segunda-feira, 30 de julho de 2012

TEMPESTADE


Santuário em Csiksomlyó (antiga Somlyó), no local onde os székelys venceram as tropas de János Sigismond, no dia de Pentecostes de 1567.


Ao amanhacer, nossos homens tiveram de limpar a frente do castelo com panos protegendo-lhes as narinas, pois o odor dos corpos era de uma podridão indescritível. Mesmo aqueles que estavam calcinados até os ossos, exalavam um fartum ácido, que parecia vir do próprio inferno. Aquele foi um sábado que começou cheirando à morte! Todos os corpos foram enterrados em uma grande vala e encobertos com cal.
Embora o sol da primavera estivesse forte aquela manhã, permaneci fora, ao lado de Mika e dos homens. Protegi-me sob uma capa, mantendo o rosto sempre debaixo do capuz, para que a claridade não me incomodasse tanto. O calor ruborizou minhas mãos, mas apenas Mika notou isso.
Enquanto limpavam a praça de combate da noite anterior, um jovem cavaleiro székely chegou a cavalo, a todo galope. Sem fazer rodeios, anunciou:
_Preparem as tropas, o exército do príncipe está a caminho! São muitos homens! Já estão a menos de um dia de viagem daqui! _anuncia o ofegante rapaz.
Mal terminou de ouví-lo, Mika não pensou duas vezes, determinou:
_As mulheres e as crianças devem permanecer no mosteiro! Deixaremos alguns homens lá. Todas as mulheres que forem mais graúdas em tamanho devem permanecer armadas, de guarda nas janelas. Se os soldados do príncipe entrarem, a ordem é que os ataquem com o que tiverem nas mãos, com dentes e unhas se for necessário. Em caso de desvantagem, não devem exitar em incendiar tudo!... Quanto a nós, devemos nos reunir no campo ao pé do morro! Parte de nosso contingente deve permanecer escondido na floresta, atrás, e só atacar após o início da batalha, como reforço! Irina, você ficará no comando desta tropa.
_Sim! _lhe respondi prontamente.
Neste momento, Marton apareceu com um pequeno exército de cerca de quarenta aldeões que vinha em fila. Mikca olhou para a tropa com surpresa e Marton lhe explicou:
_Eles querem lutar.
Antes que Mika respondesse o que quer que fosse, um dos aldeões, magro e de músculos rijos, como um bode, se adiantou:
_Senhor, nos deixe lutar! Seu exército precisa de reforços. Somos fortes e temos nossos facões e foices como armas.
_Mas e suas famílias? _questionou Mika.
_Tenho duas filhas em idade de casar e não quero vê-las estupradas pelos infiéis. _explicou o aldeão. _Por isso, senhor, lhe suplico!...
Sentindo firmeza em seu pedido, Mika assentiu com a cabeça. Voltou-se então para Marton e disse:
_Ainda sobraram alguns mosquetes, dê a eles!
Marton assentiu e Mika voltou-se para mim:
_Irina, você fica com eles na floresta.
Assenti com a cabeça. Porém, ao ouvirem meu nome, alguns aldeões se sobressaltaram, olhando para mim com desconfiança e temor. Percebendo sua reação temerosa, o líder de músculos de bode os censurou:
_Deixem de asneiras! Preferem morrer nas mãos dos infiéis?!...Virarei um vampiro hoje, se isto for necessário para salvar minha família!...
Desconcertados, eles se baixaram o olhar. Mika, no entanto, com este incidente, teve um lampejo. Voltou-se para mim e disse-me ao ouvido.
_Pensando bem, é melhor você se disfarçar de homem. Acho que os soldados de Sigismond estão loucos para pegar você. Se eles verem uma mulher no campo de batalha, saberão que é você.
Assenti a cabeça positivamente, concordando. Ele continuou:
_Lhe arranjarei um traje, fique tranquila. Ah!... E não solte os cabelos.
Ri levemente em resposta, com o último conselho.
Neste momento, inusitadamente, frei Emil surgiu com o abade, frei György, mais dois noviços. Estavam todos paramentados para a missa e carregavam o cálice e o cibório, ambos devidamente cobertos pelos sanguíneos. Vendo que não me assustava, os aldeões pareceram se acalmar.
A pequena comitiva eclesiástica parou diante dos soldados e estes, percebendo que iria se realizar um evento religioso, se ajoelharam prontamente, sem que fosse preciso o abade pedir. Apenas eu permaneci de pé. Olhei então para frei Emil por um instante e me retirei. Ele baixou o olhar em resposta, compreendendo minha atitude, porém sem aceitá-la em seu coração. Mika contou-me o que aconteceu depois.
Uma vez que todos os fiéis estavam prontos, frei György começou:
_Queridos irmãos, vim aqui apenas para lhes lembrar que hoje é o dia de Pentecostes. O dia em que o Senhor enviou seu Espírito aos apóstolos e estes realizaram grandes prodígios. Peço então ao Espírito de Deus que vos ilumine e conceda poder para lutar contra nosso obstinado inimigo, assim como concedeu força sobre humana a Sansão e destreza a Davi, quando este teve de lutar contra Golias. Quero agora que peçam perdão por seus pecados em seu coração...
Os homens baixaram a cabeça e, de joelhos, balbuciaram seu pedido de perdão, ou simplesmente o fizeram em seus corações. Frei György então concluiu:
_Senhor Deus, peço que nos conceda força e perseverança neste momento tão crucial e que nossa Santa Mãe interceda por nós em nome de teu Filho, in nomine patris, et filii, et espiritus sancti. Amen!
Todos fizeram o sinal da cruz em resposta. Uma fila então se fez em frente a frei György e este deu início à comunhão.
Enquanto a cerimônia seguia, experimentava as roupas que Nándor me emprestara. Apenas a camisa me serviu, as calças ficaram muito apertadas, por conta de meus quadris mais largos. Nándor era alto, mas um tanto magro. Mais uma vez acabei ficando à moda dos dácios. Só que desta vez, tive o cuidado de improvisar uma calça curta por debaixo da camisa. A confeccionei recortando a parte dos quadris de uma velha calça do rechonchudo Szabolcs. Ela me cobria somente a partir do alto da dobra das coxas, deixando os movimentos de minhas pernas livres e protegendo minhas vergonhas, ao mesmo tempo. Pus então a capa, baixei o capuz e voltei para o meio dos homens.
