quinta-feira, 30 de junho de 2011

PROSTITUTA

























Nicole Kidman em Moulin Rouge.



Na noite seguinte, Oanna mandou que eu vestisse um lindo vestido branco, pois iría dar uma festa, uma recepção para alguns velhos amigos. Pensei que iria conhecer mais vampiros, porém, ainda no alto da escada, me espantei em ver homens sãos adentrarem à sala. Por conta disso, desconfiada, não desci. Eles contavam em número de cinco, visivelmente um grande burguês e sua pequena comitiva. Ele era gordo, tinha grandes bigodes castanhos e trajava-se com estravangância, trazendo um imenso casaco de pele de urso sobre as costas, mais um grande medalhão banhado à ouro pendendo no peito. Foi recebido com muita gentileza por Sanziana e Steliana, e com muita deferência por Oanna. Ele lhe beijou a mão, cavalheirescamente e a saudou com carinho:
_Oanna! Quantas saudades, minha condensa! _disse ele em romeno, com um inconfundível sotaque russo, que eu reconhecia muito bem, pois era assim que mamãe falava.
_Eu que o diga, Liev. Pensei que havia nos abandonado. _respondeu Oanna com sua polidez de coquete.
_Jamais, minha condensa, jamais! _respondeu o gordo Liev, enlaçando o seu braço no dela e batedondo-lhe levemente a mão, como a querer tranquilizá-la.
Oanna olhou para sua comitiva e repreendeu-o com delicadeza:
_Não vai nos apresentar seus companheiros de viagem?
_Claro que sim, minha dama, claro que sim!...
Ele então apontou para um homem calvo, também de bigodes, aparentando trinta anos, e disse:
_Este é Sergey, meu contabilista.
_Grato por conhecê-lo, senhora! _comprimentou-a Sergey, curvando-se levemente.
_Os outros três _continuou Liev _são Yuri, Leonid e Alexander, meus gaurda costas.
Oanna fitou os jovens e fortes guardas com os olhos cheios de gula lasciva e comentou:
_Vejo que está sempre mudando os guardas de sua comitiva, meu grande amigo.
_Sou exigente, minha condensa. E apesar de não ser um voivoda, acho que um exército tem de estar sempre se renovando.
_Oh, sim... e vejo que tem faro para encontrar homens fortes... _disse Oanna já cheia de luxúria, arranhando o peito de um dos guardas de Liev, com suas longas unhas.
Visivelmente enciumado, Liev a puxa com certa amabilidade e responde:
_Er... sim, de fato... eee... Mas... gostaria de sentar-me e beber alguma coisa, minha amada condensa...
_Oh, sim!... Que mal educada sou!... _desculpou-se Oanna, ainda olhando com luxúria para os guardas.
_Quê isso, minha jóia!... _perdoou-a Liev.
Oanna então levou o gordo comerciante e seu contador para a sala de jantar e ordenou às criadas para servirem imediatamente os guardas na cozinha. Em seguida, ouvi-a perguntar claramente à Dorotheea:
_Onde está Irina? Por que não desceu?
_Deve estar atrasada, se arrumando, senhora. Vou subir e apressá-la.
_Não!... _a deteve Oanna. _Deixe que eu mesma vou. Sirva vinars aos meus dois convidados.
_Sim, senhora.
Oanna então, desculpou-se do comerciante e seu funcionário e apressou-se em subir a escada, já me encontrando no alto. Foi até mim e questionou:
_Por que esta indelicadeza com nossos convidados?
_Não me disse que receberia homens sãos.
_Sim, mas... qual o problema nisso? Eles não conhecem sua família, são mascates, vieram direto da Rússia e vão retornar em breve, você não tem motivos para temer.
_O que quer de mim... sua cafetina? _inquiri, rilhando os dentes.
_Apenas que seja educada e que saiba que... se quiser vencer seus inimigos... precisará ter aliados, mesmo entre os mais insignificantes mortais.
_Eu não sou uma prostituta!... _irei-me.
Oanna soltou uma leve gargalhada. Em seguida rebateu:
_Quem era a mais voluptuosa e célebre vampira da floresta, Irina? Pode me responder?... Ou será que terei de relembrar seu recente passado ao lado da vampira grega.
Calei-me sem argumentos, mas mantive minha indignação. Ela continuou:
_Todas somos prostitutas, Irina! Todas somos!... Você sabe disso. Se não fôssemos... por que estaríamos aqui agora... amaldiçoadas?!...

quarta-feira, 29 de junho de 2011

BESTAS


















Depois do desjejum eu e Oanna tivemos uma longa conversa. Ela desculpou-se novamente por não me ter me avisado sobre Drácula e revelou-me que o fez porque desta maneira começaria o meu aprendizado. Senti-me insultada e protestei:
_O que?!... Você me pôs em perigo propositalmente?!... Logo você que se declarou minha protetora!...
_Sim, mas sua instrutora também! Era necessário que conhecesse os perigos do mundo dos mortos. Quanto ao fato de ser sua protetora, tirei você do perigo, não tirei?
_Sim, quando achava que ia ser decapitada pela espada de Drácula!
_Evidente, você tem de saber que pode ser destruída, mesmo no mundo dos espíritos!
_Como pode ser isto? _questionei.
_Seu corpo espiritual não seria realmente destruído por Drácula, mas seu corpo terreno sim. Uma vez que ele cortasse sua cabeça, o cordão luminoso que prende você a seu corpo seria definitivamente cortado. Você desfaleceria e acordaria novamente entre os mortos, porém, desta vez, sem chance de retornar.
_Estaria definitivamente morta!
_Sim, mas não veja isso como um alívio, ao contrário. Uma vez que Drácula cortasse sua ligação com o mundo terreno, sendo o causador de sua morte, ele se apossaria de sua alma. Seu espírito então vagaria neste castelo, ou na floresta ressequida que você viu, sempre à mercê da vontade dele, Drácula!...
Desolada, desabei o rosto entre as mãos. Em seguida desabafei:
_Um de meus maiores consolos era vagar pelo mundo dos mortos. Enquanto vivi na floresta, apenas travei contato com manós, tündérs e mortos inofensivos, almas antigas, com quem dificilmente falava. Minha única experiência ruim foi o contato com o espírito do pastor que matei e este... sequer voltei a encontrar novamente...
Ao me ouvir falar assim, Oanna explicou:
_Os espíritos que encontra em suas viagens pelo reino inferior, variam conforme o lugar em que você está. A floresta possui apenas espíritos de elementais, pastores, almas pertencentes a povos antigos, que aqui viveram na época romana, ou mesmo antes dela. Eles não fazem mal a ninguém, apenas ocasionalmente podem assustar algum viajante incauto, com sua súbita aparição. Mas aqui... é diferente. Aqui o solo se banhou de sangue... durante séculos. Aqui, infelizmente, já foi a morada de Drácula.
_E você me trouxe para cá... onde Drácula reina!... _revoltei-me, quase sussurrando as palavras entre meus dentes rilhados.
_Sim, Irina. Porque era necessário. Necessário para sua segurança aqui entre os vivos, e necessário para seu aprendizado.
_Por que tenho de aprender sobre mais coisas terríveis? Minha existência já não é terrível o suficiênte?
_Sua existência é um paraíso, se comparada à existência de outros vampiros, Irina.
_Nunca vi um vampiro levar uma vida melhor, ou pior. Todos vivem a mesma maldição!
_Não, Irina. As vampiras que lhe amaldiçoaram não vivem melhor que você.
Ri-me e balancei a cabeça de um lado para outro, quando ela citou as pornae. Parecia ser sempre evidente que só elas poderiam ter-me amaldiçoado. E Oanna confirmou o que pensei:
_Sim, apenas estas desgraçadas porderiam ter atacado você! Quem mais seria irresponsável o suficiênte para seduzir e atacar uma nobre?
_Você lê pensamentos? _indaguei já sem muita surpresa.
_Sim, tenho esse poder. _respondeu com sua calma esnobe.
Continuou então:
_Você tem sorte de ser uma mera amaldiçoada. Como eu, aliás. Você não é como as prostitutas que a atacaram, que seriam capazes de devorar sua carne, se sua beleza e seu lindo corpo não atiçasse sua volúpia.
_Como assim? _surpreendi-me.
_Elas pertencem à outra ordem de vampiros, Irina... Elas são demoníacas.
_Demoníacas?... Calidora me falou uma vez que há vampiros que são tão perversos que esturricam quando expostos ao sol.  Seriam elas desse gênero? _questionei.
_Sim! _riu-se Oanna. _Para quem teve como escola apenas os lupanres, a vampira grega até que lhe explicou muito bem.
_Porém, ainda continuo não entendendo. _insisti. _Até onde aprendi, todos os vampiros são como os demônios. E até me sinto assim!
Oanna soltou um leviano riso. 
_Ah, Irina! Você e tão tola quanto linda! Uma criança realmente!
_Não sou tola! Estudei a lógica de Aristóteles! _respondi malcriada.
_Aristóteles não lhe ajudará nesta matéria, querida! Mas eu sim! E lhe digo que... (tomou um gole de vinho) o que o povo _em sua ignorância e superstição _diz, deve ser desconsiderado! Vampiros da nossa ordem são meros cativos das trevas. Pobres almas forçadas a viver do sangue e do calor alheio, apenas porque não obedeceram às leis divinas, sejam elas quais forem. Porém, as vampiras que lhe atacaram... são demônios hediondos, cujo maior prazer é beber seu sangue, comer sua carne... sugar a medula de seus ossos e sorver todo o calor de seu corpo, até reduzí-lo à cinzas frias... Porém, elas não têm o espírito livre, são como bestas, vivem apenas para seus perversos apetites. _concluiu ela, pondo com o garfo um pedaço de carne de porco na boca.

