quinta-feira, 24 de novembro de 2011

ESPECIARIA





















Quando o médico despertou de seu transe, tinha apenas uma tigela de água quente e uma toalha perto de si, sobre o criado mudo. Já se encontrava vestido e de mangas arregaçadas. Minhas irmãs, também recém-despertas, apenas esperavam que ele concluísse seu trabalho. Surpreso, um tanto confuso, ele simplesmente molhou a toalha na água e começou a passar em meu rosto, pescoço e braços. Porém, logo que notou que eu estava serena e com a temperatura normalizada, disfarçou seu desconserto e disse:
_Ela está já está melhor... Vejam!...
Minhas irmãs também demonstraram espanto com minha repentina melhora, mas preferiram festejá-la:
_Graças a Deus! _exultaram Vladia e Mila ao mesmo tempo.
Na verdade, todos estavam confusos. Experimentaram um momento de sonho que não compreenderam muito bem. O médico era o mais confuso, pois ainda estava em dúvida se me possuíra, ou tivera um absurdo delírio. Porém, eu já estava melhor, de olhos fechados, como se dormisse, e isso era o que importava para todos.
Quando levantei, Vladia mandou me servirem uma sopa. Meu poder mental deve ter perdurado ainda um pouco mais de tempo, pois a sopa veio sem alho. Porém, veio carregada de paprika. Kolozsvár é pródiga nessas especiarias, sobretudo as trazidas do Novo Mundo. De minha parte, sempre adorei o açúcar. A Bíblia fala da "terra que mana leite e mel", esta terra não me interessa. Os ciganos, os judeus e mercadores em geral, falam da colônia portuguesa a que chamam Brasil, onde é produzido o açucar. Contam maravilhas dela. Esta terra sim, me interessa, a terra que mana açucar.
Especiaria, porém, foi o que me tornei na casa de Vladia. Todos o seus cliêntes passaram a me olhar como se eu fosse a mais saborosa iguaria do mundo. Apelidaram-me de russa, por conta de eu ser ruiva. Os judeus não se cansavam de me jogar galanteios. Porém, meu sucesso acabou por comprometer a segurança de meu segredo. Um velho rabino, Ismael _que Vladia depois me explicou ser de Êfeso _mal me teve diante de seus olhos, começou a tremer dos pés à cabeça e passou a esconjurar-me em turco, lançando-me uma série de imprecações das quais apenas entendi a palavra lilim. Os judeus que o acompanhavam contornaram a situação, desculpando-se e explicando que o rabino já era muito idoso. Mais que depressa o levaram dali, porém saíram me lançando olhares desconfiados. Diante deste incidente, fui categórica com Vladia:
_Acho que já é hora de eu retornar, irmã.
Ao meio dia do dia seguinte, despedi-me de Mila e Vladia e segui com Ivan de volta para Csik. No carroção, para variar, Ivan levava sacos carregados de paprika.

quarta-feira, 23 de novembro de 2011

PECADO





















Minha estadia no palacete de Vladia poderia ter sido tranquila, se a maldição não se mostrasse intransigente já no segundo dia. Logo ao almoço, comecei a me sentir tonta e enfraquecida. Minhas mãos começaram a tremer e Vladia perturbou-se:
_Irina, o que há? Não está se sentindo bem?
Infelizmente ela pegou em meu pulso e o percebeu gelado.
_Meu Deus, I... Você está gelada!...
Pôs então a mão sobre minha testa e sobre meu rosto e assustou-se ainda mais.
_Santo Deus!... Mila! Me ajude a levar Irna para o quarto, ela está muito mal!
Mila correu para me segurar e pasmou:
_Virgem Maria! Irina!... Você está gelada!... Oh, meu Deus!...
As duas então carregaram-me para o quarto, pois eu estava desfalecendo. Com a ajuda de uma criada, puseram-me na cama. Vladia desesperava-se à medida em que minha aparência mudava:
_I... Nossa Senhora!... Você está pálida! Meu Deus, como você está pálida!...
Voltou-se então para a criada e ordenou:
_Maria, mande Péter buscar o médico! Vá, imediatamente!...
Não podendo me conter, comecei a tremer convulsivamente e a respirar com dificuldade. O quarto de hora que levou para o médico chegar foi o mais desesperador de toda a minha vida. Meu corpo não me obedecia, mas minha mente estava desperta. E ela sabia que eu precisava de calor, precisava de sperma, precisava de sangue!... Se o médico demorasse mais, eu perderia o controle e atacaria minhas irmãs!...
Porém, antes que o pior acontecesse, uma mão quente e máscula aqueceu-me com vigor a testa. Ouvi então a voz jovem e firme do médico ordenar:
_Calma! Tragam água quente, ela está muito fria! Rápido! Também tragam chá, caldo, qualquer líquido quente que ela possa tomar!...
Afastar minhas irmãs foi a melhor coisa que ele poderia ter feito. Tão logo ouvi seus passos seguirem para a cozinha, puxei-o pelo pescoço para junto de mim e, usando toda energia que a maldição me concedia, encantei-o sem nenhum pudor:
_Possua-me!... Possua-me!... Posso ser sua, possua-me!... _repetia olhando fundo em seus olhos.
Um imenso judeu, aparentando 30 anos, com uma basta barba e olhos azuis estava à minha frente, olhando-me nos olhos, não conseguindo entender o que se passava consigo mesmo. Seu espírito forte resistia instintivamente ao meu encanto, mas eu redobrava meus esforços, caso contrário, iria mordê-lo.
_Venha!... Possua-me!... _repetia mergulhando em seus olhos.
Perdendo o controle da própria vontade, abraçou-me com força e beijou-me. O calor de seu corpo imenso revivia o meu com muita força. Apenas este calor foi o suficiênte para reativar meus poderes. Enquanto ele me despia, emitia meu encanto sobre a casa, fazendo minhas irmãs e as criadas mergulharem em uma plácida apatia. Suas almas sonharam acordadas por todo o tempo em que o médico possuiu-me. Não pude conter o vidrar de meus olhos e o saltar de minhas presas, enquanto ele introduzia quase dois palmos de calor em minhas entranhas. Por Vênus, como agradeci aquele santo pecado! Eu poderia tê-lo matado. Poderia ter sugado seu sangue, como fiz muito no Cheile. Mas meu pecado o salvou. Minha lascívia... salvou-me mais uma vez.

