. Caídos próximos aos portões, estavam Ilona, Catalina e Petre, o cocheiro. Ilona apresentava duas perfurações à bala: uma atravessou o peito, à altura do coração, a outra a atingiu na testa e saiu atrás da cabeça. Petre recebera uma perfuração de adaga na coxa direita, um longo corte na garganta e outra perfuração, esta de espada, que lhe atravessou o peito. Com um tiro no peito, Catalina agonizava. O projétil a atingira pouco acima do coração, partindo uma artéria, que espirrava sangue sem parar. Oanna a pegou nos braços e ela não não cansava de repetir:
_Foi o capitão... o capitão...
_Traian!... _conclui imediatamente.
Oanna olhou para seu ferimento e determinou:
_O corpo não está conseguindo se regenerar.
Olhou então para Catalina e disse com doçura, acariciando seus cabelos:
_Catalina, minha selvagem Catalina... Não tema, agora poderá finalmente descansar...
Catalina lhe respondeu com um sorriso sofrido. Oanna então abraçou-a, beijou sua testa e passou os dedos sobres suas pálpebras, fechando seus olhos. Em seguida, num movimento rápido e forte, quebrou-lhe o pescoço. O corpo de Catalina escorregou mole de seus braços, os olhos fechados, tomados pelo sono da morte. Oanna voltou-se então irada para mim.
_Veja o que conseguiu com seu plano perfeito!
Não lhe respondi nada, simplesmente a deixei se afastar. De fato, mais dos nossos morreram e ficaram feridos. Simona chorava, segurando um ferimento sobre o fígado, que não parava de sangrar. Oanna a acalmou:
_Calma, minha menina, calma. Vamos lhe dar mais sangue e logo a dor vai passar.
Theodor então apareceu com uma taça cheia de sangue, que recolheu sangrando um soldado agonizante. Ioan também foi ferido por uma bala, no braço esquerdo, mas já estava resolvendo o problema, sugando outro soldado. Eu sabia que teríamos baixas, mas não esperava tantas: treze mortos. A escuridão nos ajudou, mas seria impossível deter a reação dos soldados. Por outro lado, em minha mente, apenas me indagava sobre qual força protegia Traian. Como ele conseguira fugir?! Lembro que Oanna mantinha os portões serrados com sua vontade. Como ele venceu seu poder mental? Recorria, por acaso, à feitiçaria? Qual seria seu mistério?
Enquanto procurava respostas, tomei mais uma vez a espada e comecei a ajudar na "limpeza", junto com os demais. Decapitamos todos os corpos, assim como os agonizantes. Depois, os amontoamos em duas carroças e os jogamos fora do castelo. Por fim, os cremamos em uma imensa fogueira.