terça-feira, 28 de junho de 2011

DRÁCULA

























Vlad Basarb, "Vlad Tepes (o Empalador)", Vlad Drácula.



Após a ceia, Oanna levou-me para o quarto. Deitou-me na cama, como se eu fosse uma criança e em seguida falou-me olhando nos olhos, em tom baixo e maternal:
_Agora descanse, minha princesa, você terá muito a aprender quando a noite chegar...
Dito isso, pegou meu rosto com as mãos e me beijou a boca. Não prestei nenhuma resistência, aceitando seu beijo. Após beijar-me a boca, deu-me um beijo no olho direito e deixou o quarto, fechando a porta sem bater.
Não adormeci de imediato, meu coração estava confuso. Por um lado, considerava Oanna uma tirana, que me arrancara da paz bucólica da vida ao lado de Calidora, para me dar um novo cárcere de luxo, tal como acontecera quando estive no solar de tio István. Por outro, não apenas sabia que ela estava absolutamente certa quanto à minha arriscada situação, como não conseguia desgostar de todo dela. Tal sentimento eu não conseguia compreender. Como poderia gostar desta dama esnobe, que impunha seu galanteio mediante à minha frágil condição?...
Antes que pudesse encontrar uma resposta, o cansaço fechou-me os olhos e eu espirei. Quando despertei, encontrei-me em uma floresta de árvores ressecadas, escura e tenebrosa. Olhei para o céu, as nuvens estavam prenhes de tempestade. O ambiênte, apesar de desolado, pareceu-me estranhamente familiar. Foi quando, em um ponto elevado, pude reconhecer... o castelo!... O castelo de Oanna, onde agora eu me encontrava. No entanto, ele não me parecia belo, suas paredes estavam sujas e de suas janelas eu podia ouvir gritos desesperados. Um desespero tomou conta de mim e tive o impulso de subir até ele e descobrir o que de errado se passava entre suas grossas paredes. Foi quando a voz lamentosa de um homem me deteve:
_Não vá!... Não vá, Irina, não vá!... _clamava em romeno, atrás de mim.
Voltei-me para trás e fiquei estarrecida!... O homem pendia, esquálido, de um longo e pontiagudo tronco de árvore podado. Ele estava empalado nele!... Seu sangue escorria grosso da haste até o pedregoso chão. De entre seu pescoço e o ombro, a ponta tortuosa de madeira se erguia ensanguentada. Enchi-me de horror e gritei.
_Aaaaaaaaaaahhhh!!!...
Tapei os olhos com as mãos, permanecendo assim por um tempo. Porém, quando as tirei, meu horror foi ainda maior... Havia mais, muito mais pessoas empaladas, muitas e muitas delas, homens, mulheres, crianças, velhos, todos gemendo e gritando ao meu redor. Era como se toda floresta tivesse se tornado um imenso campo de martírio. E em sua agonia eles repetiam, como um estrondo:
_Não, Irina!... Não vá! Não entre no castelo, Irina!... Não vá!...
Dei as costas a eles, tapando os ouvidos, abaixando a cabeça, tentando escapar ao horror. Porém, meus olhos divisaram uma imensa sombra, que crescia tenebrosa no chão. Ergui o olhar para ver quem, ou o que a projetava. Foi quando vi um homem alto, forte, de nariz adunco, longos cabelos e bigodes escuros. Seu olhar irado e malévolo demonstrava que ele estava possesso de ódio. Este hediondo homem se trajava como um voivoda, com uma longa túnica vermelha, adornada de peles negras sobre os ombros. Suas elegantes botas estavam sujas de lama e sangue. Ele trazia uma longa espada ensanguentada na mão direita e a ergueu lentamente, apontando-a para mim. Com uma voz meio rouca e sibilante, falou por entre os dentes em um magiar com forte sotaque saxão:
_Como ousa vir aqui, Irina de Somlyó!...
Olhei para ele sem entender e respondi:
_Mas eu... eu não vim aqui porque quis...
_Sua cadela amaldiçoada! Não pise no meu solo sagrado! Não suje o sangue do dragão! _vociferou.
_Mas eu... eu não entendo... Eu não fiz nada... Não vim aqui porque quis... _defendi-me, já desesperada.
_Ela não fez nada, Drácula! _interveio uma familiar voz feminina.
Voltei-me na direção da voz e constatei: era Oanna. Vendo a surpresa em meus olhos, ela aproximou-se, pousou a mão em meu ombro e meneou a cabeça como quem diz "_Agora está comigo". Em seguida, prosseguiu:
_Ela está aqui porque eu a trouxe, é minha convidada.
_Cale sua boca, sua meretriz! _vociferou, o terrível voivoda. _Abandone já meu alojamento, tire sua presença lasciva daqui!
_Este castelo pertenceu a meu avô, você o roubou! E o transformou em um reles fortim, para amontoar suas armas!
_Este castelo pertence à Ordem do Dragão! _vociferou Drácula.
_Os Danesti pertencem à Ordem Teutônica, da qual sua ordem não passa de uma reles imitação! _bradou Oanna.
_Sua prostituta! Vou matá-la!... _bradou o voivoda, erguendo ameaçadoramente sua espada.
Meu coração encheu-se de terror, mas Oanna ergueu a mão direita e, fechando-a como se pegasse em algo no ar, fez toda aquela pavorosa realidade se dissolver. Sem que eu acreditasse, estava de volta no quarto, sentada ofegante sobre a cama e Oanna estava ao meu lado. Descontrolada, comecei a chorar. Oanna pôs minha cabeça em seu ombro e me abraçou.
_Calma, minha menina, calma... Já passou, já passou... _me acalentava.
O sol já estava se pondo e tão logo me acalmei, Oanna me levou para o banho. Desta vez Dorotheea não se aproveitou de mim, me banhando como à uma criança. Parecia se sensibilizar com meu estado. Depois que Sanziana e Catalina me vestirem e arrumarem o cabelo, desci com Oanna para tomar o desjejum. Enquanto me servia a sopa, ela me explicou o que se passara.
_Eu devia tê-la avisado. Foi culpa minha, esqueci que fatalmente o encontraria aqui.
_Mas quem é ele? _indaguei, ainda assustada.
_Ele é considerado o grande herói da guerra contra os turcos, mas para mim não passa de um pérfido ladrão e assassino.
_O que?... Está dizendo que aquele homem horrível é... o príncipe Vlad?... Vlad Basarab!...
_Sim, o próprio! Penando por aqui, ainda remoendo sua derrota.
_Mas... por que ele me acusou? Eu nunca lhe fiz nada, nem sequer o conheci...
_Ele tem este lugar como seu feudo. Sua alma está presa aqui, assombrando toda esta comuna, e por isso hostiliza a todos que aqui chegam. Sendo morto, ele sabe quem você é, a que família pertence e que é vampira. Ele tem a si próprio como um anjo, protegendo seu solo sagrado.
_Anjo?!...
_Sim, anjo! Um anjo celeste, sagrado, cristão!... _concluiu Oanna, levando a colher à boca.