terça-feira, 22 de novembro de 2011

FACÍNORAS


















Seguimos viagem imediatamente. Na manhã seguinte, topamos com outro carroção cigano. Ivan conversou alegremente com seu condutor, qualquer coisa lá em sua língua. Despediu-se e prosseguimos. Porém, fez questão de avisar-me:
_Não se preocupe mais, Irina! Este meu irmão avisará aos outros que estamos nos mudando de estadia. Seus irmãos saberão em breve.
Sorri tranquila e dediquei-me apenas a apreciar a paisagem de inverno. Nos abastecemos em Targu e chegamos em Kolozsvár pouco antes da hora do almoço, após três dias de viagem. Fomos direto à casa de Béla. Lá chegando, dois guardas armados de lanças impediram minha entrada e logo questionaram asperamente:
_Quem é a senhora e de onde vem?
_Sou irmã de Vladia, sua senhora. Diga a ela que Irina está aqui e quer vê-la e ela me permitirá entrar.
O guarda olhou para trás, para uma jovem criada que já espiava por trás da porta entreaberta. A criada fechou a porta e a ouvi correndo pela sala. Enquanto ela não voltava, olhei em volta, reconhecendo a cidade que vira quando criança. Sempre burguesa e barulhenta, assim era Kolozsvár. Carroças e carruagens indo e vindo, para lá e para cá, mercadores e funcionários públicos perambulando apressados, como sempre. De repente, a porta abriu-se novamente, estalando sua fechadura. A criada reapareceu meneando positivamente a cabeça para o guarda. O guarda então voltou-se para mim e respondeu:
_Minha senhora irá recebê-la.
Voltei-me então para Ivan e ele apressou-se em dizer:
_Não se preocupe comigo, aproveitarei para comprar e vender algumas mercadorias. Estarei aqui de volta ao anoitecer.
_Está bem. _concordei.
Acenei com a cabeça para os guardas e eles me deram passagem. A criada abriu a porta e entrei na mansão. Ela não parecia de forma alguma mal cuidada, bem ao contrário, continuava mantendo o luxo de costume. Mal entrei, a criada abandonou sua função de conduzir-me e correu até três crianças que me olhavam desconfiadas.
_Vão brincar em outra sala, vão... _pedia baixinho, afobada.
Olhei para elas. Eram um menino de uns dez anos, uma menina de cerca de oito e uma pequenina que aparentava ter quatro aninhos. Sorri!... Há quatro anos não via meus sobrinhos! Fui até eles.
_Oi!... _disse abaixando-me e sorrindo. _Lembram da tia Irina?... Hum...
A pequena Lisia, que estava a minha cópia quando criança _ruivinha e de grandes olhos azuis _afastou-se assustada.
_Lisia!... _disse em falsete. _Vem com tia, vem!... _chamei estendendo os braços.
A fofurinha foi para trás da irmã mais velha, assustada. Percebi que eles ainda estavam me estranhando, certamente não recordavam de mim. Ergui-me sorrindo e disse à criada:
_Tudo bem. Leve-me até Vladia.
Fui levada direto à sala de jantar, onde uma Vládia muito ansiosa me aguardava, sentada à mesa. Mal me viu, levantou-se e veio me abraçar:
_Irina! Irina!...
Abraçei-a e choramos juntas por um momento. Como fizera Nicolae, ela passou as mãos sobre meu rosto como que não acreditando que eu estava diante dela. Ao acalmar-se um pouco falou:
_Irina, venha comigo. Alguém também quer rever você!
Pegou-me pela mão e conduziu-me até o antigo escritório de Béla. Para minha surpresa, bem vestida e cuidada, apesar da aflição estampada no olhar, Mila me esperava.
_Irina!... _disse quase num suspiro e levantou-se imediatamente para me abraçar.
Choramos as três o nosso reencontro. Depois, mais calmas, tomando vinho, começamos a conversar. Vladia, evidentemente, perguntou-me o mesmo que Nicolae e Mihail.
_Irina, onde esteve este tempo todo?
_Fugi da casa de tio Istvan. Ele e tia Mónika traíram papai.
_Soubemos disso. _disse Mila.
Continuei:
_Encontrei um grupo de ciganos e eles me levaram até Oanna Danesti, uma nobre de Brasov, que me acolheu. Ela é bem relacionada, era amiga pessoal do sultão Soleiman, a quem conheci pessoalmente.
Mila sorriu impressionada, pondo a mão sobre a boca.
_Meu Deus!
Vladia então começou a contar-me o que se sucedera com ela e Mila.
_Coisas horríveis aconteceram depois que você sumiu, I.
_Eu soube, Mika me contou.
Mila interveio:
_Mas ele não deve ter lhe contado os detalhes. Após papai ter sido posto fora da lei, conde Vladmir começou uma busca desesperada por você. Seus homens, junto com soldados do príncipe, foram até o convento onde eu estava. Chegaram exigindo me ver. As irmãs já estavam avisadas do que estava acontecendo, os ciganos as informaram. Madre Gabriella pediu que eu fugisse pela passagem secreta, que ia do porão até a pequena capela, fora do mosteiro. O porão era acessado a partir de uma porta, na dispensa. Eu e duas irmãs fugimos por ali. A madre trancou a porta atrás de nós. Ainda ouvimos os homens chegando e gritando com ela.
_Saia da frente, queremos a filha do marquês!
_Ninguém passa por esta porta sem minha ordem! _desafiou a madre.
Ela e oito irmãs se puseram como uma barreira sobre a porta, como me contaram mais tarde, outras irmãs que assistiram a tudo e sobreviveram ao massacre que se seguiu. Diante da obstinação da madre, o capitão ordenou:
_Preparar para abrir caminho!
Eu sabia que eles iam atirar. Desesperei-me em salvar madre Gabriella, a quem amava muito.
_Não!... _gritava como uma criança, teimando em voltar para defendê-la.
Mas as irmãs que me acompanhavam me detiveram:
_Não, irmã! Venha!... _gritava a gorda irmã Tereza, quase rasgando-me o hábito ao me puxar. Ouvi os soldados engatilharem e o capitão dar a ordem final:
_Fogo!
Uma saraivada de tiros perfurou a porta. Eu gritei! Adentramos o mais rápido possível a pequena porta de madeira. Irmã Paula a fechou e trancou com as mãos trêmulas. Chorei desesperada e irmã Tereza foi me consolando:
_Foi a vontade de Deus, irmã! Foi a vontade de Deus! Venha, não podemos perder tempo!
Quando chegamos na capela, mudamos de roupa. Meus cabelos compridos, que jamais cortei, ajudaram em meu disfarce. Fingimos ser camponesas, montei em um burro e as duas irmãs foram me conduzindo. Alguns soldados ainda chegaram a nos parar:
_Vocês viram três freiras passando por aqui?
_Sim! _respondi _Elas foram naquela direção! _apontei. _Os idiotas correram rumo à pequena floresta que cercava o mosteiro, enquanto nos apressávamos em seguir nossa viagem para cá.
_Facínoras! _revoltei-me.
Em seguida voltei-me para Vladia:
_E por que eles também mataram Béla? Qual foi a justificativa?
_Traição! _respondeu Vladia categórica.
_Como?!... Béla jamais foi um rebelde, bem ao contrário. _contrargumentei confusa.
Ela explicou:
_De fato, Béla nunca foi um rebelde, mas todo o dinheiro que financiava a ajuda à nossa família vinha dele. Eu o fazia ajudar.
_Como assim?... _impressionei-me.
_Não é algo que deva explicar agora, Irina. Basta dizer que alguém nos delatou. Um grupo de judeus, amigos de Béla, veio nos avisar e oferecer sua ajuda para que fugíssemos em segurança. Mas Béla infelizmente não deu ouvidos. Alegou que tinha ótimas relações com príncipe e que ser dado como foragido era validar a acusação. Este foi seu grande erro, pensar como advogado o tempo todo. Ele também acreditava demais em seu poder de argumentação, pensava que os soldados não lhe fariam mal, devido ao fato de ser banqueiro, ter muitas relações e lidar diretamente com o príncipe.
_E como vocês conseguiram escapar então? _investiguei novamente.
_Béla permitiu que eu, Mila e as crianças ficássemos na casa de Ezequiel, um de seus melhores amigos.
_Nicolae me disse que vocês estavam na igreja...
_Inventei a estória da igreja e mandei que contassem assim para ele. O que importa é que Béla não contava que quem estava à frente da tropa que aqui chegou era nada menos que Traian!...
_Aquele demômio! _irei- me.
_Sim, ele mesmo. E como era de seu costume não respeitou e nem poupou seu prisioneiro. Béla foi praticamente sequestrado e levado para um algum porão, onde foi torturado até a morte. E para deixar sua marca característica, Traian dependurou seu corpo na estrada, pouco antes da entrada da cidade, com uma placa onde se lia: Este é Béla Blascó, traidor de vossa alteza e da verdadeira fé de Jesus Cristo e mais outras acusações como avarento, lascivo e, é calro, judeu!...
Lembrei da cena que vi quando o encontrei no mundo dos mortos. Vladia continuou:
_Porém, em sua ignorância, Traian jamais considerou que todos os capitalistas de Kolozsvár, sobretudo os judeus, ficaríam revoltados com essa ignomínia. Por conta disso, passaram a armar nosso exército e até mandar homens para ajudar Nicolae e Marton. Fora isso, nossa casa passou a ser guarnecida, como você pôde constatar ao chegar.
_Sim. _confirmei.
Vladia prosseguiu:
_Agora estou sob a proteção dos banqueiros e comerciantes judeus. Não fossem eles, estaria passando privações pois, de herança, Béla só me legou esta casa, sua propriade no interior e algum dinheiro. O banco ficou para Roland, seu filho mais velho.
_Mas até quando eles lhe darão proteção, Vladia? _inquietei-me.
_Não se preocupe, Irina. Béla me acostumou a tratar muito bem seus amigos e sócios.
_O que quer dizer? _suspeitei.
_Não somos mais crianças, Irina. Não tenho nada a lhe esconder. Quando me casei com Béla ele disse, logo na noite de núpcias, que já tivera uma esposa, que lhe dera filhos e que já estavam adultos. Disse que eu seria sua jóia e sua arma, sua isca preciosa para aumentar sua rede de relações.
_Que canalha! _protestei.
_Isso não vem mais ao caso. _interrompeu-me Vladia. _Nunca amei Béla, nossa acordo era mútuo e por conta dele estou viva e bem, assim como meus filhos. Não fosse este acordo, jamais teria ajudado nossa família, pois ameacei Béla de o abandonar, caso ele não atendesse ao meu pedido. Seria realmente nefasto para ele perder seu maior investimento. Foi graças a mim que ele chegou até Sigismond, afinal quantos nobres você acha que conheço? _Vladia então exaltou-se _Você não sabe o poder que tenho, Irina. Nem Sigismond se arriscaria a tentar entrar nesta casa, sem que sofresse as devidas conseqüências. Tenho todos os judeus na palma de minha mão. Isso porque soube abraçá-los com minhas pernas.
_Não tenho direito de condená-la, Vladia. _tranquilizei-a.
_Então pode ficar aqui comigo, irmã! _convidou. _Mila já está me ajudando. Não há motivos para se envergonhar, somos muito respeitadas.
_Não posso. Não a condeno, nem tenho direito de fazer isso. Amo vocês duas, são minhas irmãs... Mas minha vida tomou outro rumo e... não posso aceitar seu convite.
_Irina, seríamos tão felizes, nós três!... _insistiu.
_Não posso, Vladia, me perdoe, mas não posso...
_Pode pelo menos aceitar meu convite para ficar aqui por uns dias?
_Sim posso, mas não por muito tempo. Tenho de voltar e ajudar nossos irmãos. Também não poderei lhe ajudar com seus... convidados. Ninguém pode saber quem sou, por enquanto.
_Tudo bem. _aceitou Vladia.
Para descontrair, perguntei sorrindo:
_Poderia mandar trazer as crianças? Quando cheguei elas não reconheceram.
Vladia sorriu.
_Gabriella!... _chamou.