quarta-feira, 21 de março de 2012

SANGUE


























A segunda malfadada investida de Traian se deu pouco antes do cantar do galo. Oito de seus homens adentraram o castelo e se dividiram em duas direções. Porém, o tempo foi-se passando e nenhum clarão de incêndio se fez. Ao ver que nada acontecia e os homens não retornavam, Traian enfureceu-se:
_Mas o que está havendo com esses imbecis? Resolveram dormir lá dentro?
_Devem ter sido pegos. _respondeu temeroso um dos soldados.
_Não ouvimos som de tiros, seu imbecil, nem de luta!
O soldado preferiu calar-se. Traian então determinou:
_Zoltán, Roland! Entrem e vejam o que está acontecendo!
Sabendo que deveriam temer mais a punição por desobediência do que o perigo que os aguardava, os soldados entraram. Mais uma vez o tempo se escoou e ninguém retornou. Apenas o silêncio continuou a reinar solene, sendo quebrado apenas pelas trovoadas que anunciavam uma tempestade para breve. Irado, Traian ordenou:
_Isto já é um absurdo! Preparem-se todos para entrar! Mas lembrem, só acendam as tochas lá dentro! Escondam as lanternas com flanelas!
Os homens então seguiram seu obstinado capitão e adentraram ao pátio do castelo. Traian então ordenou:
_Vocês dez sigam pela direita! Vocês outros sigam pela esquerda!
Os homens obedeceram. Ele, mais cerca de trinta homens permaneceram no pátio. Traian então descobriu a lanterna que levava e fez menção de acender sua tocha. Porém, uma forte e inesperada rajada de vento apagou o fogo da lanterna. Logo em seguida, como se fossem feitos do mais leve material, os enormes portões de madeira se fecharam. Arrastaram consigo seis homens. Dois tiveram as pernas partidas, presas que foram às grossas toras de madeira. Seus ossos ficaram expostos. Outros três, cuspidos para fora do castelo, quebraram os pescoços ao rolarem estrada abaixo. O último, que também foi projetado para fora, morreu ao ser atravessado por um galho traiçoeiro.
Do lado de dentro, sem que os já assombrados homens esperassem, duas lanternas se acenderam diante da porta de entrada. Ao alto da escada, trajando um vestido em tons de carne e ladeada por Sanziana e Steliana, Oanna saudou os visitantes:
_Vejo que tenho convidados para a noite de hoje! Esperam que estejam à vontade!
Numa reação instintiva os homens recuaram temerosos. Indignado com seu temor, Traian respondeu em voz alta:
_A única ceia que se fará aqui será a dos abutres, ao amanhecer!
Puxou então a pistola, engatilhou-a e apontou para Oanna. Desferindo um tapa no ar, Oanna fez a pistola voar longe e estatelar-se em uma das paredes. Soltando um grito de dor _Aahrr!... _ Traian pôs a mão sobre o pulso, que quase deslocara mediante a força do miraculoso golpe.
Os homens recuaram apavorados. Oanna então, abrindo os braços, fez com que todas as lanternas do castelo se acendessem, ofuscando os soldados com seu intenso brilho. Era o sinal para que o banquete se iniciasse. Saindo de todos os cantos possíveis do castelo, três dezenas de vampiros, de olhos vidrados e presas à mostra, caíram sobre a tropa.
Mostrando terrivelmente suas presas, Oanna saltou, pairando no ar com os braços abertos, a capa se estufando atrás, como terríveis asas vermelhas. Vendo-a flutuar, vermelha e sobrenatural, muitos soldados gritaram. Sem piedade, ela saltou sobre o primeiro que teve diante de si e abocanhou seu pescoço!... As presas se enterraram tão profundamente na carne, que uma artéria perfurada fez o sangue espirrar com força. Para que não houvesse reação, apagou novamente as lanternas e deixou o castelo às escuras, sendo iluminado apenas pelos clarões dos raios da tempestade que se aproximava.
Em volta, gritos pavorosos ecoavam na madrugada. Tiros estouravam desesperados, piscando como pirilampos na escuridão. Seus estampidos soaram durante horas, sem que detivessem a sanha da amaldiçoada criadagem. Como anjos do inferno, Sanziana e Steliana balançavam as cabeças de um lado para o outro ao morderem, como fazem os cães e lobos, para rasgar a carne. Após drenarem suas vítimas, as jogavam exangues no chão e avançavam sobre a próxima presa. As bocas, rostos e vestidos borrados de sangue, os cabelos soltos sendo esvoaçados pelos fortes ventos, que zuniam.
Aqueles que conseguiram escapar, correram para a parte de trás do castelo. A tempestade finalmente desabou! Um grupo, ao passar por um dos corredores externos, gritou horrorizado. Inesperadamente, do alto do arco, cinco cabeças penderam como um bizarro lustre, presas por cordões. Ao reconhecer o rosto daqueles que primeiro entraram no castelo, não apenas gritaram, mas clamaram pela piedade divina:
_Piedoso Deus! Salve nossas almas! _clamou um deles.
Outro grupo intentou atravessar outro corredor. Porém, mal o adentraram, correram desesperados no sentindo inverso. Seu comandante, que parecia querer imitar a arrogância de Traian, esbravejou:
_Seus covardes! Do que estão fugindo?!...
Adentrou então... e seu sangue gelou!...
_Deus... _murmurou.
Minha implacável silhueta avançava a passos largos em sua direção, de espada em punho!... caminhando sobre o teto!... Um único golpe fez sua cabeça rolar, batendo na parede e saltitando sobre o chão. O sangue borrou as pedras em volta. Os soldados tomaram o rumo do pátio principal. Mas outras cinco cabeças penderam diante de seus olhos. Gritando desesperados, retomaram à direção anterior. Depararam-se, porém, comigo. Com duas adagas, podei a cabeça do primeiro, do segundo e do terceiro, como se usasse uma tesoura de jardim. Deixei os três restantes para servirem de pasto para meus companheiros. Ciprian, Florin, Ioan e Mircea se fartaram com seu sangue.