segunda-feira, 27 de junho de 2011

PRINCESA




















Castelo Bran, em Brasov, Transilvânia, Romênia.



A viagem para o castelo de Oanna foi relativamente longa. Fomos para Brasov, chegamos pouco antes o amanhecer. Fiquei admirada com a beleza do edifício. Suas sólidas paredes brancas, seus telhados vermelhos e suas torres de tetos pontiagudos, que se elevavam solenes para o céu, deixavam claro que ali deveria ser a morada de um príncipe. Para além disso, ele se erguia ao alto de uma colina que só permitia uma única entrada, acessada por um caminho tortuoso e íngreme. De resto, à sua volta havia apenas desfiladeiros.
Mal chegamos em frente ao portão, este foi aberto, como se já soubessem de nossa chegada. Entramos e, tão logo o cocheiro parou os cavalos, saltou e foi abrir a porta da carruagem. Ajudou Oanna a descer, porém, quando chegou minha vez, ela o deteve com um leve gesto de mão e disse em romeno:
_Pode deixar, Petre!...
Em seguida, ela mesma deu-me a mão para que descesse. Atravessamos então o pátio e entramos. Tão logo transpus a porta, com um rápido olhar, notei que todas as janelas possuíam belíssimas cortinas, que já haviam sido cuidadosamente fechadas. Uma jovem criada de olhos vivos e sorriso meigo, se aproximou de nós e falou educadamente em romeno:
_Bom dia!... O quarto já está preparado, senhora. Da forma como a senhora ordenou.
_Obrigada, Sanziana. _agradeceu Oanna.
_Seja bem vinda, marquesa. _saudou-me Sanziana, abaixando levemente a cabeça para frente, deixando alguns cachos de seus cabelos castanhos caírem suavemente. Quase não senti calor em sua respiração, constatando que ela era vampira. Por sinal, todo o ambiente era aquecido essencialmente pelo calor das velas nos castiçais, o que deixou claro que ali habitavam apenas vampiros.
Oanna então indagou à criada:
_E o banho?
_Dorotheea já o preparou. Conduzirei a marquesa até o lavatório. _prontificou-se Sanziana.
_Deixe que eu mesma faço isso. Vá ver se tudo está pronto na cozinha. _dispensou-a Oanna.
_Sim, senhora. _respondeu Sanziana, correndo em seguida para a cozinha.
Oanna me conduziu ao lavatório, onde uma criada grandalhona, aparentando cerca de 40 anos _e que, para meu espanto, notei não ser vampira, pois senti seu calor _já aguardava mergulhando os braços na banheira, para verificar se a temperatura da água estava no ponto certo. Tão logo nos viu, ela já apressou-se em prestar contas:
_O banho está pronto senhora, a água está em boa temperatura. _disse em magiar, com sua voz um tanto grossa.
_Obrigado, Dorotheea. _respondeu Oanna em magiar.
Então, peça por peça, Oanna foi tirando delicadamente minha himation, até deixar-me completamente nua. Em seguida, passando as mãos suavemente por minha cintura, sussurrou em meu ouvido:
_Agora você vai ter o tratamento que merece, minha linda marquesa. Aguardo você na sala de jantar.
Deu-me então um beijo no rosto e apertou suavemente minha cintura. Deslizando as mãos sobre meu corpo, afastou-se e saiu. Dorotheea, com um sorriso um tanto malicioso no rosto, convidou-me gentilmente:
_Venha, minha criança, antes que a água esfrie.
O banho foi muito revigorante, mas não pude deixar de notar o desejo nas mãos quentes da criada, que deslizavam com calma volúpia sobre meu corpo, como que querendo saboreá-lo com seu toque. A espuma do sabão parecia mesmo ser uma grossa baba, que eu imaginava brotar de sua boca. Não havia recanto que suas mãos um tanto pesadas não invadissem, de forma que, em um dado momento, a olhei de cara feia. Ao sentir minha irritação, ela se desculpou:
_Perdoe minha ousadia, jovem marquesa, mas estou acostumada a ser bastante exigente quanto à higiene.
Não lhe respondi nada, apenas virei o rosto e a deixei terminar seu serviço. Porém, mesmo quando me enxugou, ela o fez com um cuidado lento e extremo. Parecia querer apreciar o contorno de cada curva de meu corpo, as pernas, ancas e seios. A seguir, terminou seu ritual lascivo passando-me essência de sândalo. Penso ter sido o momento que ela mais degustou. Pois suas mãos deslizavam sem pudor sobre meus seios, sobre meu sexo e entre minhas nádegas. Para dar por encerrado seu licencioso serviço, deu-me dois tapinhas na nádega direita.
_Pronto, marquesinha, é hora de ir se vestir.
Embrulhou-me com um manto de lã e conduziu-me ao quarto, sempre me tocando na cintura. Lá chegando, a cama já estava arrumada e mais duas criadas já aprontavam uma linda camisola de seda negra. Elas eram tão vampiras quanto Sanziana, seu toque carecia de calor. Olharam para mim e sorriram gentilmente. Dorotheea as apressou, esbravejando em romeno:
_Vamos, suas preguiçosas, vistam logo a marquesa, a condessa a espera para a ceia.
As duas apressaram-se em me vestir. Não eram maliciosas como a Dorotheea, por isso tive coragem de perguntar seus nomes:
_Steliana. _respondeu uma delas, de cabelos castanhos escuros e rosto liso, quase sem sobrancelhas.
_Catalina. _respondeu a outra, de cabelos negros e sobrancelhas grossas, que emolduravam um olhar forte, vivo, quase feroz.
Com uma precisão incrível, elas não só me vestiram, como escovaram meus cabelos, pondo-me bela, ainda que fosse apenas para cear e dormir. Por fim, desci com Dorotheea para a sala de jantar. Oanna me aguardava, sentada à ponta de uma mesa um tanto comprida, feita para receber muitos convidados. Notei que não havia outro prato e talheres, além daqueles que estavam postos à sua frente. Dorotheea me conduziu até bem perto dela, em seguida, pediu licença e deixou a sala. À mesa, estava servido um delicioso leitão assado com frutas. Oanna então enlaçou minha cintura com o braço direito e disse:
_Venha, querida, sente aqui comigo, para conversarmos um pouco e para eu lhe dar de comer.
_Por que quer que sente em seu colo? _inquiri.
_Porque... de hoje em diante, você é minha filha adotiva... Serei sua tutora e sua protetora.
_Por que? _retruquei com secura lacônica.
_Primeiro porque eu jamais deixaria um jóia como você... ficar vivendo como uma vampira de grotões, em meio à floresta e aos rochedos. _respondeu pegando suavemente em meu cabelo _Segundo... porque você é muito poderosa, mas não sabe disso, e eu estou aqui para lhe ensinar tudo sobre si mesma e sua nova condição. E, em terceiro lugar... porque sou a única pessoa que pode realmente ocultá-la de seus perseguidores, ou vai querer esperar por eles na floresta, onde possivelmente já a estão procurando?...
O último argumento foi o que realmente me fez ceder. Meus tios talvez não estivessem tão propensos em vir atrás de mim, mas sei que conde Vladmir estaria e, para isso, contava com um guerreiro tão ferino quanto o melhor cão de caça: Traian. O fato de eu andar a maior parte do tempo à noite, vivendo em grutas, de fato ajudara a me ocultar por um longo tempo, mas agora os ciganos sabiam de minha existência e poderiam me delatar se uma boa quantia em ouro tilintasse à sua frente. Sem alternativas, cedi. Um tanto desolada, sentei no colo de Oanna, sem dizer uma palavra. Ela me acariciou a cintura e me deu um beijo no rosto, como se dissesse "_Boa menina!". Em seguida, começou a me servir.