domingo, 20 de novembro de 2011

DAMPIRO


























A aparição de meu sobrinho e seu pai me deixou muito atordoada. Temi pela segurança de Vladia. Meu desejo foi de ir vê-la imediatamente. Porém, temia em abandonar meus irmãos. Dividida, sentei aflita e comecei a chorar em silêncio. Vendo-me transtornada, Ivan se aproximou e me surpreendeu.
_Pretende vencer o príncipe sozinha?
_O que?! _espantei-me.
_Não acha que deve deixar alguns inimigos para seus irmãos e para os guerreiros de seu povo?
_Pode ler meus pensamentos? _inquiri.
_Sim. _respondeu calmamente.
_Que tipo de arte cigana é essa? _investiguei.
_Não é arte, é um dom. _respondeu.
_Dom?... _questionei..
_Sim, posso ler o pensamento de outras pessoas, sobretudo o de vampiros. _surpreendeu-me.
_Por que? _quis saber.
_Sou um dampiro. _declarou.
_Dampiro? O que é isto? _confundi-me.
_Sou filho de um vampiro. _explicou.
_Filho de um... E vampiros podem ter filhos? _indaguei.
_Os homens sim, desde que estejam despertos. _respondeu.
_Se é filho de um vampiro, por que não é como nós?... _ inquiri..
_A maldição não recai sobre mim enquanto eu estiver vivo. Quando eu morrer, terão cremar meu corpo, num ritual especial, para que eu não me torne um vampiro. Porém, em vida tenho todos os poderes de um vampiro. Posso ouvir pensamentos, posso sentir a presença de um vampiro mesmo a milhas de distância, posso sair de meu corpo... Meu povo me utiliza para se proteger. Entro em contato com os vampiros. Se forem amistosos, faço amizade com eles e estabeleço um comércio, como aquele que eu e Mircea mantínhamos com você e Calidora. Mas... se forem hostis... os mato...
_Então me mataria? _questionei.Ele olhou para mim, soltou um leve riso e acariciou meu rosto. Em seguida respondeu:
_Alguma vez me deu motivos para isso?
Simplesmente o encarei, um tanto aborrecida. Ele contornou:
_Podemos nos preparar para a viagem?

quinta-feira, 17 de novembro de 2011

DEMÔNIO





















Tão logo descansei de meu ataque ao conde, meu coração voltou a ser perturbado por um inesperado encontro no Hades. De repente, me vi em meio a um campo árido e enevoado. Não havia nenhuma vida nele, até as árvores estavam secas, com seus galhos retorcidos pela morte. Foi quando a voz de um menino chamou por mim:
_Tia...
Voltei-me e meus lábios caíram, era Béla, meu sobrinho. Aparentava seis anos e estava com um ar sereno, apesar da desolação à sua volta. Tomada pelo desespero corri e o abracei:
_Béla!... Béla, mas... por que?... Béla... não!...
Ele apenas se deixava abraçar. Enquanto eu chorava, falou:
_Não chore... A maldição não me tomou.
Envolvi sua cabeça com minhas mãos, acariciei seus cabelos e concordei chorando:
_Eu sei, meu amor, eu sei...
Mantendo o tom um tanto frio, disse:
_Tia... você tem de ir até a mamãe.
_Como assim, meu amor? _sobressaltei-me.
_Papai quer que você vá até ela.
_Béla... mas... por que?
_Meu pai sofre muito, tia. Ele está neste inferno, vim visitá-lo. Ele quer que você vá encontrar mamãe, para que ela ajude a senhora a vingá-lo.
_Aqui?!... Como assim?!...
_Os homens maus mataram papai.
Meu rosto se encheu de espanto e angústia. Béla estendeu o bracinho e apontou à sua esquerda.
_Ali.
Olhei e apenas vi o nevoeiro cerrado. Voltei-me então para meu sobrinho. Havia sumido!... Voltei a olhar para o nevoeiro. Caminhei alguns passos e vi!... _Choquei-me! _Do alto de uma grande árvore ressecada, Béla Blascó pendia amarrado por cordas que lhe feriam a carne. Dos pés à cabeça, estava coberto de hematomas. Em seu pescoço fora pendurada uma placa, onde se lia: Belá Blascó - traidor de vossa alteza e da verdadeira fé de Jesus Cristo, fornicador, avarento, JUDEU. _esta última palavra em letras bem grandes. Ao ver tal ignomínia, conclui imediatamente: Traian! Era é seu estilo de matar!...
Béla moveu a cabeça com dificuldade, olhou para mim e disse quase murmurando:
_Iri... na... Mate-o... Mate... o... demô... nio... Mate-o... Irina...
Espremendo o rosto em choro, respondi:
_Sim... Sim...