domingo, 18 de março de 2012

FOGO





















Traian e seus homens se refugiaram mais abaixo, mantendo distância do portão. Talvez esta tenha sido a primeira atitude sensata em sua investida contra o castelo. Pensava ele que lidaria com um bando de bizarras criaturas sobrenaturais, que correriam ao sentir o cheiro do alho e ao ver a imagem da cruz. Soube tarde demais que não apenas se enganara, mas não se preparara _realmente! _para o combate.
Não conhecendo o fogo grego, os soldados pensaram ser bruxaria, ou que algum dragão demoníaco se escondia no castelo. Ri muito visualizando seu desespero. Traian calou sua covardia com berros:
_Calem a boca, seus vermes! Covardes! Parecem crianças medrosas! Mulheres velhas!...
Temerosos e com a honra ofendida, os soldados contiveram o desespero. Um oficial então teve a presença de espírito de perguntar:
_O que faremos então capitão?
_É impossível cercar este castelo em nossas condições. Podemos bater em retirada e ir atrás de reforços. Ou podemos jogar com a sorte e atacar novamente.
_Como! Este castelo é uma imensa armadilha, capitão! Veja que eles sequer fecharam os portões! Esperam que entremos novamente, para nos assarem como porcos! _argumentou o oficial.
Traian puxou então o ofical pela aba do jibão, encostou a lâmina de seu punhal em sua garganta e respondeu com os dente rilhados:
_Eu sou um jogador, Laszló!... Eles podem estar blefando! Talvez não tenham mais fogo para jogar sobre nós. Aliás, por que não usaram canhões e mosquetes?... Não têm pólvora e por isso usam de artifícios?... Será que ainda possuem cal suficiênte para outro ataque? Tenho certeza que usaram cal! Aprenda, Laszló, aprenda a pensar, aprenda a pensar!!!!...
_E se ainda tiverem capitão? _inquiriu Laszló.
_Ainda tenho mais de 60 homens!... Acha mesmo que me acovardarei e desperdiçarei esta chance!?...
Largou então o pobre Laszló e dirigiu-se aos outros soldados:
_Agora prestem atenção, imbecis! Oito homens entrarão de madrugada, em dois grupos de quatro. Um seguirá à direita, o outro à esquerda. Irão se ocultando sob as sombras, levando tochas apagadas. Cada grupo levará uma lanterna encoberta com uma flanela. Uma vez lá dentro, acenderão as tochas e queimarão tudo o que for inflamável.
_Eles têm sentinelas, não é seguro!... _interveio novamente Laszló.
_Não estaria aqui se quisesse segurança, Laszló. Estaria onde encontrei você, cuidando de ovelhas junto com seu pai. _desdenhou Traian.
_Sou um soldado, capitão. Por isso sei que sacrificar toda uma tropa em uma investida sem sentido é mais que inabilidade, é uma insanidade!...
_Se quer deserdar... deserde! Mas saiba que o caçarei até no inferno, se for preciso e o empalarei em uma longa estaca!... _ameaçou Traian já com olhos assassinos.
_Então que assim seja! _arrematou corajosamente, Laszló.
Ergueu-se então e sugeriu à tropa:
_Os que quiserem viver... que venham comigo!
Um pequeno grupo de quatro homens o seguiu. Os demais, não tiveram coragem de se opor a seu implacável capitão. Vendo Laszló se afastar com seus seguidores, Traian voltou-se aos demais:
_Mas alguém quer se juntar aos covardes?
Não ouvindo resposta, continuou:
_Muito bem! Atacaremos entraremos no castelo antes do cantar do galo. Duvido que alguém esteja acordado. Mesmo sentinelas cochilam às altas horas. Temos apenas de agir rápidos e sorrateiros. O incêndio logo se fará e quem sobreviver, será obrigado a vir para fora dos portões. Quando isso acontecer, estaremos a postos, de armas em punho. Não pouparemos ninguém. Se é com fogo que eles gostam de brincar, será com fogo que brincarão.