Mal o piedoso evento teve fim, nosso olheiro aparece a todo galope:
_Preparem-se, eles estão vindo!...
Já montada em Agathon, surgi entre meus homens e os chamei:
_Vamos! Para a floresta!
Eles obedeceram sem pestanejar. E diria mesmo que me seguiriam até o inferno, tanto que olhavam para as minhas pernas. Nos escondemos à sombra dos pinheiros. Pedi a Dionísio, em meu coração, que a sombra nos ocultasse o suficiênte. Roguei também à Mãe Vênus que me concedesse um céu sombrio, para que eu também pudesse lutar. Os homens de Mika se organizaram no campo. Estavam prontos para matar e morrer. Haviam enfrentado demônios na noite anterior, por isso não temiam mais nada!
Em meu canto, montei em Agathon e preparei-me. Meu príncipe árabe relinchava, já excitado para sair a galope. Mas eu o continha:
_Calma, meu príncipe, calma!... _sussurrava em seu ouvido, acariciando seu rosto e penteando sua crina com os dedos.
Vi o imenso exército de Sigismond surgir no horizonte, como uma inundação! Estava descansado e bem armado, ao contrário do nosso. Mesmo assim, nossa infantaria aguardava o inimigo de mosquete em riste, disposta a matar, ou morrer!... Gritando furiosa, a infantaria do príncipe subiu em direção aos székelys. Nossos homens esperaram até que se aproximassem o suficiente. Quando puderam olhar nos olhos do inimigo, dispararam a primeira leva de tiros. Os primeiros corpos caíram sem vida, rolando morro abaixo.
Enquanto nossa ala de frente recarregava seus rifles, a segunda já se erguia e disparava. Os soldados do príncipe, no entanto, eram como o fogo, avançando morro acima como se a grama e a terra os alimentasse. Nossos primeiros mortos caíram em meio a disparos, manchando o verde da grama com o vermelho de seu sangue. Uma sucessão de disparos se seguiu, com corpos tombando de ambos os lados, feridos, ou mortos. A infantaria do príncipe parecia brotar do chão. Quando não convinha mais gastar munição e o choque entre as tropas mostrou-se inevitável, as espadas foram desembainhadas. Os homens se engalfinharam!... Ouviu-se gritos e ranger de dentes!
A cavalaria de Sigismond então aproveitou para mostrar sua força. A todo galope, subiu e se lançou contra nossa infantaria. Já preparado, Mihail deu ordem a nossos cavaleiros:
_Atacar!
Gritando, nossos cavaleiros desceram sobre o inimigo como vespas! A confusão mortífera da batalha se fez presente. Meus homens já se impacientavam para entrar em combate.
_Senhora, deixe-nos ir! _suplicava o aldeão líder.
Eu simplesmente lhe respondia:
_Calma! Se entrarmos muito adiantados, atrapalharemos os homens de Mihail!
Isto era um fato, mas meu coração agonizava por não ver uma única sombra encobrir o sol. Na batalha, não conseguiria me encobrir o tempo todo com a capa. No campo, para meu desespero, os homens de Mika começavam a cair em desvantagem, frente ao grande número de soldados inimigos. Neste momento crucial, Vênus me concedeu sua graça!... Nuvens sombrias carregadas surgiram e um céu escuro e tempestuoso se formou. Dei um beijo no rosto de Agathon e lhe sussurrei no ouvido:
_Vamos lá, meu menino, é hora de entrarmos na festa!...
Com um grito, dei ordem para meu exército partir:
_Atacar!
Meu belo príncipe partiu a todo galope, meus homens nos seguiram, gritando furiosos! Surgimos da floresta como assombrações. Como que desobedecendo o conselho de Mika, com a velocidade do galope, meu capuz descobriu minha cabeça. Sentindo o vento tempestuoso em meus cabelos, desembainhei minha espada. Como uma tempestade, meu exército adentrou na batalha. Os soldados de Sigismond se assustaram com nossa chegada. Seus capitães arregalaram os olhos! Como vampiros famintos de sangue e carne, meus guerreiros começaram a matar. Vendo-os cair sem medo sobre os soldados do príncipe, lembrei-me mesmo dos lobos, durante os ataques às tropas de reforço.
Por meu turno, com minha espada, rasguei o rosto do primeiro incauto. O segundo recebeu uma estocada entre as costelas, no lado esquerdo. O terceiro teve a garganta aberta. O quarto veio a todo galope, por trás, pronto para descer sua espada e me partir a cabeça ao meio. Mas senti sua chegada e puxei minha adaga direita, que cravou-se em seu coração. Sem pestanejar, tomei minha pistola, voltei-me para frente, e estourei os miolos do cavaleiro que já se lançava à dez pés de distância. Guardei então a pistola e chamei de volta minha adaga, que derrubou o corpo do cavaleiro ao se desencravar de seu peito.
Não demorou para que o espaço à minha volta se abrisse. Pois o que o inimigo via à sua frente era uma assustadora vampira ruiva, com os olhos mais vermelhos que os próprios cabelos e as presas prontas para se banhar em sangue. Não pude evitar, quando enfurecida, minha natureza feroz se mostra. Para a infelicidade de Mika, não dava para esconder quem eu era. Eu era a odiada e aterradora Irina, o flagelo do exército de János Sigismond!...
Como balas caindo do céu, senti os pingos de água me acertarem direto na cabeça e nas costas. A tempestade finalmente desabou!... O mundo rugia! O sangue escorria sobre o chão como se fosse um rio. Durante um tempo que pareceu interminável, a fúria da guerra se fez presente. Os homens se batiam, fosse de pé, fosse deitados. Lembrei-me das almas danadas, que se contorciam no rio do inferno, na Comédia de Dante. Foi quando percebi que a batalha "escorria" morro abaixo. "_Não acredito!... Eles estão recuando!...", pensei comigo.
 E de fato, tão logo a chuva abrandou, ouvimos os gritos do comandante inimigo:
_Recuar! Recuar!...
Era inacreditável!... O imenso exército de Sigismond batia em retirada! Reduzido que estava a poucos sobreviventes, que agora fugiam assustados. Aos gritos, nossos homens festejaram. Ensopada dos pés à cabeça, suja de sangue e lama, também ergui a espada... e gritei!...