quarta-feira, 16 de novembro de 2011

PAVOR





















No dia seguinte, ao pôr do sol, parti com Péter, amigo de Ivan, para o castelo do conde. Ele tinha o costume de lhe vender especiarias e conhecia bem o caminho para sua fortaleza. Era sábado, o conde provavelmente estaria sossegado, refestelando-se com um saboroso passadio e bebendo vinho, sem sequer imaginar que iria receber a pior visita de toda sua vida, a última!... pois pretendia matá-lo. Seguindo nosso plano, Péter me deixou a meio caminho, estacionando o carroção ainda na floresta. Montei então em Aghaton, cobri a cabeça com o capuz da capa, e fui até os portões do castelo. De longe senti o supersticioso medo dos guardas, ao ver minha figura encapuçada. Eram seis ao todo.
_Quem vem lá? _indagou, temeroso, o chefe, com a lança em riste.
Não respondi, simplesmente me aproximei em tranquilo galope e desembainhei a espada. Num reflexo, ele ergueu a lança defensivamente. Com um só golpe, decepei-lhe a cabeça. Parte de sua lança também tombou no chão, cortada à altura de três palmos. Pasmos e apavorados, os demais guardas mal esboçaram reação. Um deles simplesmente gritou: _É a morte!... _Só para em seguida tombar decapitado. Seus companheiros tiveram a mesma sorte. Encantei então os sentinelas que vigiavam ao alto da muralha, tornando-os imóveis. Retornei em seguida para o carroção, Péter ainda teria de me ajudar em um pequeno serviço.
Menos de um quarto de hora depois, conde Valdmir _que se encontrava recepcionando enviados do príncipe em seu salão _foi avisado de que uma jovem, que se apresentava como Irina de Somlyó, desejava uma audiência. Mais que depressa os soldados retornaram, com ordem estrita de me levarem até à sala de reunião. Tiveram, porém, de carregar consigo um pequeno presente: uma imensa arca cigana. Foi a arca quem primeiro adentrou o salão, carregada tropegamente por dois homens. Entrei logo em seguida, de cabeça erguida. O baixote de longos bigodes arregalou os olhos de surpresa, abrindo um largo e malicioso sorriso:
_Ora, vejam! Se não é, Irina, o tesouro escondido de velho Joszef!... _exclamou, enquanto seus homens arriavam a arca sobre o chão.
Os enviados do príncipe me olharam cheios de espanto e desconfiança. Um deles perguntou:
_Tem certeza do que está dizendo, conde?
_Absoluta! Jamais esqueceria este rosto! _respondeu o facínora.
Por meu lado, continuava calada, mirando-o com firmeza. Foi quando ele perguntou com benevolente arrogância:
_Suponho que veio se entregar e suplicar o perdão para seus irmãos. O que me traz nesta arca, as armas deles?
_Não! _respondi com firmeza. _Vim lhe trazer...
Abri então a tampa da arca, puxando de dentro seis "troféus": as cabeças de seus guardas, amarradas umas às outras pelos cabelos.
_...Isto! _finalizei, jogando-as a seus pés.
_Aaaaaaaaaahhhh!!!... _berrou o conde, apavorado.
Seus convidados também se levantaram, chocados. Sem nem pensar, o conde ordenou:
_Guardas!
Mal eles tocaram no cabo de suas espadas, puxei duas adagas de trás de minha capa e me pus em guarda. Os guardas estacaram, exitantes. Enfurecido, o conde ralhou:
_O que estão esperando, seus imbecis?! É apenas uma rapariga!
Encorajados pelo insulto, avançaram. Os dois primeiros cometeram o erro de erguer suas espadas. Com um giro rápido, cortei suas gargantas. Tombaram ao chão, sufocados, golfando sangue pela boca. Ainda girando, cravei a adaga da mão direita entre as costelas do terceiro soldado. A retirei, girando inversamente, e com a adaga da esquerda, abri o ventre do quarto soldado, que tombou segurando as tripas. Outros três soldados investiram contra mim. Minhas adagas apararam golpes sucessivos. As lâminas faiscavam. Com dois chutes ao peito, afastei dois soldados, ganhando espaço e tempo. Num golpe rápido, enfiei e retirei a adaga da esquerda da boca do estômago do soldado à minha frente. Quando os outros dois se levantaram, atirei as duas adagas: um, recebeu uma direto no olho direito, o outro, teve a outra encravada bem no meio do peito.
Com sete corpos tombados sob meus pés, retornei à posição inicial. Os braços estirados, as mãos abertas e os joelhos flexionados. À ordem de minha mente, as adagas se desencravaram violentamente dos corpos em que se encontravam _chegando a arrastá-los a vários palmos pelo chão _e retornaram à meus punhos, que se cerraram ao recebê-las. Meu olhar, furioso, mirava de baixo para o conde, como faz o lince ao mirar sua presa. Branco de pavor, ele ainda indagou:
_Que espécie de demônio é você?!...
Mostrando minhas presas e meus olhos vidrados, com voz sibilante respondi:
_O que você mais teme!
Imediatamente, todos os presentes levantaram e recuaram assustados, repetindo em coro:
_Vampira! Ela é vampira! É uma vampira!
Percebendo que eles já puxavam suas pistolas, entendi que deveria bater em retirada. Infelizmente teria de adiar meu acerto de contas com o conde. Criei então uma alucinação. Desapareci de sua frente com o faiscar de um raio e ressurgi sob a forma de uma imensa coruja branca. Esvoacei então pela sala, piando alto e dando rasantes ameaçadores sobre todos. Estes gritavam em coro, protegendo os rostos com os braços e se afastando acovardados. Voei então janela afora. Um dos enviados do príncipe, com as mãos trêmulas, ainda disparou alguns tiros de pistola na direção do pássaro que julgava ser eu. Eu porém, descia leve como uma pluma janela abaixo, com meu vestido esvoaçando, até pousar mansa sobre a sela de Aghaton. Toquei então meu lindo corcel branco e disparamos rumo à floresta.

