sábado, 21 de julho de 2012

BENÇÃO


 
Enquanto frei Emil e Andrei acordavam os criados, corri para o castelo. Em minha mente, chamava por Mihail.
_Mika, acorde! Acorde! Mika!
Sentindo meu desespero e entendo, mesmo sem palavras, a razão de minha aflição, ele despertou. Ao seu lado, Mayann também despertou assustada.
_O que foi, Mika?
Ele simplesmente pulou da cama e respondeu sem rodeios:
_Vamos ser atacados! Leve as crianças para o mosteiro e fique lá! Rápido!...
Em pouco tempo, todos estavam acordados. As mulheres corriam para o mosteiro, levando as crianças. Os homens armavam os canhões e carregavam os mosquetes no castelo. Pedi então a frei Emil:
_Diga ao abade para ficar de vigílha, rezando o terço! Diga para rogarem para a Virgem Maria por proteção! Dê ordem para que ninguém deixe a igreja, por nada neste mundo!...
_S-sim... _respondeu ele atordoado.
Tão logo ele cumpriu minhas ordens, o puxei pelo pulso e determinei:
_O senhor ficará comigo, no castelo! Deixe Andrei conduzindo a oração com as mulheres! Venha!
Fomos então nos juntar a Mika, Marton e os demais homens. Para meu horror, mal o povo se reunira na igreja e os soldados se puseram a postos, um estranho vento surgiu da floresta e gelou a todos. Os soldados se assustaram. Olhei para a escuridão, entre as árvores, e pude divisar pontos vermelhos como fagulhas se aproximando. Traian e seu exército estavam vindo.
Não demorou para que sua imagem terrível aparecesse, montados em cavalos com as órbitas dos olhos reviradas, sinal de que estavam possessos. Ao ver vampiros tomando a frente do castelo, muitos homens que se encontravam nas janelas e no sacada, se acovardaram e correram para dentro, aos gritos. Desesperado, Mika pediu-me socorro:
_Irina!... O vamos fazer?!... São vampiros!...
_Calma! Frei Emil, venha aqui!
Enquanto meu assustado frei se aproximava tremendo de horror, os mais corajosos de nossos homens já atiravam das janelas. Dois tiros de canhão foram desparados, espedaçando alguns demônios lá embaixo. A maioria porém, já subia pela muralha sem usar cordas ou escadas, sinal de que conheciam bem seus poderes. Montado em seu cavalo, com um pálido e horrível semblante _que trazia olhos vermelhos injetados, por ter bebido muito sangue! _Traian vociferava:
_Subam! Tomem o castelo! Há muito sangue para vocês!... Subam demônios!...
Infelizmente os primeiros soldados de Traian alcançaram nossos soldados das janelas e da sacada, puxando-os e jogando-os para baixo. Estes não caiam ao chão, mas nas mãos e presas famintas dos soldados vampiros, que mordiam seus membros e pescoços sem piedade. Os pobres homens gritavam de dor e horror. Mais que depressa, Mika ordenou aos outros:
_Vamos! É sua vez! Atirem nos vampiros! Atirem também nos que caem! Não os deixem ser amaldiçoados! Vamos! Não se acovardem!...
Sem alternativa, os homens corriam e começavam a atirar. Muitos preferiam usar bestas, pois eram mais rápidas para serem armadas. Marton e seus filhos usavam o arco e a flecha, uma vez que eram exímios nessa arte. Mais tiros de canhão também foram disparados. Percebendo as perdas devido às armas, Traian ordenou:
_Atirem!
Seus horríveis soldados, montados ou não, começaram então a atirar com mosquetes e bestas. Muitos de nossos homens _pelo menos sete _cairam alvejados. Miklos, filho de Marton, gritou ao ser atingido por uma seta no braço direito:
_Aaah!...
Enquanto os homens se empenhavam ao máximo de sua força e coragem, eu preparava meu ataque secreto com frei Emil. Mandei alguns homens trazerem imensos caldeirões cheios d'água. Em seguida, roguei ao meu eclesiástico amigo:
_Abençoe-a! Vamos! É nossa única chance!
Cheio de horror, fechando o rosto entre as mãos, ele fraquejou:
_Não posso, sou um miserável pecador!... O inferno veio me buscar!...
_Deixe de asneiras! Coragem! Uma vez o senhor me disse que é mero instrumento nas mãos de Deus! Agora vamos! O senhor ainda tem sua fé!...
Tremendo, pranteando, ele engoliu sua agonia com um grande e seco soluço, fechou os olhos, estendeu as mãos e começou:

_Exorcizo te, creatura aquæ, in nomine Dei Patris omnipotentis, et in nomine Jesu Christi, Filii ejus Domini nostri, et in virtute Spiritus Sancti: ut fias aqua exorcizata ad effugandam omnem potestatem inimici, et ipsum inimicum eradicare et explantare valeas cum angelis suis apostaticis, per virtutem ejusdem Domini nostri Jesu Christ: qui venturus est judicare vivos et mortuos et sæculum per ignem
Deus, qui ad salutem humani generis maxima quæque sacramenta in aquarum substantia condidisti: adesto propitius invocationibus nostris, et elemento huic, multimodis purificationibus præparato, virtutem tuæ benedictionis infunde; ut creatura tua, mysteriis tuis serviens, ad abigendos dæmones morbosque pellendos divinæ gratiæ sumat effectum; ut quidquid in domibus vel in locis fidelium hæc unda resperserit careat omni immunditia, liberetur a noxa. Non illic resideat spiritus pestilens, non aura corrumpens: discedant omnes insidiæ latentis inimici; et si quid est quod aut incolumitati habitantium invidet aut quieti, aspersione hujus aquæ effugiat: ut salubritas, per invocationem sancti tui nominis expetita, ab omnibus sit impugnationibus defensa. Per Dominum, amen.

Quando terminou, beijei-lhe o rosto e logo em seguida ordenei:
_Joguem sobre os vampiros! 
Os homens obedeceram prontamente. Com dificuldade, mas com convicção, levaram os caldeirões até a muralha e despejaram a água gritando:
_Água!!!...
Mal a água tocou os vampiros, seus corpos soltaram vapores como se estivem sendo escaldados. Caindo muralha abaixo, soltavam gritos horríveis, inumanos. Mal os primeiros caldeirões foram esvaziados, a segunda leva já ia sendo conduzida para cozinhar mais demônios. Frei Emil continuava comigo, agora benzendo as armas, as balas e as flexas de soldados que estavam ajoelhados, recebendo benção e pedindo perdão de seus pecados. Alguns rezavam o Ato de Contrição.
A esta altura, alguns vampiros já adentravam à sacada. Mas eram imediatamente alvejados por setas, balas e espadas abençoadas, que queimavam ao tocá-los. Com gritos pavorosos, soltando fumaça de seus ferimentos, eles morriam. Juntando-me aos homens, saciei minha fúria, degolando de imediato dois desgraçados. Quando todos eles jaziam já sem vida ao chão, fui até a sacada. A quantidade de vampiros ainda era imensa. Havia ali perto cem demônios!
Pensando rápido, ordenei aos homens:
_Tragam azeite!
Odres de azeite foram trazidos o mais rápido possível. Frei Emil abençoou o azeite e, seguindo minhas ordens, os homens besuntaram o corrimão da sacada e as beiçadas das janelas. Isso isolou a entrada dos vampiros de Traian, cujas mãos queimavam ao ponto de soltar a pele das palmas, tão logo tocavam no azeite. Em vista disso, não demorou para que os demônios trouxessem um tronco de pinhero e começassem a usá-lo como aríete, tentando arrombar o portão principal. Ciênte de que eles entrariam cedo ou tarde, arrisquei minha última tentativa: mandei preparar setas incendiárias e pedi a frei Emil: 
_Abençoe o fogo! 
Meu bom amigo o fez sem pestanejar. O resultado foi surpreendente! Tão logo as setas atingiam os demônios, estes se incendiavam por inteiro e, se tocassem em mais outro, este também se incendiava. A condição demoníaca era seu combustível! Sendo assim, uma sucessão de explosões incendiou a quase totalidade do exército de Traian, tão logo uma saraivada de setas abençoadas os atingiu. As explosões foram tão assustadoras, que nossos homens protegeram o rosto, com medo de serem eles próprios incendiados.
Traian gritava sem parar, ordenando para que seus pouquíssimos guerreiros restantes recuassem. De repente, uma seta acertou sua coxa. Infelizmente, ela não era incendiária. Porém, seu ferimento ferveu!... Soltando um grito demoníco, ele retirou a seta da perna. Sua luva e sua mão queimaram, como se a haste fosse ferro em brasa. Cheio de ódio, vociferou:
_Prostituta!!!
Em seguida, tocou o cavalo floresta adentro.

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