sábado, 21 de julho de 2012

BENÇÃO


 
Enquanto frei Emil e Andrei acordavam os criados, corri para o castelo. Em minha mente, chamava por Mihail.
_Mika, acorde! Acorde! Mika!
Sentindo meu desespero e entendo, mesmo sem palavras, a razão de minha aflição, ele despertou. Ao seu lado, Mayann também despertou assustada.
_O que foi, Mika?
Ele simplesmente pulou da cama e respondeu sem rodeios:
_Vamos ser atacados! Leve as crianças para o mosteiro e fique lá! Rápido!...
Em pouco tempo, todos estavam acordados. As mulheres corriam para o mosteiro, levando as crianças. Os homens armavam os canhões e carregavam os mosquetes no castelo. Pedi então a frei Emil:
_Diga ao abade para ficar de vigílha, rezando o terço! Diga para rogarem para a Virgem Maria por proteção! Dê ordem para que ninguém deixe a igreja, por nada neste mundo!...
_S-sim... _respondeu ele atordoado.
Tão logo ele cumpriu minhas ordens, o puxei pelo pulso e determinei:
_O senhor ficará comigo, no castelo! Deixe Andrei conduzindo a oração com as mulheres! Venha!
Fomos então nos juntar a Mika, Marton e os demais homens. Para meu horror, mal o povo se reunira na igreja e os soldados se puseram a postos, um estranho vento surgiu da floresta e gelou a todos. Os soldados se assustaram. Olhei para a escuridão, entre as árvores, e pude divisar pontos vermelhos como fagulhas se aproximando. Traian e seu exército estavam vindo.
Não demorou para que sua imagem terrível aparecesse, montados em cavalos com as órbitas dos olhos reviradas, sinal de que estavam possessos. Ao ver vampiros tomando a frente do castelo, muitos homens que se encontravam nas janelas e no sacada, se acovardaram e correram para dentro, aos gritos. Desesperado, Mika pediu-me socorro:
_Irina!... O vamos fazer?!... São vampiros!...
_Calma! Frei Emil, venha aqui!
Enquanto meu assustado frei se aproximava tremendo de horror, os mais corajosos de nossos homens já atiravam das janelas. Dois tiros de canhão foram desparados, espedaçando alguns demônios lá embaixo. A maioria porém, já subia pela muralha sem usar cordas ou escadas, sinal de que conheciam bem seus poderes. Montado em seu cavalo, com um pálido e horrível semblante _que trazia olhos vermelhos injetados, por ter bebido muito sangue! _Traian vociferava:
_Subam! Tomem o castelo! Há muito sangue para vocês!... Subam demônios!...
Infelizmente os primeiros soldados de Traian alcançaram nossos soldados das janelas e da sacada, puxando-os e jogando-os para baixo. Estes não caiam ao chão, mas nas mãos e presas famintas dos soldados vampiros, que mordiam seus membros e pescoços sem piedade. Os pobres homens gritavam de dor e horror. Mais que depressa, Mika ordenou aos outros:
_Vamos! É sua vez! Atirem nos vampiros! Atirem também nos que caem! Não os deixem ser amaldiçoados! Vamos! Não se acovardem!...
Sem alternativa, os homens corriam e começavam a atirar. Muitos preferiam usar bestas, pois eram mais rápidas para serem armadas. Marton e seus filhos usavam o arco e a flecha, uma vez que eram exímios nessa arte. Mais tiros de canhão também foram disparados. Percebendo as perdas devido às armas, Traian ordenou:
_Atirem!
Seus horríveis soldados, montados ou não, começaram então a atirar com mosquetes e bestas. Muitos de nossos homens _pelo menos sete _cairam alvejados. Miklos, filho de Marton, gritou ao ser atingido por uma seta no braço direito:
_Aaah!...
Enquanto os homens se empenhavam ao máximo de sua força e coragem, eu preparava meu ataque secreto com frei Emil. Mandei alguns homens trazerem imensos caldeirões cheios d'água. Em seguida, roguei ao meu eclesiástico amigo:
_Abençoe-a! Vamos! É nossa única chance!
Cheio de horror, fechando o rosto entre as mãos, ele fraquejou:
_Não posso, sou um miserável pecador!... O inferno veio me buscar!...
_Deixe de asneiras! Coragem! Uma vez o senhor me disse que é mero instrumento nas mãos de Deus! Agora vamos! O senhor ainda tem sua fé!...
Tremendo, pranteando, ele engoliu sua agonia com um grande e seco soluço, fechou os olhos, estendeu as mãos e começou:

_Exorcizo te, creatura aquæ, in nomine Dei Patris omnipotentis, et in nomine Jesu Christi, Filii ejus Domini nostri, et in virtute Spiritus Sancti: ut fias aqua exorcizata ad effugandam omnem potestatem inimici, et ipsum inimicum eradicare et explantare valeas cum angelis suis apostaticis, per virtutem ejusdem Domini nostri Jesu Christ: qui venturus est judicare vivos et mortuos et sæculum per ignem
Deus, qui ad salutem humani generis maxima quæque sacramenta in aquarum substantia condidisti: adesto propitius invocationibus nostris, et elemento huic, multimodis purificationibus præparato, virtutem tuæ benedictionis infunde; ut creatura tua, mysteriis tuis serviens, ad abigendos dæmones morbosque pellendos divinæ gratiæ sumat effectum; ut quidquid in domibus vel in locis fidelium hæc unda resperserit careat omni immunditia, liberetur a noxa. Non illic resideat spiritus pestilens, non aura corrumpens: discedant omnes insidiæ latentis inimici; et si quid est quod aut incolumitati habitantium invidet aut quieti, aspersione hujus aquæ effugiat: ut salubritas, per invocationem sancti tui nominis expetita, ab omnibus sit impugnationibus defensa. Per Dominum, amen.

Quando terminou, beijei-lhe o rosto e logo em seguida ordenei:
_Joguem sobre os vampiros! 
Os homens obedeceram prontamente. Com dificuldade, mas com convicção, levaram os caldeirões até a muralha e despejaram a água gritando:
_Água!!!...
Mal a água tocou os vampiros, seus corpos soltaram vapores como se estivem sendo escaldados. Caindo muralha abaixo, soltavam gritos horríveis, inumanos. Mal os primeiros caldeirões foram esvaziados, a segunda leva já ia sendo conduzida para cozinhar mais demônios. Frei Emil continuava comigo, agora benzendo as armas, as balas e as flexas de soldados que estavam ajoelhados, recebendo benção e pedindo perdão de seus pecados. Alguns rezavam o Ato de Contrição.
A esta altura, alguns vampiros já adentravam à sacada. Mas eram imediatamente alvejados por setas, balas e espadas abençoadas, que queimavam ao tocá-los. Com gritos pavorosos, soltando fumaça de seus ferimentos, eles morriam. Juntando-me aos homens, saciei minha fúria, degolando de imediato dois desgraçados. Quando todos eles jaziam já sem vida ao chão, fui até a sacada. A quantidade de vampiros ainda era imensa. Havia ali perto cem demônios!
Pensando rápido, ordenei aos homens:
_Tragam azeite!
Odres de azeite foram trazidos o mais rápido possível. Frei Emil abençoou o azeite e, seguindo minhas ordens, os homens besuntaram o corrimão da sacada e as beiçadas das janelas. Isso isolou a entrada dos vampiros de Traian, cujas mãos queimavam ao ponto de soltar a pele das palmas, tão logo tocavam no azeite. Em vista disso, não demorou para que os demônios trouxessem um tronco de pinhero e começassem a usá-lo como aríete, tentando arrombar o portão principal. Ciênte de que eles entrariam cedo ou tarde, arrisquei minha última tentativa: mandei preparar setas incendiárias e pedi a frei Emil: 
_Abençoe o fogo! 
Meu bom amigo o fez sem pestanejar. O resultado foi surpreendente! Tão logo as setas atingiam os demônios, estes se incendiavam por inteiro e, se tocassem em mais outro, este também se incendiava. A condição demoníaca era seu combustível! Sendo assim, uma sucessão de explosões incendiou a quase totalidade do exército de Traian, tão logo uma saraivada de setas abençoadas os atingiu. As explosões foram tão assustadoras, que nossos homens protegeram o rosto, com medo de serem eles próprios incendiados.
Traian gritava sem parar, ordenando para que seus pouquíssimos guerreiros restantes recuassem. De repente, uma seta acertou sua coxa. Infelizmente, ela não era incendiária. Porém, seu ferimento ferveu!... Soltando um grito demoníco, ele retirou a seta da perna. Sua luva e sua mão queimaram, como se a haste fosse ferro em brasa. Cheio de ódio, vociferou:
_Prostituta!!!
Em seguida, tocou o cavalo floresta adentro.