terça-feira, 15 de novembro de 2011

HORROR






















Agora que as tropas já haviam sentido o sabor de minha presença, começaria meu ataque às suas lideranças. E sabia exatamente com quem começar: conde Vladmir! Antes de atacá-lo em carne e osso, o prepararia, aparecendo em seu indefeso sono. Não foi difícil encontrar um caminho rumo à sua alma. Seu desejo de me encontrar era tão forte, que bastou juntar minha vontade a dele. Fui parar em uma estrada cercada por árvores ressecadas pelo outono. Ele cavalgava com uma pequena tropa de soldados. De repente, sem a menor interferência minha, uma chuva de flechas os atingiu em cheio, vindo cima. Setas perfuraram os cavalos, os homens, mas _por algum motivo misterioso _apenas uma atingiu o conde, justo no coração. Ele caiu segurando a seta, contorcendo-se, rastejando e respirando com dificuldade sobre o chão pedregoso. Foi quando finalmente me aproximei dele. Ao perceber minha presença, ergueu a cabeça e assustou-se:
_Você!...
Não lhe respondi nada, apenas o fitei, serena e cruel. Ele ergueu a mão direita e clamou:
_Irina... água!... Por... favor!... Dê-me... água!... Irina!...
Pus então minha mão esquerda para trás e retornei com uma taça de ferro. Ele erguia a mão, suplicante. Baixei a taça. Nervosamente ele a tomou e levou aos lábios. Porém, mal sentiu o sabor de seu conteúdo, afastou a boca, horrorizado. Esta estava cheia... de sangue!
_Nãããããoooo!!!... _gritou ele, deixando a taça cair, espalhando o sangue pelo chão.
Olhou então, desesperado, para mim e seus olhos miraram os meus... e eles estavam vermelhos!... Abri então levemente os lábios e ele pôde ver minhas presas se insinuarem.
_Aaaaaaaaaaaaaahhhh!!!... _gritou.
O horror o fez acordar. Eu, porém, segui sua alma. Ele acordou levantando-se bruscamente da cama. Gritando como no sonho. Ainda permaneci um pouco em seu quarto, invisível aos seus olhos. Ele suava, seus olhos derramavam lágrimas e seu corpo todo tremia. Sua alcova era de um luxo grosseiro e desagradável. Nenhuma mulher dormia ao seu lado, o que confirmava que ele já era viúvo. Voltei ao mundo dos mortos.
Passeei pela estrada outonal dos sonhos do conde, pisando nos corpos de seus soldados. Quando me afastei deles, uma voz de mulher soou em meus ouvidos.
_Rameira! Vampira rameira! Você foi a causa disso! Você foi a causa disso!... _acusava em claro magiar.
Virei-me e vi uma mulher madura, quase ao início da velhice. Ela era visivelmente uma nobre e seus lábios vertiam um sumo negro. Ela então passou a mão sobre a boca e a estendeu em minha direção, acusando:
_Veja, sua rameira!... Foi isso que ele me deu! Isso que ele me deu!... Só para ficar com você! Para ficar com você! Sua vampira rameira! Rameira!...
Fitei a mulher sem me perturbar. Tudo estava claro, ela era a condessa. Conde Vladmir a envenenara para ficar comigo. Talvez me desejasse desde a época em que seu filho ainda vivia. Sem dar maior atenção à alma perdida da condessa, simplesmente retornei ao mundo dos vivos. O carroção chacoalhava como nunca, quando abri os olhos.

segunda-feira, 14 de novembro de 2011

PERVERSIDADE




















Cena de Caçadores de Vampiras Lésbicas.




Um segundo batalhão foi enviado. Para minha suprema sorte, seu capitão era autoritário e obstinado, ordenando a seus homens que matassem todos os desertores possíveis do primeiro batalhão. Os exércitos do príncipe aniquilavam a si mesmos.
Sentindo que este novo batalhão não estava disposto a recuar, tomei a decisão de simplesmente... aniquilá-lo! Deixei que ele entrasse bastante na floresta e só então chamei minhas "crianças". Estes vieram mais famintos que nunca e, ao contrário da primeira vez, literalmente lhes dei ordem para avançar sobre a tropa. Sem temer tiros e coices, os lobos pularam sobre homens e cavalos, arrastando quantos pudessem com suas impiedosas presas. Dois se meteram entre as patas dos cavalos, fazendo-os perder o equilíbrio e cairem uns sobre os outros, juntamente com seus ocupantes. Quase toda a tropa foi ao chão. Dezenas de homens quebraram membros, ou encontraram a morte, quebrando pescoços e crânios. Os sobreviventes gritavam desesperados, tentando se desvencilhar de suas pesadas montarias. Porém, seus gritos apenas serviam para excitar a sanha dos lobos, que logo lhes pulavam sobre as gargantas. Os cavalos que conseguiam se erguer, não apenas arrastavam seus ocupantes, presos pelo freio, como pisoteavam quem estava embaixo. Para se livrar dos lobos, davam coices desesperados. Rostos, crânios e costelas de soldados eram terrivelmante fraturados.
Apenas seis cavalos não caíram com os demais, aqueles que seguiam na frente. Um deles era, evidentemente, o do capitão. Este, autoritário, careca e de longos bigodes negros, deu ordem para que seus oficiais atiressem nos lobos e matassem quantos pudessem. Um dos oficiais ainda replicou:
_Mas capitão, vamos acertar nossos homens!
_Não importa! Eles já estão morrendo! Atire nos lobos e os impessa de vir para cá, seu idiota! _vociferou o desalmado comandante.
Temerosos, os oficiais acataram a ordem. Para não desintegrar minha "tropa", dei-lhes ordem para baterem em retirada, o que fizeram rapidamente, sumindo entres as árvores e a bruma. Não perdi mais de uma dúzia de lobos na batalha, em compensação, o batalhão foi reduzido a menos de quarenta homens, dos quase trezentos originais. Cerca de quarenta morreram nas bocas famintas dos lobos. Outros vinte ou mais, quebram-se na queda dos cavalos e faleceram. Outros vinte e tantos, que conseguiram se desvencilhar dos cavalos, fugiram. Mais de dez ainda foram mortos pelos tiros disparados pelo capitão e seus oficiais.
Para piorar, numa perversa intolerância para com os desertores, o capitão ordenou que os oficiais abrissem fogo contra quem estivesse fugindo. Por fim, para não ter trabalho de carregar feridos _que eram muitos! _o sanguinário ordenou que estes fossem mortos. Os sobreviventes foram obrigados a prosseguir devagar, pois apenas a metade vinha montada. Exaustos e com pouca munição, montaram acampamento ao lado de um córrego.
Preparei então para eles um fim digno do inferno. Esperei que tombassem tomados pelo sono e chamei minhas "criancinhas" com um longo uivo:
_Owuuuuuuuuuuuuuuuuuu-uul-uul-uuuuu!!!...
Os infelizes sentinelas que estavam de guarda, ainda tiveram o horror de ver meus lobos chegarem, com seus olhos brilhando como pontos de fogo no escuro, suas bocas de presas afiadas rosnando, babando e fumegando bruma. Os tiros que dispararam pouco lhes serviu de proteção, apenas despertaram os outros para a hora da morte. Famintos, minhas feras rasgaram a carne de todos que puderam. Muitos encontraram a morte ainda dormindo. Uma tempestade inesperada lavou o sangue dos mortos, que empapava o solo.
Porém, meu ataque não era desordenado, mandei que meus "bichinhos" poupassem o capitão e alguns homens, pois queria um trofeu e algumas testemunhas. Quando restaram apenas o capitão e seus seis amedrontados oficiais, apareci em forma espectral diante deles. Vendo-me flutuar fantasmagórica no ar, satisfizeram minha vontade, gastaram o restante de sua já pouca munição sobre meu espectro:
_Morra sua bruxa! Morra!... _vociferava o irado capitão, carregando sua pistola e disparando inúteis tiros , juntamente com seus oficiais, que ecoavam pela floresta.
Quando mais nenhuma bala restava em suas pistolas e mosquetes, desapareci. Os desafortunados tremiam e respiravam ofegantes de tanto medo. Poucos minutos depois, reapareci... mas agora em carne, osso e presas, acompanhada de meus leais cavaleiros. Mostrávamos nossos dentes agudos, nossos olhos vermelhos e rosnávamos sibilantes como felinos. Nos aproximamos lentos, para lhes causar mais terror e prever suas reações. Apavorados, eles empunharam suas espadas e adagas. Os cercamos e eles tremiam, dispostos a reagir se nos aproximássemos mais. O capitão vociferou:
_Vampira maldita, lutarei até morte!
Porém, contrariando sua expectativa, usei minha infalível arma: a sedução. Vestia apenas uma vaporosa camisola. A abri lenta e suavemente e mostrei meu corpo... Os homens arregalaram seus olhos, seus lábios caíram. Estendi então meus braços e chamei o capitão:
_Venha... Venha, Balász... _sussurrava sedutora, abrindo e fechando as mãos.
O capitão estremeceu todo, numa vertigem. Pôs as mãos sobre a cabeça raspada, os lábios caídos sob os grandes bigodes. Soltou um urro de desespero, por não conseguir conter o imperioso desejo que o tomava. Em seguida, simplesmente jogou a espada e caminhou até mim. Um dos oficiais se desesperou:
_Não, capitão! Não faça isso! Ela vai matá-lo, capitão!...
Porém, para minha pobre vítima era tarde demais. Absolutamente encantado, ele parou e se ajoelhou quando meu desejo silencioso assim ordenou. Ergui levemente meu pé esquerdo e ordenei:
_Beije!...
Como um escravo, ele se curvou e beijou avidamente meu pé, tremendo de volúpia. Então, abruptamente cortei seu derradeiro prazer:
_Basta!
Ele parou e ergueu o olhar alucinado para mim. Eu, por minha vez, movi os dedos sedutoramente, chamando meus homens. Estes se aproximaram mirando sua presa, embaixo. Anunciei então:
_Ele é todo de vocês!...
Ao dizer isso, despertei o capitão de seu transe. Ajoelhado, ele então olhou desesperado para cima, para seus algozes e gritou:
_Nãããããoooo!... Piedade!...
Porém, sem nenhuma piedade, meus companheiros agarraram-no pelos braços e pernas e afundaram suas presas em seu pescoço e membros. O sangue escorria grosso, enquanto o capitão gritava esganiçadamente:
_Aaaaaaaaaaaaaaaaaaahhh!!!... Aaaaaaaaaahhh!!!...
Seus homens cobriam o rosto com as mãos, diante de tamanho horror. Se contorcendo de dor e pavor, o capitão urrava. Ioan, numa cruel molecagem, cravou os dentes em sua careca. Por fim, para finalizar nosso espetáculo infernal, ordenei que o trouxessem para mim. Ainda vivo, ele olhou em meus olhos quando aproximei meu rosto do dele. Abri então a boca e _sibilante _mostrei-lhe minhas afiadas presas, babando por seu sangue. Ele ainda soltou um leve e engasgado urro de terror, antes de eu abocanhar seu pomo de adão _crouchl! _e puxá-lo para fora entre meus dentes. O sangue jorrou-lhe grosso de sua boca e seus olhos estagnados refletiram a morte. Olhando para seus homens, cuspi sua garganta. Em seguida, lambuzada de sangue, lhes disse:
_Vocês serão poupados, porém, digam ao príncipe, que o inferno o espera, se ele vier até aqui!
Trêmulos, os homens simplesmente assentiam afirmativamente com a cabeça.