quarta-feira, 14 de março de 2012

CHAMAS





















Meu plano deu certo, morreram mais homens do que o esperado com as armadilhas. Para além dos que foram diretamente atingidos, outros se feriram nas pontas das hastes, quando tentavam salvar seus companheiros. Ao todo, morreram dezesseis homens e dois cavalos. O moral da tropa ficou abalado. Traian ficou possesso. Ao perceber o envenenamento dos feridos, deu ordem para que estes fossem simplesmente abandonados ao meio do caminho.
Visualizei toda a longa, íngrime e acidentada subida dos soldados em direção ao castelo. Exaustos e sedentos, tão logo esgotaram seu estoque de água, passaram a beber a água benta. Ri ao visualizar um velho e tolo soldado comentar:
_Dentro de nós, ela nos protegerá mais!
Pouco depois, ele próprio urinava sua proteção sobre um arbusto. A incredulidade crescia e outro jovem e incauto soldado argumentou:
_Vampiros não constroem armadilhas! Estamos lidando com homens como nós!
Descrentes e ansiosos, os homens foram devorando o alho dente após dente, cabeça após cabeça, para enganar a fome e conter a inquietação de seus corações. Não demorou para que não restasse mais nenhum colar, transformados que foram em merenda fortuita e tempero para sopa. A imensa cruz foi transformada em lenha para fazer fogueira.
Exaurida, a tropa chegou diante dos portões do castelo ao cair do crepúsculo. Ao encontrá-los abertos, seus corações se agitaram de tal forma que eu, Oanna e as criadas e criados vampiros, rimos ao sentir sua vibração em nossa pele. Como eu esperava, Traian não se arriscou. Ordenou que dois homens entrassem primeiro. Os coitados tremiam tanto, que nos causavam cócegas. Eu e Oanna tivemos de ordenar aos criados que rissem mais baixo, para que os soldados não escutassem. Os dois foram adentrando o pátio principal e, não vendo ninguém, se aventuraram até as portas e janelas. Encontrando-as trancadas e vendo o castelo às escuras, sem nenhuma luz em seu interior, tiveram a equivocada idéia de voltar até os portões e acenar para seus companheiros. Com acenos, deram a entender que não havia ninguém.
Traian, que era experiênte, preferiu mandar apenas alguns homens entrarem. Quinze homens transpuseram os portões e adentraram ao pátio. Ainda não os atacamos, deixamos que adentrassem bem. Com os mosquetes em riste, demonstrando confiança, revistaram novamente as janelas e portas. Não encontrando ninguém, resolveram voltar e chamr os demais. Traian, novamente, mostrou sua experiência e, com sinais, deu ordem para que investigassem mais. Os homens obedeceram ao comando, mas eu não queria, pelo menos ainda naquele momento, sua presença mais adentro no castelo. Por isso... determinei que era hora de atacar! Mentalmente, dei ordem para que Ciprian, estrategicamente posicionado em uma das janelas frontais, acendesse seu canhão. Não demorou para o jato de fogo atingisse em cheio o meio da tropa, fazendo um estrondo surdo:
_Wuuuuul!...
Sete homens foram pegos em cheio. Sem nenhuma pidedade, ordenei a Mircea que acendesse o segundo canhão. Mais um jorro de fogo arrebatou a tropa, agora pela banda esquerda.
Uma dezena e meia de soldados incendiaram-se. Cinco ainda correram desesperados para fora, com os braços e costas em chamas. Meus companheiros não atiraram, a ordem era deixar queimar!... Quando Traian viu os portões vomitando seus homens, em chamas, ordenou imediatamente para que o resto da tropa recuasse. Neste momento, ordenei mentalmente a Ioan, que se achava no topo da torre mais alta, que jogasse nosso "presentinho" sobre a tropa: as duas garrafas cheias de fogo grego. Ele acendeu os murrões e arremessou-as _primeiro uma, depois outra _com a força que só os vampiros podem dispor. As garrafas caíram bem no meio da tropa. A primeira, atingiu em cheio a testa de um soldado e explodiu, incendiando-o e a todos que se achavam em volta. Três se foram junto com ele. A segunda explodiu sobre o chão, perto da pata de um cavalo. O cavalo e seu cavaleiro, mais um homem que se encontrava próximo, foram incendiados. Fez-se um grande clarão na escuridão da floresta. Mais de dez homens rolavam pelo chão, em chamas! Não apenas ouvíamos seus gritos, como os sentíamos em nossa carne.
Por algum milagre do Diabo, Traian saiu ileso do ataque. Com gritos que cortavam o ar como uma faca afiada, ele ordenava:
_Recuar! Recuar!...