sexta-feira, 24 de junho de 2011

OANNA


















Cate Blanchett como Elizabeth



Devo confessar que o período que vivi com Calidora foi talvez o mais feliz, desde que a maldição requereu minha alma. Porém, a mudança é a única ordem imutável, me disse o sábio János, na tarde em que passara comigo e Dimitru. Numa noite em que esperávamos os salteadores chegarem, estava com Eni e Dácio, à beira da estrada, enquanto Calidora procurava um bom lugar para nos escondermos. Era cedo e eu podia ficar tranquilamente com as crianças ali, vendo os coches dos viajantes passarem. Era engraçado vê-los se benzendo, tão logo nos avistavam. Dácio e eu contávamos quantos faziam isso.
Foi durante este recreio que vimos surgir das brumas uma esplêndida carruagem, digna e um grande nobre. Notei algo de estranho em seu andor, ela estava sob alguma força estranha, seus cavalos estavam encantados. Ela então aproximou-se da margem e parou, bem diante de nós. O cocheiro, um jovem alto, aparentando 25 anos, que vinha bem vestido, armado com uma espada e que senti de imediato ser vampiro, saltou com rapidez e abriu, um tanto solene, a porta do veículo para que seu ilustre ocupante saltasse. Vi sair de lá uma mulher já madura, aparentando mais de 40 anos. Trajava-se como uma nobre de alta estirpe, com rufos sobre o pescoço e um vestido carmesim, belissimamente bordado. Era, muito pálida, quase fantasmagórica. Seus olhos eram de um azul misterioso, como águas profundas. Trazia as sobrancelhas raspadas, o que reforçava sua imagem bizarra. Ela se aproximou de nós, sem nenhum temor e, dirigindo-se diretamente a mim, saudou-me em magiar, porém com um leve _mas presente _sotaque romeno:
_Boa noite, minha criança.
Não respondi, apenas a fitei com o semblante fechado. Ela então se apresentou.
_Sou Oanna Danesti, e estou aqui para lhe convidar a seguir viagem comigo.
_Ir com você?... _respondi quase balbuciando, ante ao inesperado convite.
_Sim, minha menina. E penso que já estamos nos demorando. Venha!... _chamou estendendo a mão.
_Por que deveria? _retruquei já rilhando os dentes.
Ela então resolveu explicar sua atitude tão aparentemente descabida.
_Em primeiro lugar, minha flor, não quero ferir seus sentimentos para com estas duas coisinhas graciosas (os filhos de Calidora) mas... penso que já passou da hora de você ficar brincando de babá. Este ofício não cai nem um pouco bem para uma marquesa.
Meu queixo caiu de surpresa neste momento. Mal consegui esboçar uma resposta. Ela continuou:
_Venha! _disse-me estendendo a mão. _Você deve vir comigo. Não tema, não delatarei você. Sou tão amaldiçoada quanto você e, por isso, não tenho o menor interesse em ver cavaleiros batendo à porta de meu castelo.
_Quem é você? O que quer? Como sabe quem sou?_reagi.
_Como lhe disse, me chamo Oanna Danesti. _respondeu com orgulho e altivez, em seguida prosseguiu _Não me admira que nunca tenha ouvido falar de mim, pois há muito tempo não venho por esta região. Não resido aqui, mas não demorou muito para que meus informantes me contassem sobre uma nova e poderosa vampira. Uma vampira mais feroz que o pior os lobos, o fantasma, ou demônio branco, que ataca impiedosamente os contrabandistas. Também me contaram que a vampira grega havia arranjado uma companheira... tão linda e voluptuosa, que todos os ciganos das redondezas acorrem até aqui para possuí-la.
_Quem lhe contou tudo isso? _ergui-me já enfurecida.
_Pouco importa, jovem marquesa. _respondeu com tom esnobe _Basta dizer que você deve vir comigo agora, imediatamente!...
_Jamais irei com você! _temei.
_Quanta teimosia! _queixou-se em seu tom afetado. _Sabe, marquesa, acha que ainda não se deu conta do preço de sua fama. Uma fera surge aterrorizando os bandoleiros, uma fada aparece avassalando os ciganos e... tudo isso depois que a filha caçula do marquês de Csik... desaparece!... Oh, e como os ciganos clamam por seu nome aos quatro ventos, Irina, Irina, Irina!... Acha realmente que, com tanta fama, os inimigos de seu pai tão logo não a encontrarão? E vejam só, encontrarão uma vampira! A prova do crime do pobre marquês! O que será que acontecerá com ele?...
Este último argumento calou-me. Como fui tola em não me dar conta disso? Meu nome já devia estar ressoando para além dos Cárpatos. Sentei-me, praticamente desabando sobre as nádegas, com as mãos na cabeça e a mente atormentada por mil pensamentos. E se conde Vladmir, ou Traian já soubessem onde eu estava? E se papai fosse enforcado? E se matassem Calidora e seus filhos ao me capturarem?...
_Venha! _voltou a convidar Oanna, estendendo a mão.
Desesperada, sem alternativa, segurei a mão da nobre estranha e a deixei me conduzir até a porta da carruagem. Antes de subir, porém, voltei-me e olhei para as crianças, por um momento.
_Não nos deixe, Irina! _suplicou Dácio, em koiné.
Eni começou a chorar e meu coração se partiu. Larguei a mão de Oanna por um instante e corri para os abraçar. Os beijei com lágrimas nos olhos e, em seguida, disse a Dácio:
_Vá com Eni até sua mãe e a informe do que aconteceu. Vá, querido, depressa! Vá!...
Os deixei então e entrei na carruagem. Dácio me obedeceu, mas foi dilacerante vê-lo correr com Eni, ainda olhando para mim, com os olhos cheios de lágrimas. Eni gritava seu choro, como é próprio das crianças pequenas. A carruagem começou sua viagem. Porém, antes que eu pudesse enxugar as lágrimas, ainda pude ver Calidora, indo rumo aos filhos. Seu rosto era de surpresa e preocupação. Instintivamente ela olhou para a carruagem e me viu. Parou me olhando, com uma triste surpresa nos olhos. Dácio alcançou sua mãe e a abraçou, assim como Eni. Calidora abaixou-se e pegou Eni nos braços. Em seguida pegou a mão de Dácio. Voltou então a olhar para trás, para mim. De seus olhos, sempre tão sedutores, escorriam lágrimas. Sua maquiagem borrava.