sexta-feira, 20 de julho de 2012

PERIGO




Pensar que a noite seria tranquila foi um terrível engano. Horas já haviam se passado do enterro de Nicolae e a madrugada deitava suas horas misteriosas quando, no reino dos mortos, recebi uma mensagem inesperada. Vagava novamente próxima ao salgueiro onde Oanna me levara, quando uma voz conhecida me chamou:
_Irina... Irina!...
Voltei-me para trás e vi, para minha total estupefação, Mircea e Ciprian, escondidos dentro do tronco do salgueiro. Suas fisionomias estavam mudadas, mostrando-se sadia, normal, apesar dos sembalntes preocupados. Fui até eles e recebi de imediato a primeira má notícia:
_Irina, perdoe-nos por desapontá-la, mas estamos mortos. _revelou Ciprian.
_Como?!... _Indaguei atordoada.
Mircea respondeu:
_Traian! Traian, Irina! Seu exército nos matou...
_Sim. _completou Ciprian. _Lutamos o quanto podemos, até despachamos seis dos deles, mas eles nos pegaram... Veja!...
Imediatamente visualizei a emboscada em que meus amigos cairam, a meio caminho de Somlyó, quando os enviei. Tenebrosos soldados vampiros _todos montados _dos quais eu só conseguia divisar a terrível silhueta, as presas e os injetados olhos vermelhos, cercaram meus companheiros. Estes brandiram suas espadas e ceifaram as vidas dos primeiros que deles se aproximaram. Mas uma seta atravessou o coração de Mircea e ele estacou. Ciprian olhou, sem acreditar, para seu companheiro alvejado. De repente, uma seta, seguida de outra e mais outra, acertaram-lhe certeiramente o peito. O sangue começou a escorrer do canto de sua boca. Outras setas se cravavam nas costas de Mircea e ele tombou sobre o cavalo, os olhos revelando esforço em continuar vivo. Ele, porém, os fechou e então espirou. Vi então uma bota suja de lama o empurrar de cima do cavalo, fazendo-o tombar no chão. Era ele... mais fantasmagórico que nunca... Traian!... Neste momento a visão se desfez.
_Onde estão Ioan e Florin? _indaguei desesperada.
_Não sabemos, não os vimos por aqui... Fomos atacados enquanto eles estavam dando água para seus cavalos. _respondeu Mircea.
Meus olhos marejaram de lágrimas e o desespero me tomou. Mircea continuou:
_Eles estão indo para Somlyó, Irina. Logo chegarão ai...
_Eles não podem entrar no castelo, nunca foram convidados! _argumentei.
Mircea me desconcertou:
_Podem sim! Traian tinha permissão de seu pai para entrar no castelo com seus homens quantas vezes quisesse. Como seu pai jamais o proibiu formalmente de entrar em sua morada ele, e qualquer exército por ele comandado, estão imunes aos anjos que guardam seu castelo.
_O que?!... _exclamei pasma. _Quem lhes disse isso?...
_Friderika nos informou. _respondeu Mircea sem pestanejar.
Meu espírito se atordoou. Calei!... Friderika era o nome da minha avó, mãe de papai. Não a conheci, pois nasci anos após seu falecimento. Ao me ver paralizada, impaciênte, Ciprian rogou:
_Acorde, Irina! Eles estão chegando! Acorde! Pelo amor de Deus!
_Acorde, Irana! Acorde! _clamou também Mircea.
Ergui-me da cama com um gemido de desespero. Frei Emil surgiu logo em seguida, me baraçando e me acariciando os cabelos:
_O que foi minha menina? Calma, foi apenas um pesadelo!...
Abracei-o com força e respondi:
_Não! Não foi um pesadelo, foi um aviso!...
_Como assim?... _indagou frei Emil sem entender.
Olhei para ele desesperada e roguei:
_Frei... acorde a todos! Leve todos para o mosteiro!...
_Para o mosteiro, mas... por que?...
_um grande perigo está vindo!
_Grande perigo? Mas... que perigo?...
Não querendo assustá-lo, nem fazer pensar que estivesse louca, simplesmente respondi:
_Os soldados do príncipe, eles estão vindo! Leve todos para o mosteiro! Rápido!...
_Ó, meu Deus!.. _exclamou ele se benzendo.
_Rápido! _exclamei já pulando da cama.