terça-feira, 13 de março de 2012

FOGO GREGO















Antigo documento bizantino mostrando o fogo grego.




Não perdi mais tempo discutindo com Oanna, tendo acabado de jantar, sai da sala e fui ver meus homens. Estabelecemos nosso plano de ação. Ioan e Mircea, deram a idéia de fazer toras crivadas de hastes pontiagudas, que seriam acionadas pelo toque das canelas dos soldados e cavalos em um fio rasteiro, rente ao chão. Ciprian deu a idéia de envenenarmos as pontas das hastes. Fui até Oanna lhe pedir um pouco de veneno para o serviço. Ela irou-se:
_O que?! Como se não bastasse o fogo grego, você ainda quer gastar minhas essências!
_Prefere sentir o cheiro do alho e o toque da água benta? _rebati.
Ainda que reclamando, ela me cedeu um frasco com beladona. Ordenei a meus homens que fossem preparar as armadilhas na floresta. Ansiosa, Oanna resolveu apressar o serviço cedendo Victor e Theodor para ajudarem. As toras foram colocadas escondidas, estrategicamente, nas árvores que ladeavam a trilha por onde, forçosamente, a tropa de Traian passaria. Foram feitas quatro, todas com capacidade de abater até três homens de uma vez.
Oanna preparou o fogo grego, tendo o cuidado de não revelar o segredo de sua fórmula mesmo para mim. Este fogo terrível não pára de queimar, mesmo em contato com a água. Besuntamos então o interior de dois pequenos e velhos canhões com a poderosa mistura e os posicionamos escondidos, atrás das graciosas janelas cortinadas do castelo. O jato de fogo se projetaria tão distante, que espirraria para fora dos portões. Enchemos também duas garrafas de vinho com o fogo grego. Elas seriam atiradas do alto da torre maior.
Instrui então os criados sobre o que deveriam fazer. Com fria sinceridade conscientizei:
_Tenham certeza de que alguns de vocês morrerão esta noite. Mas pensem apenas na libertação de suas almas, no fim da maldição.
Sanziana e Simona verteram lágrimas... e sorriram ao mesmo tempo. Por fim, convidei:
_Então!... Não vamos preparar uma festa de despedida?
Todos exultaram e responderam que sim. Nossa pequena tertúlia se deu ao meio da tarde. Houve vinho, leitões, frangos, frutas e música. Depois, algumas criados e criados foram folgar um pouco de luxúria, numa última despedida de amor. Eu preferi ficar com meus pensamentos, assistindo um enfraquecido sol vermelho se pôr no horizonte. Pouco depois, abrimos os portões e aguardamos tranquilamente. Apenas Oanna se mostrava inquieta:
_Esta será a última vez que precisarei de sua ajuda, eu lhe garanto! _prometia andando de um lado para o outro.