terça-feira, 14 de junho de 2011

SPERMA






















No dia seguinte ao que estive com Ivan, notei que estava mais forte e cheia de energia. Sentei-me diante do espelho para me pentear notei que estava linda! Minha pele estava rosada, meus olhos de um azul brilhante. Eu era toda vida e beleza. Perguntei à Calidora sobre esta mudança e ela disse:
_"Nem só de pão vive o homem", não é isso que dizem vocês cristãos? Pois nem só de sangue vivem as lâmias, mas de qualquer essência vital, seja humana, ou animal: do sperma, do leite materno, até mesmo do calor e da respiração.
_Sperma? _estranhei.
_Sim, é como chamamos, em grego, o "leite" que sai do membro dos homens.
_Não o conhecia por este nome.
_Pois agora conhece e também o seu poder. Digo a você, Irina, que mais vale sorver o sperma dos homens, do que seu sangue. É dele que provém a vida. Todos os seres carnais nascem dele. Sua diferença para com o sangue é que o sangue jorra em abundância, o sperma vem sempre em menor quantidade. Porém, é concentrado. Um pouco dele nos nutre muito.
_Por quanto tempo? _interessei-me.
_Um homem saudável lhe mantém por três dias. _respondeu.
Sorri em resposta. Ela continuou:
_E quanto mais homens, mais sperma. É por isso que estou sempre de braços abertos para os ciganos. _arrematou sorrindo maliciosamente.
_Mas... podemos engravidar? _indaguei, bem a propósito.
_Somos terra estéril, Irina. _sentenciou Calidora. _Nenhuma semente em nós germina, pois morremos toda vez que adormecemos.
Compreendi suas palavras muito claramente e me entristeci. Olhei para Eni, ali perto, ao seu lado e meu coração apertou. "_Que sorte tem ela de já ter seus filhos..." _pensei cheia de mágoa. Levantei-me então e fui caminhar pela floresta, as lágrimas escorrendo pelas faces. Caminhei por muito tempo, remoendo a dor de tão grande condenação. Jamais teria minha Lísia, minha Matuanka, minha Eni... A ira explodiu dentro de mim. Agredi as plantas e árvores à minha volta. Com minhas unhas, arranquei galhos. Atirei pedras para todos os lados. Gritei!
_Aaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaahhhhh!!!...
Cai por terra, chorei! Chorei muito!... Quando a tempestade acalmou, uma sombra desceu sobre mim. Meu coração se fechou. Cheia de fel, pensei: "_Terei então todos os homens do mundo aos meus pés! Serei a deusa do prazer e da morte! Todo sperma e todo sangue do mundo serão meus!".
A partir deste dia, uma mudança profunda se operou em mim. Tornei-me licenciosa e má. Já não me esquivava dos ciganos, bem ao contrário. Não apenas recebia o pequeno Ivan, como todos os seus companheiros. Esperava ansiosa a chegada da lua cheia e não me apresentava mais fechada e carrancuda, porém frívola e sensual. Pedi então à Calidora que me confeccionasse himantions mais provocantes. Ela fez duas de seda: uma negra, outra vermelha. Ambas translúcidas e semi-transparentes. Ambas eram abertas aos lados, cobrindo-me apenas pela frente e por trás, com um cordão cingindo à altura dos rins. Passei a usar o rosto muito maquiado, como o dela, assim como a abusar dos perfumes.
Estava absolutamente entregue à luxúria... e à perversidade. No lago, não apenas me insinuava lascivamente para os contrabandistas _mostrando meu corpo, rindo e nadando como uma sereia lúbrica _como era cruel em meus ataques. Fazia questão de lhes infligir dor. Mordia-os primeiro nos pulsos, para vê-los gritar e sangrar. Em seguida, puxava-os como uma leoa, dilacerando a carne de seus membros com minhas longas e afiadas unhas. Quando afundava minhas presas em suas as gargantas, balançava a cabeça para esgarçar a carne. O sangue espirrava para todos os lados.
Num desses ataques ensandecidos, um contrabandista conseguiu se desvencilhar e mergulhar na água. Calidora se irritou:
_O que está acontecendo com você?... Está louca?!
Mergulhou então atrás do romeno, demorou-se lá embaixo e, quando retornou, veio de cara fechada. Sem falar comigo, nadou até a margem do lago. Uma vez em terra, tentei conversar:
_Calidora...
_Você não virá mais comigo! _vociferou ela. _De hoje em diante, não me acompanhará mais, nem no lago, nem na estrada! Pelo que vejo, logo começará a esturricar à luz do sol!...
Uma vez proibida de ter sangue, viciei-me em sperma! Para além dos dias combinados, passei a receber os ciganos sem o conhecimento de Calidora, nos dias que bem entendesse. Alta, branca, dona de dois grandes olhos azuis, de longos, sedosos e ondulados cabelos cor de fogo, além de um corpo voluptuoso, de traseiro insinuante _ávido por sodomia! _logo me tornei sua preferida. Eles vinham aos montes! Grandes, pequenos, jovens, velhos, gordos, magros, coxos, manetas, todos loucos por mim! E eu os recebia sempre lasciva e despudorada, deixando que se chegassem de dois, ou três ao mesmo tempo _esfomeados! _enchendo suas mãos com meus seios, coxas, ancas, nádegas... com meu sexo!...
Empinada como a égua, quantas vezes não fiz tremer o carvalho e a faia, enquanto o varão cigano tomava-me furiosamente por trás, fosse pela natureza, fosse pela sodomia. Quantas vezes não montei em um e deixei-me montar por outro _sendo possuída por dois ao mesmo! _rebolando convulsivamente, até que seus membros vomitassem seu quente e precioso sperma em minhas entranhas! Isso, de tanto prazer que me causava, tornava-me feroz, fazendo-me gritar, rosnar, urrar e revolver os cabelos. Meus olhos vidravam e minhas presas aguçadas saltavam. Neste momento, os espectadores exultavam, afiando as adagas de entre suas pernas.
Sendo uma deusa de luxúria, enchi-me de presentes, que iam de doces finos, até joias de ouro e pedras preciosas. Dava a maior parte dos doces à Dácio e Eni, mas tornei-me ciosa de minhas joias. Embevecida de vaidade, passava muito tempo diante do espelho penteando-me, maquiando-me e admirando minha própria beleza. Toda esta volúpia não demorou a semear a discórdia entre mim e Calidora. Uma noite ela se queixou:
_Vejo que agora você não quer mais me ajudar nos afazeres "de casa" e tornou-se escrava desse espelho.
_Tenho de cuidar de minha aparência, os ciganos são exigentes.
_Quer ficar com todos os ciganos para você, pelo que vejo!
_São eles que me querem! Não tenho culpa se preferem mais a mim do que a você!
_Maldita hora em que proibi você de me acompanhar! Vejo que voltou a ser a velha patrícia mimada e arrogante! Pois lembre que você não passava de um bicho, quando lhe encontrei, chorando sua miséria na floresta! _ofendeu.
_Cale a boca, sua prostituta! Você tem inveja de mim, porque nunca conseguiu ser nada melhor de que uma puta do Pireu!_ofendi de volta.
A ira então nos tomou e nossas presas saltaram ameaçadoramente. Como duas feras, nos atracamos e rolamos pelo chão, rosnando uma contra a outra. Puxávamos o cabelo uma da outra, nos azunhávamos e derrubávamos tudo à nossa volta. Com nossa fúria enlouquecida, assustamos Eni e a fizemos chorar. O pobre Dácio acorreu para abraçá-la e protegê-la de nossa luta, vertendo lágrimas também. Ao ouvir o choro de Eni, Calidora despertou de sua fúria e correu até ela:
_Filha!... Filha! Não chora!... Perdoa a mamãe!... _rogava desconcertada, enxugando as lágrimas da menina.
Também parei, transtornada. Cheia de culpa, me precipitei para fora da gruta, decidida a ir embora. Ao me ver sair, Calidora arrependeu-se e correu para me deter:
_Não vá, Irina! Por favor, não vá! Você é como minha irmã! Por favor, me perdoe! Não vá!...
Soluçando, com os olhos escorrendo lágrimas, eu tentava me desvencilhar de seus braços e seguir.
_Nã-aaaaaaaaaão!... Nãaaaaaaaahh-ão!!! _gritava descontrolada.
Mas ela insistia:
_Por favor, Irina, perdoe-me! Fui tola! Fique! Não vá!... _rogava chorando.
Parei soluçando e ela me abraçou com força. Beijou-me o rosto várias vezes e rogou:
_Não vá, minha irmã! Por favor, não vá!...
Sentei-me sobre uma grande pedra e simplesmente continuei a chorar feito uma criança. Ela se sentou ao me lado, agarrada em mim, chorando. Depois desta briga, tudo voltou a ser como antes.