terça-feira, 17 de julho de 2012

DEGREDADOS FILHOS DE EVA



Uma vez satisfeita, joguei o corpo do conde para o lado. Com a boca e o corpo banhados de sangue, ergui-me e dei com olhos em Mihail, que assustado, se limitou a dizer:
_Acabou, Irina. Acabou...
Olhei então para o lado, para o corpo de Nicolae preso à parede. Já plena de forças, desencravei a lança e retirei-a do corpo de meu irmão. Tomei-o em meus braços e, com os olhos vertendo lágrimas, acariciei seu rosto. De olhos fechados, ele simplesmente parecia dormir sereno, como uma criança. Senti então Mihail tocar em meu ombro e deitar sua cabeça sobre a minha. Ficamos assim até outros székelys adentrarem à sala. Haviamos tomado o castelo. A que preço!...
Foi preciso Mihail intervir para que eu largasse do corpo de Nicolae. Ele e nossos companheiros começaram a carregá-lo para fora. Cheia de dor e ira, cortei a pele que ainda prendia a cabeça do conde ao corpo. Tomei uma tocha da parede, segurei a cabeça pelos cabelos _com os dentes! _e subi até o teto. Lá, do alto, com uma tocha na mão e a cabeça do conde em outra, gritei:
_Székelys!!!...
No pátio e mesmo em frente ao castelo, todos os guerreiros voltaram seu olhar para mim. Ao me verem seminua, com a cabeça do conde nas mãos, gritaram em coro! De olhos vermelhos, eu sorria como uma fera e exibia meu troféu. Por fim, atirei-o aos guerreiros. Estes se bateram para juntá-la do chão e erguê-la, gritando ao confirmar que era mesmo o bandido.
A alvorada já se insinuava e eu retornei para o interior do castelo. Mihail vestiu-me com sua camisa, ficando apenas com o casaco. Quando deixamos o castelo _que, incendiado, erguia uma imensa coluna de fumaça negra _uma fileira da cabeças empaladas enfeitava sua frente. A de conde Vladmir jazia suspensa numa estaca mais alta, em meio a de seus soldados.
Nos apressamos para retornar à Somlyó, pois sabíamos que a represália de Sigismond não tardaria. Ao meio do caminho, banhei-me no velho Olt e lavei a camisa de Mihail, que era o único traje que possuía naquele momento. Enquanto aguardava ela secar, cobri-me com uma capa que Mika arranjou. Quando finalmente pus-me pronta para a viagem, achei engraçado vestir-me daquela forma, à moda dos dácios: túnica curte e leve, cingida por uma cinta com espada, mais a capa. Todos as almas de homens dácios que encontro no reino dos mortos se vestem assim. E foi assim, trajada como um dácio, que parti para Somlyó.
Chegamos ao entardecer. Foi doloroso ver nosso castelo semidestruído. Quanta desgraça se sucedeu à minha partida!... Porém, tão logo avistei uma imagem ao longe, meu coração saltou:
_Aaaaaahhh!!! _gritei de alegria.
Saltei de Agathon e corri para abraçar frei Emil! Com os olhos cheios de lágrimas, os cabelos mais brancos e aparência sofrida ele me abraçou e chorou comigo.
_Calma, minha menina. Está tudo bem... _repetia ele me acalentando, enquanto eu soluçava em seu ombro.
A alegria de nosso reencontro só foi cortada quando o corpo de Nicolae, embrulhado em um cinzento e roto lençol de lã, foi retirado do coche que o levava. Frei Emil se aproximou dele, tocou-lhe a fronte e esclamou quase balbuciando:
_Santa Mãe...
Em seguida fechou os olhos e balbuciou uma leve oração. O corpo foi então colocado em uma pequena carroça, para ser levado para a capela, onde seria velado. Neste momento, aos berros, chega Greta, acompanhada de uma bela jovem de aspecto sofrido, que reconheci ser Maryann:
_Nicolae! Nicolae!...
Ao vê-lo morto, não se conteve e saltou sobre o corpo do marido.
_Nãããããoooo!!!... _berrou. _Aaaaaaahhhh!!!...
Maryann tentava acalentá-la, mas ela estava histérica e fugia de suas mãos, gritando descontroladamente. De repente, ergueu o olhar para mim e começou a me acusar, vociferando:
_É culpa sua! É tudo culpa sua! Sua vampira maldita! Sua prostituta incestuosa! É culpa sua!!!...
Suas palavras me feriram como facas e lágrimas de indignação verteram de meus olhos. Conhecendo meu temperamento, frei Emil se apressou em me abraçar, ao mesmo tempo me contendo e me consolando das injúrias. Temendo uma violenta briga, Maryann agarrou Greta e a foi levando para dentro. Esta continuava a berrar e a se descabelar como uma louca.
Depois deste triste episódio, frei Emil me levou para a casa paroquial, onde eu iria me acomodar, junto a ele e Andrei. Este estava um tanto magro e abatido, por conta das privações da guerra, mas me abraçou com força e amor ao reencontrá-lo. Não pude controlar as lágrimas ao revê-lo. Éramos todos pobres e sofridos pecadores, degredados filhos de Eva!
Meu quarto estava sendo ocupado por Mihail, Maryann e seus filhos, que ela me apresentou com satisfação, pouco depois de acalmar Greta:
_Este é Krisztián, meu mais velho. _disse me mostrando um fofo rapazinho de uns três anos, praticamente a cópia de Mihail quando criança.
Agachei-me _tendo cuidado de fechar um pouco as pernas, pois ainda vestia a camisa de Mihail _e abracei e beijei meu lindo sobrinho.
_Oi, Krisztián, sobrinho lindo da titia! _mimei-o.
Neste momento, Mihail aparece carregando Judit, de apenas quatro meses. Não resisti ao ver aquela coisinha fofa, que era a cara da mãe, Maryann.
_Que linda! Que fofurinha!... _exclamei já tomando-a nos braços.
Cuidadosamente, para que Greta não soubesse, Maryann me apresentou os filhos de Nicolae: Joszef, de cinco anos _que lembrava muito papai! _Ádám, de quatro _que lembrava o avô paterno, Béla _e a pequena Micheller, de dois aninhos _cópia de Vladia. A todos abracei, beijei e mimei. Depois, Maryann me emprestou um de seus vestidos, essência de sândalo para os cabelos e um frasco de perfume de rosas, para que eu usasse após o banho. Ainda caminhei e conversei bastante com ela, até quase a hora do enterro de Nicolae. Este foi velado durante três horas e depois enterrado junto ao sepulcro de minha mãe. Não acompanhei seu velório. Seu enterro vi de longe, quando a duda começou a cortar meu coração com sua melodia _enquanto o caixão de era descido à sepultura _e as tochas iluminavam a escuridão da noite.