domingo, 13 de novembro de 2011

RETIRADA



























Como eu imaginava, as tropas do príncipe reagiram de forma supersticiosa aos meus ataques. Segundo me informou Ivan, todos os batalhões _todos! _passaram a carregar colares de alho no pescoço. János Sigismond estava possesso! Tomado por terrores ancestrais, seu exército passou a sofrer sucessivos ataques. Agora não mais de vampiros, mas de seus velhos conhecidos, os székelys! Chuvas de balas e setas vararam os corpos dos temerosos soldados. Os ataques faziam parte de meu plano com Mihail: quando as tropas esperassem vampiros, encontrariam székelys, quando esperassem székelys, seriam assaltados por vampiros. Os novos ataques de meus irmãos foram rápidos e mortíferos, acontecendo sem que as tropas do príncipe esperassem. A notícia da inesperada investida chegou à Gyulafehérvár.
Sentindo-se ultrajado, Sigismond enviou um novo batalhão para combater os rebeldes. Mais de trezentos e cinquenta homens adentraram a floresta ao cair do crepúsculo. Ainda os vi chegar, apressados e arrogantes. Fazendo-me invisível a seus olhos, os vi passar valentes diante de mim, pela alameda. Ri-me de sua petulância. Cuidaria dela sozinha, poupando o suor de meus irmãos. Tão logo vi as costas dos soldados, simplesmente fechei os olhos e senti o cheiro dos lobos. Eles estavam em sua época de acasalamento, competitivos e ferozes. Senti seu cio e sua ferocidade e soltei um longo uivo:
_Owuuuuuuuuuuuu-uul-uul-uuuu!!!...
Imediatamente, oito alcatéias atenderam ao meu chamado e obedeceram a ordem de meu coração. Em menos de um quarto de hora, elas formaram um pequeno e feroz exército, que emergiu das profundezas da floresta, bufando ar frio, e cercou a tropa, três em cada flanco. Rosnando e mostrando suas ameaçadoras presas, as feras foram pouco a pouco afunilando seu cerco. Os cavalos começaram a relinchar, amedrontados. Também tomados pelo medo, os homens puxaram suas pistolas e começaram a atirar. Mas ao contrário do esperado, os tiros apenas serviram de sinal para que os lobos pulassem sobre os cavalos, atacando-os. Aterrorizados os animais dispararam. A tropa perdeu o controle. Gritando de desespero os homens batiam suas montarias umas contra as outras. Aqueles que caiam, ou eram pisoteados pelos cascos dos cavalos que vinham atrás, ou imediatamente atacados pelos ferozes lobos, que rasgavam sua carne sem piedade. Pelo menos trinta homens foram pisoteados e outros vinte devorados.
Diante deste espetáculo terrível, a única reação dos demais foi tocar o galope e fugir. Sentindo ter alcançado meu objetivo, acalmei a sanha de meu "exército" e o fiz se afastar pouco a pouco. Rosnando e babando, suas ameaçadoras silhuetas desapareceram em meio as sombras e à bruma da noite, que começava a cair.
Levou algum tempo para que a tropa recuperasse seu espírito e organização. Quando isso aconteceu, montaram acampamento. Eu, porém, não estava disposta a deixá-los dormir. Fiz uma coruja branca piar assustadoramente sobre eles, durante toda a noite. Vários soldados permaneciam despertos, assustados, sem conseguir dormir. Porém, esta foi apenas a primeira noite. A segunda viria a ser pior... Dois homens ficaram de guarda em volta da fogueira, um velho soldado de barbas longas e um jovem magro e covarde. Tremiam o tempo todo, olhando para todos os lados, com seus mosquetes em punho. Eu sabia que não precisava de muito para fazê-los provocar uma tragédia. Sendo assim, simplesmente sai de meu corpo e, ainda invisível, ecoei minha voz sussurrante sobre suas cabeças:
_Viilmooos!... _chamva doce e lúgubre pelo jovem. _Viilmooos!...
Ele tremia todo. Foi a vez então de atormentar o velho:
_Gergelyyyy!...
Amedrontados, os dois se erguerem, pernas tremendo, armas em punho. Sentindo-os propensos a atirar no que quer que vissem, emergi da escuridão, visível e espectral, flutuando no ar. Ao me avistarem, ambos soltaram um grito de pavor e atiraram. Sem me importar com as balas, que atravessavam meu corpo como se este fosse feito de vento, continuei me aproximando, chamando pelos dois:
_Gergelyyy!!!... Venha para mim, Gergely!... Estou esperando por você!...
Possesso, o velho bradou:
_Meu Deus! É a morte! É a morte!... Ela chegou para me levar!...
Saiu então correndo, desabaladamente. O jovem, por sua vez, teve um rompante de coragem e continuou a disparar. Com as mãos trêmulas, tirava o chumbo da algibeira _deixando muita munição cair pelo chão _e disparava tiros desesperados com o mosquete, gritando:
_Vá embora! Em nome de Deus! Vá embora, sua bruxa! Seu fantasma do inferno!...
Simplesmente continuei me aproximando. Ele fez exatamente o que eu queria: desperdiçou munição e acordou o resto da tropa. Os homens se levantaram atordoados, empunhando suas pistolas e mosquetes e atirando avulsamente para a escuridão. Estrategicamente, desapareci. Para minha satisfação, mais dois desafortunados foram atingidos por seus próprios companheiros, caindo mortos sem saber por que, ou por quem tinham sido atingidos.
A manhã chegou cansada e tensa para a pobre companhia. Cerca de trinta deles resolveu deserdar, tomando o rumo de volta para casa. Entre estes, estavam o velho e o jovem que estavam de guarda na noite anterior. Os demais, que ainda permaneceram fiéis às ordens de seu capitão, se apressaram em seguir adiante. Os deixei cavalgar durante o dia, os queria bem cansados. Quando montaram acampamento pela terceira vez, dei a eles um presente ainda mais assustador. Foi a vez de chamar meus companheiros Florin, Ciprian, Mircea e Ioan, para uma ceia sanguinária. Primeiramente pegamos os dois homens de guarda, em frente à fogueira. Florin e Mircea se fartaram, até porque não se contentavam simplesmente em morder. Sedentos por bastante sangue, cortavam as gargantas de suas vítimas e deixavam-no jorrar. Bebiam-no então como borrachos bebem vinho de um barriu vazado.
Chegou então a vez de Ioan e Ciprian pegarem mais dois dos que dormiam. Mais sangue jorrou na noite. Por fim, para fartar minha ira e minha sede, abocanhei ferozmente a garganta do capitão, que dormia incauto. Seu sangue esguichou forte em minha boca e o bebi com extasiante prazer. Minha roupa ficou absolutamente empapada.
Por fim, para terminar nosso serviço, esquartejamos os corpos de nossas vítimas e os dependuramos, aos pedaços, em um varal improvisado por Ioan. Ao acordar, os soldados gritaram de horror ao ver seu capitão, mais três companheiros, aos pedaços, cobertos pelas moscas varejeiras. Em função disso, bateram em retirada, tomando o caminho de volta. Eu ri, com as presas à mostra e a boca e o vestido sujos de sangue, ao vê-los partir.