segunda-feira, 13 de junho de 2011

VÊNUS

























Vênus, de William Adolphe Bouguereau.



É realmente muito estranha a relação entre vampiros e ciganos. Eles parecem nos conhecer muito bem. São as únicas pessoas, que se arriscam a ter um contato mais direto conosco. Fora eles, apenas János faz isso. Não conheci outro curandeiro até agora, por isso me impressiono com a atitude de János. Certa noite, tive um encontro inusitado e engraçado. Estávamos eu e Calidora colhendo as flores da primavera, já de madrugada, bem tarde. Apenas a luz da lua cheia nos iluminava. Afastei-me um pouco dela, pois fui até Eni, que teimava com Dácio por alguma coisa. Cuidadosa, virei-me para certificar-me de que sua mãe ainda estava por perto. Ela estava ali, à beira de uma das muitas trilhas da floresta, ajeitando o penteado e cantarolando.
De repente, um ponto de luz surgiu e começou a se aproximar na estrada. Uma figura atarracada, caminhando a passos curtos e apressados, aparece. Segurando uma lanterna na mão esquerda e uma sacolinha de ervas na dobra do braço direito _para minha surpresa! _vinha Madame Dorka!... Ela demonstrou um ligeiro sobressalto ao ver Calidora e fez o sinal da cruz. Prosseguiu então em seu caminho, passando por minha amiga balbuciando alguma oração. Calidora ainda olhou para a velha parteira, simplesmente soltando um leve riso ao notar sua evidente apreensão.
Eu sabia que Calidora jamais faria qualquer coisa contra ela, pois isso seria angariar a ira de todas as comunidades em volta, dos pastores, aos nobres. Todos precisavam dela para fazer partos, abortar filhos indesejáveis e preparar infusões. Quando a vi, também receei que me visse, pois não desejava que me reconhecesse. Preferia ser tida como morta, do que dar a saber de minha maldição a papai, aos meus irmãos e, sobretudo, a frei Emil. Naquele momento, meu coração gritava: "_Pelo mistério que rege o universo _seja qual seja! _quanta saudade sinto de todos eles!..."
Um, ou dois dias depois desse inusitado encontro, Calidora insistiu para que eu conhecesse um cigano. Até então, eu evitava entrar em contato com eles, me mantendo escondida, enquanto ela negociava e se prostituía. Mas desta vez ela insistiu tanto, que aceitei. Fomos para a encruzilhada e eles apareceram, por volta de uma hora da madrugada. Eram três, os outros dois do primeiro encontro, mais um jovem pequeno e forte, de cabelos longos, negros, e olhos vivos. Parecia mesmo um manó. Ele apresentava uma indisfarsável insegurança diante de nós, embora tentasse escondê-la. Por outro lado, eu também me mostrava calada e defensiva. Calidora, porém, logo dissipou a tensão reinante:
_Mircea, Demétrio, como estava ansiosa! _disse sedutora, abraçando-os e beijando-lhes as faces.
Mircea, o mais alto, lhe respondeu em um koiné horrível, mas inteligível.
_Ansiosos estávamos nós, minha fada!
Calidora riu sedutora e vaidosa. Ele então apresentou o novo amigo.
_Este é Ivan, um dos nossos mais valorosos irmãos. É jovem, potente e quer conhecer o sabor das vampiras.
_Não irá se arrepender, Ivan! _respondeu Calidora, passando a mão sedutoramente no rosto do rapaz.
Notei que Ivan estremeceu levemente ao sentir o toque de Calidora. Ela notou e começou a encantá-lo:
_Como é forte este pequeno! _disse maliciosamente, passando a mão em seu peito e arranhando-o levemente com suas unhas longas.
Ivan sorriu e notei já seu desejo quase possesso. Neste instante, para contê-lo, Calidora resolveu me apresentar aos demais:
_Queridos, esta aqui é Irina. Ela é um pouco tímida, mas é linda e sedutora. _disse rindo leve e maliciosamente. Em seguida, chamou-me _Venha, Irina! _chamou acenando para mim.
Aproximei-me sem sorrir. Mircea comentou:
_Parece arisca esta vampira.
_Ela é tímida. _suavizou Calidora.
Ivan olhou para mim como se eu tivesse possuído sua alma. Não tirava os olhos de mim. Calidora então acariciou meus cabelos e, arranhando levemente meu rosto com suas unhas, provocou:
_Ela é linda, não é, Ivan! Quer ela?... Pode tê-la... Aliás, além de linda, ela meio magiar e meio romena. Qual das duas línguas você fala?...
Mircea arregalou os olhos de desejo com a nova informação e antecipou-se, falando em um romeno cheio de seu esquisito sotaque:
_Todos falamos romeno, minha fada!
Calidora então estendeu o braço para Ivan e convidou:
_Venha, Ivan! Venha conhecer minha amiga!...
Alucinado, o pequeno cigano se aproximou. Tinha receio de me tocar, pois fazia menção de estender a mão, mas recuava. Calidora o ajudou, pegando sua mão e juntando à minha. Então o puxou para junto de mim e ordenou:
_Va! Vá com ela!
Relutante, mas alucinado por mim ele começou a caminhar segurando-me pela mão. Eu fui com ele, sem contestar, pois sabia que suas ações dependeriam das minhas, afinal, ele estava tomado. Fomos até uma imensa pedra e ele, com um gentil gesto de mão, pediu para que eu sentasse no chão, recostada à pedra. Sentei e ele sentou-se em seguida. Ele então começou a tocar-me o rosto, os olhos repletos de admiração. Então começou a balbuciar em romeno:
_Linda! Você é linda!...
Eu permaneci séria e ele se afastou, apresentando um respeito quase religioso. Não querendo assustá-lo, passando-lhe uma imagem carrancuda, toquei levemente seu rosto. Ele então envolveu minha mão entre as suas e começou a beijá-la com sofreguidão. Logo em seguida esfregou seu rosto nela. Aquilo não era apenas desejo, era uma adoração. Foi quando notei o poder sedutor de minha nova natureza. Com cuidado, toquei-o novamente no rosto e, aproximando, devagar, meus lábios dos dele, o beijei. O beijo começou com um mero toque de lábios, para depois se tornar um envolvente abraço com duas bocas consumindo uma à outra. foi quando senti que seu calor me aquecia como uma lareira acesa.
Puxei-o então, cuidadosamente, para cima de mim e deitei. Abri suavemente minha himation e lhe mostrei meu corpo. Seus olhos mostraram-se mais alucinados que nunca. Suas mãos, maravilhosamente quentes, sentiram então meus seios e meu ventre, escorrendo até meu sexo. O calor me inundava. Suavemente, ele abriu minhas pernas e aproximou-se para se alimentar de minha vulva. Começou suave como a abelha que colhe o pólem. O toque quente de sua língua me inundava de um prazer indescritível. Encheu-se então de gula, como um vampiro que suga o sangue de sua vítima. E como furioso vampiro, afastou-me as coxas sem pudor, abocanhou-as e sugou minha flor, até ela escorrer todo seu nectar. Fazia tempo que não sentia este êxtase.
Ainda furioso, ele livrou-se de suas roupas e deitou sobre mim. Senti-o entrar como um aríete, mas não me queixei, seu calor era o que eu mais queria. Seu membro era como uma barra de ferro em brasa, que me ardia por dentro, dando-me um prazer indescritível. Deixei-o estocar até seu leite grosso esguichar em minhas entranhas. Este era como uma ardente e sagrada cera derretida, que ao abrasar as profundezas de meu ventre, fazia-o ferver de êxtase, escorrendo seu caldo em ebulição por entre minhas pernas.
Cansado, ele deitou sua cabeça sobre meus seios. Acariciei seus cabelos, de forma maternal. Seu calor me era indescritivelmente prazeroso e eu não queria que ele se recuperasse tão cedo. Por um breve momento, entendi Calidora e as vampiras que me atacaram. Como era bom sentir aquele calor! Como era bom!...
Quando ele se recuperou, levantou-se como se despertando assustado de um sonho. Vestiu rápido suas roupas e dizia alguma coisa em sua língua, que entendi ser alguma preocupação com seus companheiros. Ele foi até eles. Não me levantei, apenas voltei-me levemente para ver Calidora e os demais ciganos. Para variar, já estavam copulando. Não queria importuná-los, apenas queria estar ali, sentido aquele calor que impregnava o ar e a terra à minha volta.
Permaneci então ali, enquanto Calidora agora recebia Ivan entre suas pernas. Deitei de braços abertos e olhei para o céu. Reconheci a Estrela Dalva, que frei Emil me explicou ser o planeta Vênus. Agradeci à deusa que dera nome à estrela, por sua benevolência. Pelo menos ela!... me redimia...