domingo, 11 de março de 2012

CINISMO
















Durante o jantar, Oanna não me deu trégua:
_Espero que tenha algum bom plano para me ajudar, pois nossos inimigos, além de muitos, vêm armados com boa quantidade de água benta e alho.
_Por que não chama um exército de feras para aniquilá-los antes mesmo de aqui chegarem? _provoquei.
_Porque não há muitos lobos nesta região, Irina. Ursos e linces podem assustar, mas uma única fera é fácil de ser abatida. Estes animais geralmente são solitários. Mas se você quiser uma ursa e seus frágeis filhotes atacando aquele bando de facínoras bem armados...
_Tem pólvora? _indaguei calmamente, mastigando.
_Está gozando da minha cara? Sabe há quanto tempo vivo em paz aqui?... Possuo apenas um único barril, que sempre foi o suficiente para o tranquilo serviço de meus homens!_reagiu ela.
_Então temos de fazer algo mais arriscado. _rebati, mastigando o porco.
_O que, por exemplo?... _desafiou.
_Primeiramente, temos de considerar que o caminho para o castelo é íngreme e acidentado. Temos apenas de torná-lo o mais cansativo possível. Prepararemos armadilhas em pontos estratégicos, ao longo da estrada. Elas não perderão muitos homens, mas tentarão salvar companheiros, cansando-se mais. Ficarão portanto inseguros e com o moral abalado. Neste estado, consumirão mais de suas reservas, com certeza comerão o alho e beberão a água benta. Se tornarão completamente indefesos.
_E o que mais?... _continuou a desafiar.
_Quando aqui chegarem, encontrarão os portões abertos. _respondi calmamente.
_O que?!... _assustou-se ela.
Eu simplesmente continuei:
_Deixaremos as luzes apagadas e as portas e janelas fechadas, para que eles acreditem não haver ninguém. Eles entrarão e, quando estiverem todos no pátio... lhes faremos uma surpresinha.
_E que surpresinha seria esta? _inquiriu.
_Vamos usar aquela arma que só você conhece a receita. Que seu pai aprendeu com os bizantinos e usou para combater Drácula...
_O que?! O fogo grego?!... _reagiu.
_Exatamente! _confirmei.
__Além de todo o risco que vou correr, quer que eu gaste meu precioso material?! _esbravejou.
_Quer minha ajuda, não quer? _indaguei calmamente, mastigando mais uma porção de porco.
_Não tenho material para fabricar fogo grego o suficiente! _esbravejou.
_Então, em certo momento, teremos de ir para o corpo a corpo com eles. Podemos fazer isso em um momento em que estiverem cansados e assustados, há noite, de preferência. Veja o lado bom, seria um banquete de sangue.
_Está louca?! _reagiu. _O meu sangue e o sangue de meus criados também seriam servidos neste banquete!... Possuo apenas trinta vampiros ao meu serviço, eles tem três vezes mais homens que isso!...
_Use Ion e seus companheiros. _sugeri.
_O que?!... Arriscar meu exército secreto! Jamais!...
_Então teremos de fazer da forma mais difícil. Vamos avaliar a situação: eles perderão homens nas armadilhas e no ataque inicial. Temos de levar em conta também as deserções. Quanto a nós, temos apenas de considerar que na guerra a perda de homens, ou mesmo da própria vida., faz parte do jogo. _postulei tranquilamente.
_Vá dar suas lições de guerra aos imbecis que trouxe com você! _rebateu.
_Você não tem outra escolha. _conclui.
_O que quer é loucura! Jamais farei isso, jamais!!!... _teimou.
_Então fuja. _conclui tranquilamente. _Confirme de uma vez o que dizem a seu respeito, que é uma vampira. Ou pior, uma vampira covarde, que abandonou seu povo e sua comuna nas mãos do inimigo.
_Não me insulte, sua rapariga! _vociferou.
_Estou apenas falando a verdade. _rebati com calma.
_Com quem aprendeu a ser cínica? _criticou.
_Com você! _respondi.

quinta-feira, 8 de março de 2012

BANHO



Banho, de R. Barboza, Novembro de 2007.