sábado, 14 de julho de 2012

IRA



Saudei Mica com um sorriso e voltei a lutar. Como um enfurecido Sansão, Nicolae ergueu e jogou o corpo de um soldado sobre seus companheiros, que foram atingidos em cheio. Aqueles que tinham o infortúnio de chegar próximos dele, ou eram cortados com a espada, ou eram puxados e sugados com voracidade. Por ordem mental minha, Nicolae arrancava um grande naco de carne do pescoço de suas vítimas, inviabilizando seus corpos para a maldição. Ver aquele aterrador vampiro, de olhos varmelhos, vidrados, sugando o sangue e mastigando a carne de seus colegas era espetáculo tenebroso demais para os soldados sobreviventes, que fugiam gritando. Enquanto isso, eu e Mihail batíamos os soldados à nossa volta, cortando gargantas e abrindo ventres.
Uma vez esvaziada a sala em que estávamos, rumamos para a sala de reuniões do conde. Este, cercado de vários soldados, já acuava quatro pobres székelys, dos nove que ali haviam entrado. Os outros cinco jaziam mortos no chão. Mal adentrou ao recinto, Nicolae pegou dois soldados pelo pescoço e os jogou como espantalhos sobre quatro de seus colegas. Um deles acabou com o ventre transpassado por uma lança. Tomado por seu transe de fúria, Nica tomou o machado de um soldado morto e começou a "ceifar" tudo o que estivesse à sua frente. Mãos eram decepadas, cabeças tombavam para as costas, outras literalmente rolavam pelo chão. O machado, por fim, acabou por cravar-se nas costelas de um soldado gordo. Sem piedade, Nica pisou no peito do soldado e desencravou a lâmina. O gordo berrou um grito fino e engasgado, ao ver seu fígado se derramar após a lâmina se desprender.
Por seu turno, Mihail batia sua espada contra o capitão do conde. Este, em um patamar mais alto da sala, emitia ordens desesperadas para seus soldados:
_Matem este demônio! _berrava com olhos arregalados de terror por Nicolae.
Nicolae, no entanto, matava e aleijava o que quer que se aproximasse dele. Não tendo mais quem abater, passou a subir calmamente os degraus do patamar onde se encontrava o conde. Desesperado, este tomou uma lança da parede. Nicolae simplesmente aproximou-se e, com um tapa, jogou a lança longe. O miserável conde, no entanto, era um velho matreiro. O tapa o fizera cair batendo-se contra a parede. Ao perceber uma tocha suspensa sobre sua cabeça, com uma rapidez de felino, ergueu-se, tomou-a nas mãos e apontou-a para Nicolae. O manteve à distância assim, enquanto se aproximava novamente da lança. Nica tentava derrubar a tocha desferindo tapas no ar, mas temia queimar-se. Ao chegar próximo o suficiênte  da lança, o maldito conde lançou-lhe a tocha ao rosto. Nica atrapalhou-se ao defender a face. Conde Vladimir aproveitou seu momento de vulnerabilidade e desferiu um chute em seu estômago, empurrando-o para a parede. Mal Nicolae recompôs-se do empurrão, uma lança atravessou-lhe o coração, prendendo-o à parede. O conde conseguira seu intento! Desesperada, soltei um grito agudo:
_Nãããooooo!!!...
Cheio de ódio, o conde gritava contra Nicolae:
_Morra seu vampiro maldito! Morra!
Sentindo o conde enterrar-lhe o mais possível a lança ao peito, Nicolae resfolegava, golfava sangue pela  boca e tentava arrancá-la em vão. Por fim, suas forças o abandonaram e ele espirou. Gritei:
 _Aaaaaaaaaaaaahhhh!!!...