domingo, 12 de junho de 2011

LILITH






















Além do lago, também tínhamos o costume de atacar na estrada. Não era sempre, para não atrair muito os lobos. Nossas presas eram os salteadores. Era fácil reconhecê-los, eram homens rudes, que sempre vinham à cavalo, levando mosquetes às costas e escondendo o rosto sob lenços. Seus alvos eram as carruagens com nobres e os comboios de mercadores. Por conta disso, esperavam escondidos à beira da estrada. Era justamente neste momento que os atacávamos. Íamos por trás, silenciosas como cobras traiçoeiras. A tática de Calidora era a mesma que eu usava na trilha do Cheile, pular sobre a vítima, tapar sua boca e cravar as presas violentamente em seu pescoço.
Como os salteadores contavam sempre entre três, ou quatro, levávamos as crianças. Primeiro pegávamos a "janta" delas, para se entreterem e não nos atrapalharem, no momento em que fôssemos pegar os outros. Apenas uma pegava a "janta", a outra ficava como babá, mantendo-os quietos.
_Olha mãe, bandidos! Bandidos ali, mãe! _se excitava Dácio como quem via um doce.
Seus olhos ficavam mais vidrados que nunca e suas pequenas presas se mostravam terrivelmente. Calidora o controlava:
_Shhhh!!!... Silêncio, filho! Logo a mamãe vai trazer um para você.
Eni choramingava tola, como é próprio das crianças da sua idade:
_Mããã-iiiiimm... Quero sangue! Mããã-iiiimmm... sangue!
Jamais levávamos as crianças para o lago. Primeiro porque eles quereriam brincar e fariam muito barulho. Segundo porque poderiam receber um tiro, ou afogar-se. Na verdade, na maior parte do tempo, Calidora as alimentava com sangue de animais e carne crua, como eu fazia antes. Quando tinha leite de cabra, dava quase todo a eles.
Calidora foi minha primeira mestra no vampirismo, com ela aprendi muito sobre minha nova natureza. Quando lhe contei o episódio dos caçadores, ela esclareceu:
_Quando você criou aquela ilusão, eles realmente viram algum animal correndo.
Quando lhe contei sobre meu encontro com o pastor, no mundo dos mortos, ela explicou:
_Quando ele lhe disse que um lobo o atacou, ele estava sendo sincero. Foi realmente o que ele viveu. Você criou esta ilusão, mas até então não sabia que tinha essa capacidade.
_E ele tornou-se vampiro? Não o vi novamente. _indaguei.
_Seus amigos, com certeza, decapitaram e queimaram seu corpo _concluiu ela.
Ela enumerou-me nossas outras fraquezas, além do alho, que já conhecia:
_Jamais podemos adentrar qualquer habitação sem sermos convidados, pois os lares da casa nos atacarão.
_Lares?!... _indaguei sem compreender.
_Os espíritos protetores da casa, da família. Vocês cristãos chamam de anjos da guarda.
_Humm... _gemi compreendendo finalmente.
Ela continuou:
_Uma simples rosa silvestre pode nos manter presas no Hades, deixando nossos corpos à mercê de nossos inimigos. Isso se dá porque rosas nos dão paz, então simplesmente nos esquecemos de retornar. Também tememos a luz solar, pois nos tornamos seres das trevas. Somos agora muito parecidas com as baratas e os morcegos, que procuram apenas a escuridão.
_Mas que mal pode nos fazer a luz do sol?... Já fiquei sob ela várias vezes após me tornar o que sou hoje. Notei que não a suporto, irresistivelmente, antes do meio dia.  Porém, nada mais acontece, além de eu ficar com a pele um tanto ruborizada, com os olhos incomodados, às vezes seco por sua claridade e me encolhendo como uma criança que teme apanhar da mãe.
Calidora respondeu-me prontamente, antes que terminasse:
_As trevas tomaram nossas almas, Irina, elas não nos querem na luz. Mas você já deve ter notado que, mesmo a pino no céu, o sol passa a nos incomodar, cada vez menos, após o meio dia.
_Sim! Era o que ia lhe dizer também! _animei-me.
_Após o meio dia _continuou Calidora _começa o lento caminhar do mundo para as horas trevosas. É quando finalmente podemos caminhar calmamente por onde bem quisermos. Porém, lhe digo que há strigois que literalmente esturricam à luz do sol, não importa a que hora do dia, como se estivessem sendo assados em uma grande fogueira.
_Por que?
_Porque sua natureza já está muito próxima da dos piores fantasmas.
Continuei sem entender direito e ela prosseguiu:
_Lembre, jamais devemos atacar pessoas de fé poderosa. Quando se diz que os vampiros temem a cruz cristã, esta é uma ideia falsa. Se assim o fosse, não haveria vampiros nos cemitérios. O que realmente nos atinge é a fé, seja cristã, ou não.
_Isto sim, compreendi! _respondi-lhe.
Uma tarde, Calidora me ensinou a ilusão do reflexo. Pediu-me para que sentasse em frente ao espelho, penteando-me tranquilamente. Fiz isso e, durante um breve tempo, não vi o reflexo de ninguém surgindo atrás de mim. Porém, para minha total surpresa, uma madeixa de meus cabelos ergueu-se sozinha e começou a formar uma trança.
_Aaaaaaaahhh!!!... _gritei.
Voltei-me para trás e encontrei Calidora torcendo-se em sua louca gargalhada.
_Ahahahahahahahahah!...
Ela então me explicou que podíamos fazer as pessoas simplesmente não enxergarem nossos reflexos, fosse no espelho, fosse na água. Era só uma questão de nos concentrarmos e desejarmos com afinco, assim como eu fazia, ao encantar os animais. Explicou-me também que quando seduzíamos as vítimas, elas simplesmente ficavam tomadas por nossa sensualidade e se tornavam presas fáceis. Segundo Calidora, isso se dava porque Circe, filha de Hécate _senhora dos seres sombrios, como os vampiros _nos concedia o poder de seduzir todos os mortais. Ao falar isso, lembrei-me de quando frei Emil me explicou o mito judaico, cabalístico, de Lilith, que teria sido a primeira mulher, antes de Eva, e que se separara de Adão para se tornar esposa de Samael, o anjo da morte. Ela, segundo o frei, era a senhora de todas as depravações, pecados venais e perdições carnais. Assim como também era bebedora de sangue, portanto mãe de todos os vampiros. Se assim o fosse, eu de fato era uma filha de Lilith, pois ardi em pecado desde a mais tenra idade. Às vezes me pergunto se a Dama de Azul não é a própria Lilith, que veio me receber, após minha quase morte, para avisar-me de minha maldição.