Não me demorei mais, segui para o castelo de Oanna. Lá chegando, os portões já se encontravam abertos. Oanna me esperava em frente à porta. Sem sequer considerar a presença de meus companheiros, ela criticou:
_É incrível sua falta de consideração! Pergunto a mim mesma por que ainda a acolho!
_Jamais abandonaria Calidora! _rebati.
_Sua amiga não teve poder sequer de defender a si mesma! Quanto a mim, ainda tenho a gentileza de lhe abrir os portões de meu castelo.
_Sim, porque também não pode se defender sem minha ajuda, apesar de suas muralhas! _respondi malcriada.
_Você estaria morta agora, não fosse por mim! _respondeu ela irada. _Agora entre! Seu banho está pronto. Vejo que não se asseia há dias!
_Quanto a meus companheiros?
Sem responder, ela fez um sinal com o rosto para seu jovem cavalariço. Este se apressou em conduzir meus amigos.
_Por aqui, por aqui, por favor!
Minha pequena comitiva o seguiu. Desapeei de Agathon e o acariciei, numa breve despedida. Um outro cavalariço o levou para a estrebaria. Entrei sem pedir licença à Oanna e fui direto à sala de banho. Enquanto Dorotheea me banhava, Oanna aguardava, fulminando-me com seu olhar. Para seu maior aborrecimento, a criada grandalhona não resistiu em se aproveitar de meu corpo novamente. Como era seu costume, pediu que abrisse mais as pernas e começou a ensaboar entre minhas coxas, deslizando sua enorme mão da vulva até o meio de minhas nádegas. Irritada, Oanna a apressou:
_Vamos logo com este banho, Dorotheea!
_Já estou terminando, senhora! _respondia a criada, deslizando as mãos ensaboadas em minhas partes íntimas com mais velocidade.
Para irritar mais Oanna, fechei os olhos e apreciei o toque quente e libidinoso das mãos de Dorotheea. Sabendo que eu não estava apenas relaxando, ela se retirou da sala de banho exigindo:
_Aguardo você daqui há meia hora na sala de jantar!

