terça-feira, 17 de julho de 2012

DEGREDADOS FILHOS DE EVA



Uma vez satisfeita, joguei o corpo do conde para o lado. Com a boca e o corpo banhados de sangue, ergui-me e dei com olhos em Mihail, que assustado, se limitou a dizer:
_Acabou, Irina. Acabou...
Olhei então para o lado, para o corpo de Nicolae preso à parede. Já plena de forças, desencravei a lança e retirei-a do corpo de meu irmão. Tomei-o em meus braços e, com os olhos vertendo lágrimas, acariciei seu rosto. De olhos fechados, ele simplesmente parecia dormir sereno, como uma criança. Senti então Mihail tocar em meu ombro e deitar sua cabeça sobre a minha. Ficamos assim até outros székelys adentrarem à sala. Haviamos tomado o castelo. A que preço!...
Foi preciso Mihail intervir para que eu largasse do corpo de Nicolae. Ele e nossos companheiros começaram a carregá-lo para fora. Cheia de dor e ira, cortei a pele que ainda prendia a cabeça do conde ao corpo. Tomei uma tocha da parede, segurei a cabeça pelos cabelos _com os dentes! _e subi até o teto. Lá, do alto, com uma tocha na mão e a cabeça do conde em outra, gritei:
_Székelys!!!...
No pátio e mesmo em frente ao castelo, todos os guerreiros voltaram seu olhar para mim. Ao me verem seminua, com a cabeça do conde nas mãos, gritaram em coro! De olhos vermelhos, eu sorria como uma fera e exibia meu troféu. Por fim, atirei-o aos guerreiros. Estes se bateram para juntá-la do chão e erguê-la, gritando ao confirmar que era mesmo o bandido.
A alvorada já se insinuava e eu retornei para o interior do castelo. Mihail vestiu-me com sua camisa, ficando apenas com o casaco. Quando deixamos o castelo _que, incendiado, erguia uma imensa coluna de fumaça negra _uma fileira da cabeças empaladas enfeitava sua frente. A de conde Vladmir jazia suspensa numa estaca mais alta, em meio a de seus soldados.
Nos apressamos para retornar à Somlyó, pois sabíamos que a represália de Sigismond não tardaria. Ao meio do caminho, banhei-me no velho Olt e lavei a camisa de Mihail, que era o único traje que possuía naquele momento. Enquanto aguardava ela secar, cobri-me com uma capa que Mika arranjou. Quando finalmente pus-me pronta para a viagem, achei engraçado vestir-me daquela forma, à moda dos dácios: túnica curte e leve, cingida por uma cinta com espada, mais a capa. Todos as almas de homens dácios que encontro no reino dos mortos se vestem assim. E foi assim, trajada como um dácio, que parti para Somlyó.
Chegamos ao entardecer. Foi doloroso ver nosso castelo semidestruído. Quanta desgraça se sucedeu à minha partida!... Porém, tão logo avistei uma imagem ao longe, meu coração saltou:
_Aaaaaahhh!!! _gritei de alegria.
Saltei de Agathon e corri para abraçar frei Emil! Com os olhos cheios de lágrimas, os cabelos mais brancos e aparência sofrida ele me abraçou e chorou comigo.
_Calma, minha menina. Está tudo bem... _repetia ele me acalentando, enquanto eu soluçava em seu ombro.
A alegria de nosso reencontro só foi cortada quando o corpo de Nicolae, embrulhado em um cinzento e roto lençol de lã, foi retirado do coche que o levava. Frei Emil se aproximou dele, tocou-lhe a fronte e esclamou quase balbuciando:
_Santa Mãe...
Em seguida fechou os olhos e balbuciou uma leve oração. O corpo foi então colocado em uma pequena carroça, para ser levado para a capela, onde seria velado. Neste momento, aos berros, chega Greta, acompanhada de uma bela jovem de aspecto sofrido, que reconheci ser Maryann:
_Nicolae! Nicolae!...
Ao vê-lo morto, não se conteve e saltou sobre o corpo do marido.
_Nãããããoooo!!!... _berrou. _Aaaaaaahhhh!!!...
Maryann tentava acalentá-la, mas ela estava histérica e fugia de suas mãos, gritando descontroladamente. De repente, ergueu o olhar para mim e começou a me acusar, vociferando:
_É culpa sua! É tudo culpa sua! Sua vampira maldita! Sua prostituta incestuosa! É culpa sua!!!...
Suas palavras me feriram como facas e lágrimas de indignação verteram de meus olhos. Conhecendo meu temperamento, frei Emil se apressou em me abraçar, ao mesmo tempo me contendo e me consolando das injúrias. Temendo uma violenta briga, Maryann agarrou Greta e a foi levando para dentro. Esta continuava a berrar e a se descabelar como uma louca.
Depois deste triste episódio, frei Emil me levou para a casa paroquial, onde eu iria me acomodar, junto a ele e Andrei. Este estava um tanto magro e abatido, por conta das privações da guerra, mas me abraçou com força e amor ao reencontrá-lo. Não pude controlar as lágrimas ao revê-lo. Éramos todos pobres e sofridos pecadores, degredados filhos de Eva!
Meu quarto estava sendo ocupado por Mihail, Maryann e seus filhos, que ela me apresentou com satisfação, pouco depois de acalmar Greta:
_Este é Krisztián, meu mais velho. _disse me mostrando um fofo rapazinho de uns três anos, praticamente a cópia de Mihail quando criança.
Agachei-me _tendo cuidado de fechar um pouco as pernas, pois ainda vestia a camisa de Mihail _e abracei e beijei meu lindo sobrinho.
_Oi, Krisztián, sobrinho lindo da titia! _mimei-o.
Neste momento, Mihail aparece carregando Judit, de apenas quatro meses. Não resisti ao ver aquela coisinha fofa, que era a cara da mãe, Maryann.
_Que linda! Que fofurinha!... _exclamei já tomando-a nos braços.
Cuidadosamente, para que Greta não soubesse, Maryann me apresentou os filhos de Nicolae: Joszef, de cinco anos _que lembrava muito papai! _Ádám, de quatro _que lembrava o avô paterno, Béla _e a pequena Micheller, de dois aninhos _cópia de Vladia. A todos abracei, beijei e mimei. Depois, Maryann me emprestou um de seus vestidos, essência de sândalo para os cabelos e um frasco de perfume de rosas, para que eu usasse após o banho. Ainda caminhei e conversei bastante com ela, até quase a hora do enterro de Nicolae. Este foi velado durante três horas e depois enterrado junto ao sepulcro de minha mãe. Não acompanhei seu velório. Seu enterro vi de longe, quando a duda começou a cortar meu coração com sua melodia _enquanto o caixão de era descido à sepultura _e as tochas iluminavam a escuridão da noite.

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