quarta-feira, 1 de junho de 2011

LÂMIAS




















Lâmia, The Serpent Woman, de Anna Lea Merritt


Viver ao lado de Calidora era ser uma tünder. Vivíamos a passear pela floresta, com nossas himations vaporosas, nossos penteados exóticos, nossas sandálias, colhendo flores e frutos. Eu a ajudava nos afazeres domésticos, sobretudo como babá de seus filhos. Isso compensava a falta que sentia de meus sobrinhos. Adorava mimar Eni. Quando o sol se punha, Calidora gostava de cantar, tocando sua lira. Dácio a acompanhava, tocando uma flauta de , que eles chamavam de Syrinx. As canções eram muito antigas, seu rítimo era estranho e a melodia instigante. Nos induziam a dançar de forma embriagada, como se estivéssemos possuídas por Dionísio. De fato, Calidora só tocava bebendo vinho. Eu não aguentava lhe acompanhar, ficava tonta e parava. Ela ria, pois estava acostumada a tocar, cantar e beber uma noite inteira, até o amanhecer. Sinceramente, jamais vi Calidora embriagada.
Por volta da meia noite, saíamos para o Lago de Santa Ana, para caçar contrabandistas romenos. Eles costumavam guardar sua carga nas imediações do lago, por conta de sua localização mais elevada. Calidora agia exatamente como contavam as estórias que ouvi na infância. Ela entrava nua no lago e se escondia sob suas águas azuis. A fina bruma que pairava sobre as águas ajudava a escondê-la ainda mais. Não demorava muito, um romeno incauto aparecia com sua canoa repleta mercadorias roubadas. Tão logo o divisava, Calidora começava a cantar. Sua voz era bonita e bem entoada.
Como uma besta movida por seus instintos mais elementares, o romeno era facilmente encantado. Não demorava, ele começava a remar em sua direção. Ela então flutuava de peito para cima, mostrando seu corpo sedutoramente, coberto apenas por uma fina camada de água. Embora não fosse alta, Calidora tinha um corpo esbelto e bem feito. Seu sorriso era lindo e muito sedutor. Quando a vítima chegava bem perto, ela abria seus braços e chamava. O alucinado contrabandista caía n'água para tê-la. Ao recebê-lo, o enlaçava com os braços, beijava e o levava para o fundo. Era lá que sugava seu sangue e o matava afogado.
Era comum virem mais de um. Dois era a quantidade perfeita, um para cada uma. Quando vinham três, deixávamos o terceiro fugir. Isto não era anti-estratégico, pois era importante que criássemos um mito aterrorizador, isso nos protegia. Nos fazia parecer fantasmas, demônios indestrutíveis. Um fugitivo sempre contaria sua pavorosa aventura para outras pessoas, e estas tremeriam dos pés à cabeça ao escutá-lo. Por outro lado, não afugentávamos de todo os contrabandistas, pois sempre existirão os incrédulos, os audaciosos e aqueles que se aventuram em nome da ganância.
No início, eu apenas esperava escondida a hora de atacar os contrabandistas. Depois, tomei coragem de ficar nua, para seduzi-los. Embora eu não soubesse cantar, conseguia muitas vítimas graças ao meu corpo. Não os chamava, apenas ficava ali, próxima à Calidora, olhando para eles e nadando displicentemente. Como não percebessem nossas presas, que se ressaltavam apenas à hora do ataque, jamais se davam conta de que nadavam rumo à morte.
Consumíamos apenas uma pequena parte da mercadoria que levavam. A maior parte Calidora negociava com os ciganos. Nós os esperávamos sempre nas luas cheias, numa encruzilhada na floresta. Eles chegavam calmamente à cavalo. No início, apenas Calidora os esperava, eu permanecia escondida atrás de uma árvore. Ela os recebia carinhosamente, com beijos e carícias. Deixava então que analisassem a mercadoria. Sempre ela era de seu gosto. Em troca, eles davam à ela perfumes, queijos, linguiças, potes com doces, tecidos lindos e outros mimos de terras distantes. Também sempre traziam um ou dois odres com leite de cabra.
Porém, a permuta não acabava ai... Já na primeira noite, vi Calidora se entregar a dois ciganos. Ela se pôs de quatro e deixou que um deles a montasse por trás, enquanto felava o outro. Este último gemia e fazia qualquer promessa de amor lá em sua língua, enquanto lhe acariciava os negros e sedosos cabelos. Uma vez satisfeitos, despediram-se dela, montaram em seus cavalos e foram embora, levando a mercadoria.