quarta-feira, 7 de março de 2012

INCÊNDIO


























Desta vez fomos direto para o castelo de Oanna. Ao meio do caminho, porém, encontramos outro esqueleto. Estava calcinado como os anteriores. Desci e o analisei, era de um adulto. Observei as cinzas e meu coração apertou. Uma flauta meio queimada jazia ao lado do corpo. Peguei-a, era uma flauta doce, como a que Dimitru usava. Ioan e Ciprian se aproximaram. Ambos seguram-me pelos braços e Ciprian falou:
_Marquesa, vamos embora. Estamos pressentindo algo muito ruim por aqui.
Não os contestei. Meu coração estava confuso, o que me impedia de usar minha intuição. Segui então com eles, pois estavam mais serenos e capacitados que eu. Cavalgamos por mais uma hora, quando notamos algo estranho ao longe, mais abaixo na floresta. Ouvíamos gritos e um clarão que como o de uma fogueira iluminava as árvores. Fiz menção de descer, mas Florin me deteve:
_Marquesa, não vá! Sinto que é muito perigoso!
_Tenho de saber o que está acontecendo! _reagi. _Fiquem aqui, voltarei em breve.
Desci então e, escondendo-me à sombra das árvores, cheguei perto o suficiênte do incidente. Para minha surpresa, acuada próxima a um rochedo, estava uma das pornai, a menor. Um grupo de soldados carregando tochas e com colares de alho no pescoço gritavam contra ela, projetando a imensa cruz em sua direção.
_Não a deixem escapar! _gritava uma voz conhecida.
Olhei na direção de quem falava. Era ele mesmo, Traian!... Empunhando estacas afiadas, seus soldados cercavam a pequena vampira, que mostrava os dentes e rosnava como um animal. Traian então gritou:
_A água benta! Joguem a água benta!
Um soldado metia a mão em um vaso e depois salpicava a pornai com água. Esta queimava em sua pele, fumaçando, como se fervesse. Horrivelmente, ela gritava.
_Aaaaaaaaaahhh!!!...
Caiu então ao chão e começou a se debater, apresentando queimaduras no rosto, peito e braços. Mesmo suas vestes haviam aberto furos, como se fogo as houvesse chamuscado. Ela toda fumegava. Traian então gritou:
_Vamos, seus imbecis, segurem-na!
Dois homens a seguraram pelos pulsos. Como ela se contorcesse com força invejável _própria dos vampiros _outros dois seguram-lhes as pernas. Por fim, quatro homens seguravam aquela pequena criatura nos braços e mais quatro nas pernas. Traian se enfurecia:
_A estaca! Depressa! A estaca!
Um soldado jovem e alto, de longos cabelos, tirou uma longa e afiada estaca de uma sacola em suas costas. Deu-a a outro soldado que a fixou no peito da pequena pornai. Tirou então uma marreta de sua sacola. Firmou-a nas mãos e, com um fortíssimo e seguro golpe, enterrou a estaca no peito da pequenina. O sangue esguichou de seu peito, melando sua himation branca e respingando no rosto de alguns soldados, que se afastaram e se limparam desesperados, como se o contato com aquele sangue os fosse amaldiçoar. O próprio jovem alto puxou uma flanela pano de sua sacola e enxugou o rosto, o pescoço, os cabelos e as roupas respingadas de sangue o mais depressa possível. Train continuava ordenando furiosamente:
_Agora a cabeça! Decepem a cabeça!
Novamente o jovem alto puxou sua espada e se aproximou da cabeça da pequena vampira, que a despeito da estaca em seu peito, ainda estrebuchava, vomitando sangue. O rapaz então agiu rápido e com perícia, mostrando sua habilidade na espada. Com um único golpe a cabeça da pornai foi separada do corpo, pulando sobre o chão e depois rolando para o lado, como uma bola de crianças. O sangue manchou o rochedo e o chão rochoso. Os soldados exultaram. Tomados de coragem, agora que ela estava morta, deitaram as tochas sobre seu pequeno corpo e a incendiaram. A leve himation espalhou o fogo sobro o corpo, que logo se tornou uma verdadeira fogueira, iluminando tudo em volta.
Perplexa, assistia a tudo vertendo lágrimas. As derramava primeiro porque, paradoxalmente, ainda me apiedava daquela maldita e pequena criatura que era trucidada ali. Depois porque pensava ter sido feito o mesmo com Calidora e as crianças. Dimitru também me vinha à lembrança. Neste momento de profunda consternação, a voz de János me despertou:
_Penso que deve ir embora, marquesa, se não terá o mesmo destino.
Voltei-me para ele e perguntei chorando:
_Fizeram o mesmo com Calidora, não foi?...
_Não sei, marquesa. Eu não sei... _respondeu ele me acariciando o rosto, com os olhos brilhando bondosa sinceridade.
Em seguida, me apressou:
_Agora vá, vá marquesa! Antes que eles a descubram aqui!
Foi então até seu burro carregado de quinquilharias e o montou. Caminhei com Agathon até seu lado e ele me olhou nos olhos e disse:
_Adeus, marquesa! Talvez não nos vejamos mais.
_Por que? _indaguei aflita.
_Vou para o norte, para a terra dos Habsburgos. Lá está mais seguro do que aqui. Tudo aqui está se incendiando.
Tirou então o chapéu de abas largas e curvou-se, numa leve mesura. Em seguida tocou seu burro _Eia! _e seguiu.
Ainda fiquei um tempo paralisada, vendo-o se afastar. Em seguida, não querendo ver aquela cena, toquei Agathon e segui, ultrapassando-o. Preferia deixá-lo para trás do que vê-lo partir.