sábado, 12 de novembro de 2011

MOEDA DE TROCA





















Nossos ataques começaram logo no dia seguinte. Os ciganos conheciam todos os postos avançados na fronteira oeste, de onde os exércitos do príncipe enviavam mantimentos para o interior. No primeiro deles, encontramos não mais que quatro homens. Não me cansei, deixei meus companheiros caçarem à vontade. Exatamente como eu e Calidora agíamos na estrada, eles pegaram dois dos quatro homens de surpresa, vindo por trás. Sugaram-lhes o sangue, depois os empalaram em suas próprias lanças. Quando os outros dois deram por sua falta, os encontraram espetados como porcos prontos para ir ao forno. Aterrorizados, fugiram.
O segundo posto também era pequeno, embora apresentasse mais homens, seis ao todo. Deixei novamente meus companheiros agirem. Eles pegaram três, desta vez. Os deixara nas mesmas condições dos anteriores e, mais uma vez, os homens restantes fugiram aterrorizados. Quando estávamos com preguiça, esperávamos que um deles fosse pegar água no riacho, ou fosse fazer suas necessidades. Como não retornasse mais, seus companheiros logo organizavam uma busca. Ao meio do caminho, encontravam uma bela jovem ruiva, montada num cavalo branco. Quando dela se aproximavam... suas cabeças rolavam. O rolar de uma cabeça era o sinal para meus amigos atacarem. Fazíamos um banquete, mas sempre deixávamos um homem fugir, pois a lenda tinha de correr.
Um posto que tive gosto em atacar ficava a meio caminho de Csicszereda, contava com mais de dez homens. Era uma manhã nublada e três deles faziam a barba. Era engraçado chegar por trás deles sem que vissem meu reflexo. Cheguei a me agachar atrás do primeiro e embalar a cabeça, sorrindo, como se ouvisse música, pois lembrava de uma antiga canção. Ele não alterava sua atenção, aparando cuidadosamente o cavanhaque, com um pequeno espelho na mão. Estava tão absorto que fiz questão de mordê-lo com cuidado. Ele apenas arregalou os olhos quando minhas presas afundaram na carne musculosa de seu pescoço, pois minha mão tapava sua boca. Meus amigos se fartaram com o sangue dos demais. Satisfeitos em nossos apetites, deixamos que um fugisse para contar a história. Todos os outros foram decapitados.
Em apenas uma semana, destruimos cinco postos. Nos dois dias em que descansamos, os ciganos nos informaram que os soldados já estavam aterrorizados com os ataques e que as histórias sobre nossas ações já haviam chegado à Gyulafehérvár. Com certeza já estavam sendo narradas aos ouvidos incrédulos de Sigismond. Ótimo!
A tática para atacar as pequenas caravanas do exército era diferente. Eu aparecia flutuando diante das carroças com mantimentos, aterrorizando cavalos e homens. Em dias de muita sorte, os homens simplesmente abandonavam tudo e fugiam correndo. Mas, no normal, atiravam. Deixava então que disperdissassem sua munição, inutilmente, sobre meu espectro. De mãos trêmulas, deixando cair chumbo ao tentar carregar suas armas, eram presas fáceis para meus homens, que chegavam por trás e matavam sua fome. Das caravanas, jamais deixávamos sobreviventes!
Eu tinha o cuidado de encantar os cavalos durante o ataque, para que não fugissem. Uma vez mortos seus antigos donos, os conduzíamos, com sua preciosa carga de suprimentos, até os ciganos. Estes a levavam até os székelys. Para além de comida, armas e munição, meus irmãos lucravam ainda os cavalos e as carroças. Os ciganos eram pagos em dinheiro, pois se fossem pegos usando quaisquer animais, ou utensílios do exército do príncipe, estariam em maus lençois.
Neste ponto, o dinheiro judeu nos valeu muito. Nada como uma boa moeda de troca!