Abrindo os braços, joguei para os lados os soldados com quem lutava e corri na direção do conde. O bandido, no entanto, tomou mais outra tocha da parede e arremeçou-a contra mim. Com o pensamento muito rápido, percebi que só podia me defender revestindo meu corpo com uma aura invisível de força. Encobri-me então com a capa e curvei-me. A tocha caiu sobre ela e incendiou-a. O fogo a consumia, mas não me tocava a pele e nem os cabelos, pois a força o afastava. Porém, eu sabia que não teria força  disponível por muito tempo para manter o fogo longe de minha carne. Corri então até a janela e saltei para o fosso que cercava o castelo. Como uma estrela cadente, mergulhei nas águas turvas. A queda fora tão forte que cheguei a bater com os braços no fundo. Fosse eu uma reles mortal, os teria quebrado. Recobrei então a lucidez rapidamente após o choque e nadei de volta à tona. Com braçadas forte, cheguei até a parede e comecei a escalá-la. Foi quando notei que minhas roupas haviam se tornando andrajos. Pedaços de meu vestido se desprendiam e caiam. O fogo quase o consumira por completo. Acabou ele ficando reduzido à uma tanga, que mal me cobria as coxas e a vulva. Meu tronco estava completamente nu, mostrando meus seios e minha barriga até quase o baixo ventre. Meu corpo, no entanto, não fora maculado pelo fogo, ficando apenas com a pele ruborizada, como se eu a tivesse exposta ao sol do verão.
O mais rápido que pude, cheguei até a janela. Pingando água, saltei então para dentro e vi que três soldados acuavam Mihail contra a parede. Nossos quatro últimos companheiros székelys estavam mortos. Como minhas adagas ainda estavam milagrosamente presas ao meu cinto, puxei-as e atirei-as, ceifando a vida logo de dois. Ambos cairam com as gargantas traspassadas. Percebendo meu retorno, Mica aproveitou-se do susto do soldado à sua frente e traspassou-lhe o peito. Este soltou um gemido sufocado.
Chamei minhas adagas de volta às minhas mãos e caminhei implacável na direção do conde. À esta altura, apenas dois soldados restavam. Um deles simplesmente fugiu apavorado, o outro, estando longe da porta, encolheu-se na parede como uma criança assustada. O conde estava sozinho. Pé ante pé, caminhava até ele, subindo os degraus do patamar. De fato já não tinha tanta força, a aura protetora e a subida da parede do castelo esgotaram minhas últimas reservas. Estava tão forte quanto qualquer mortal exausto. Apenas a ira me movia. Minha fúria se juntava à razão e uma idéia se repetia em minha mente: "_Preciso de sangue. Vou ter de tomar o sangue deste porco!".
Erguendo temerosamente sua espada, conde Vladmir tremia e ameaçava:
_Afaste-se de mim, em nome do santo sangue!... Você não tem mais força, sua criatura do inferno! Posso ver!... _soltou então um leve riso de deboche.
Eu realmente não conseguia esconder meu cansaço, porém, juntei todas as minhas forças para matá-lo. Olhando-o baixo, como o lince, estudei-o e depois desferi o primeiro golpe. Com a mão direita, bati sua espada. Como eu esperava, ele aproveitou o impulso para logo em seguida lançar sua lâmina em contragolpe, em minha direção. Observei calmamente sua espada vir em direção ao meu pescoço. Apesar de fraca, meus reflexos de vampira ainda me valiam. Antes que sua lâmina chegasse _com a adaga da mão esquerda _interceptei seu golpe à meio caminho e decepei sua mão. Esta caiu ao chão ainda segurando a espada.
_Aaaaaaaaaaaahhhh!!!... _gritou o porco segurando o pulso direito, ensanguentado, desprovido de mão.
Sem mais esperar, cruzei as lâminas de minhas duas adagas sob seu pescoço e fiz com que ele erguesse seu olhar para mim. Mirando seus olhos aterrorizados, sem dizer uma palavra, ceifei-lhe a vida. O sangue esguichou em meu rosto. Sua cabeça tombou para as costas, segura apenas por um pedaço de pele. Isso porém não me bastava. Segurei seu cambaleante corpo e o puxei para mim. O sangue derramou como cascata rubra e eu o recebi banhando minha boca. Ajoelhada como se saudasse um rei, fartei-me do sangue do bandido, que escorria sobre meus seios e minha barriga, indo pingar em meus pés.