sexta-feira, 11 de novembro de 2011

ESTRATÉGIA





















Ao meio dia do dia seguinte, recebi uma visita que me encheu os olhos de lágrimas, Nicolae. Mal ele chegou com Mihail, saltou imediatamente do cavalo.
_Irina!... _gritou correndo em minha direção, já com a voz embargada.
Não disse nada, apenas o abracei e chorei com ele. Ele mal podia acreditar, passava suas grandes mãos em meu rosto, olhava-me feito um alucinado e em seguida me abraçava novamente. Quase enlouquecido dizia:
_Irina... Irina... Onde estava, Irina?... Pensei que estivesse morta. Que lhe haviam raptado!...
E me abraçava e beijava o rosto novamente. Da janela, Ivan apenas olhava. Entendendo que teríamos muito a falar, limitou-se a entrar.
Após nosso momento de reencontro, sentamos mais serenamente para conversar. Dessa vez coisas não muito agradáveis. Nicolae começou:
_O sumiço de Mika nos gerou mais problemas do que podíamos imaginar. Os soldados do príncipe foram até Kolozsvár e prenderam Béla. Dizem que o torturaram até a morte para que ele dissesse o paradeiro de Mika e o seu, I.
_Desgraçados! _esconjurei. _Mas Vladia, Mila e as crianças? O que fizeram com elas?
Nicolae prosseguiu:
_Para nossa sorte elas estavam na igreja com as crianças quando eles chegaram. O padre ajudou a escondê-las, quando lhe avisaram da prisão de Béla.
_Onde elas estão agora? _inquietei-me.
Nicolae prosseguiu:
_A última notícia que tivemos é que se encontram escondidas em algum lugar na própria cidade, sob cuidado dos banqueiros. Eles se revoltaram contra o príncipe e resolveram nos ajudar secretamente. Graças a eles conseguimos mais armas, cavalos e até mercenários. Teríamos sido dizimados sem sua ajuda.
Mika festejou:
_Graças! Ao menos alguma ajuda agora. Assim não mais ficamos apenas com a solução diplomática. Depois que o sultão Suleiman morreu, toda e qualquer diplomacia tornou-se impossível.
_O que?!... _sobressaltei-me. _O sultão morreu?
_Sim, já há algum tempo. _respondeu Mihail.
Nicolae enciumou-se:
_Por que o espanto? O conhecia?
_Sim, o conheci uma vez numa festa _respondi.
_Numa festa, como assim?!... _espantou-se Nicolae.
Para deter sua reação ciumenta, Mihail pensou rápido e interveio:
_Irina foi ajudada pela condessa Danesti, de Brasov. A condessa tinha excelentes relações com o sultão. Aliás, ela prometeu nos ajudar.
_E como ela vai nos ajudar? _inquiriu Nicolae já visivelmente irritado.
Mika concluiu:
_Ela nos disponibilizou alguns homens. Eles estão lutando em segredo, fazendo escaramuças contra os soldados do príncipe. Graças a eles, pudemos chegar em segurança aqui.
Ainda irritado, Nicolae voltou-se para mim:
_Irina, Irina! Onde andou este tempo todo? Por que fugiu?
_Porque nosso tio queria me vender para conde Vladmir! Ele tramava contra nós. Junto com aquela víbora chamada Traian!
A resposta conteve Nicolae:
_Sim... Já sabemos disso... _ponderou ele.
Para que ele não suspeitasse mais, inventei:
_Fugi uma noite e encontrei um grupo de ciganos na floresta. Eles me disseram que, sendo uma nobre, seria melhor ficar com Oanna.
_Oanna?... Mas quem é esta O...
_Oanna Danesti, a condessa que Mika mencionou. _cortei, antes que ele se exaltasse em seus ciúmes.
Mika então interveio:
_A questão é que agora estamos juntos novamente e temos de agir rápido. Penso que Irina deve permanecer escondida e nos ajudando com a pequena milícia que Oanna lhe arranjou. Enquanto isso, vamos mantendo as coisas por aqui.
_Mas ela vai se pôr em perigo novamente. _questionou Nicolae.
_Não temos escolha! _arrematou Mika. _Conosco ela seria como o mel que atrai as abelhas. É melhor ela continuar "desaparecida", nos ajudando da melhor maneira que puder.
_Isso corta meu coração... _queixou-se Nicolae. _Mas que assim seja.
Ouvindo sua resposta, Mika olhou para mim, sorriu levemente e moveu as pálpebras de forma cúmplice. Não poderíamos revelar nem para Nicolae minha tarefa. Pelo menos até aquele momento...

quinta-feira, 10 de novembro de 2011

IVAN





















Eu e meus novos amigos cavalgamos alegremente, conversando, até que um perfume apertou meu coração: rosas!... Olhei em volta. Era impossível não reconhecer o ponto da estrada onde caçara toda a primavera e verão passados... com Calidora! Era o perfume dela que estava no ar. Parei Aghaton e vasculhei com meus olhos todo o entorno da estrada. Nada! O que era óbvio, pois meu instinto dizia que ela não estava mais ali. Mas estivera! Pouco antes de chegarmos...
Meus companheiros não entenderam minha súbita parada:
_O que houve, marquesa? _perguntou Florin.
_Calidora... _respondi já com os olhos vertendo lágrimas.
_Quem?... _não entendeu Florin.
_A vampira grega! _esclareceu Ioan.
Florin animou-se:
_Oh!... Aquela inesquecível fada!
A alegria de Florin apenas serviu para me aumentar a dor. Por isso ordenei:
_Vamos! Não temos tempo a perder!
Continuamos nosso rumo, agora a galope, e não tardamos a chegar no ponto da floresta determinado por Mihail. Para minha alegria, ele e um jovem cigano já nos aguardavam, de pé, acariciando seus cavalos. Sorrindo, nos saudou:
_Vejo que vocês vampiros tem sentidos realmente apurados, pensei que teria de vir vários dias aqui, para esperar por você, Irina. Mas mal cheguei e você já aparece.
Apenas sorrindo, sem responder nada, desapeei e fui abraçá-lo. Cobri seu rosto de beijos e logo começei a chupar o choro com as narinas.
_Mika... _consegui sussurrar apenas.
_Calma, Iri... Está tudo bem!... _acalmou-me beijando o ombro e acariciando-me as costas.
Uma vez mais calma, ele me apresentou seu jovem guarda costas:
_Este é Dino! _disse em romeno, para que o jovem cigano entendesse.
_Marquesa! _saudou-me Dino em romeno, curvando-se levemente.
Sorri e assenti ao seu cumprimento. Mika então apressou-se em me instruir, agora em nossa língua:
_Daqui a pouco tirarei a barba e apararei o cabelo, para poder voltar ao acampamento e ser reconhecido por Nicolae, Marton e os demais companheiros. Você ficará com os ciganos, jamais permanecerá em um mesmo lugar, isto é importante para sua segurança e para nossa estratégia.
Percebendo que não estaria segura com a família de Matuanka, pedi a Mika:
_Mika, não quero abusar de suas possibilidades, mas poderia encontrar um cigano por nome Mircea? Eu já o conheço, me sentiria mais segura com ele.
Ao me ouvir citar Mircea _mesmo sem entender nada do que eu e Mika falamos em magiar _Dino prontamente interveio, explicando em seu romeno cheio de sotaque:
_Mircea é meu amigo, está procurando por ele?
_Sim! _respondi imediatamente.
_Infelizmente ele não está na região, mas dois amigos dele, que são meus amigos também, estão: Demétrio e Ivan.
_Ivan! _exultei. _Onde ele está?
_Seu carroção está a menos de uma hora de viagem daqui. _respondeu Dino.
_Mika... vamos até ele. Por favor! _implorei.
Dino interveio novamente:
_Ivan é ótimo companheiro e excelente guerreiro, conhece toda a floresta, sua irmã ficará segura com ele. _garantiu a Mihail.
_Tudo bem, Iri! Tudo bem! Pode ficar com seu amigo, se isso lhe faz sentir segura. _aceitou Mika me abraçando.
Montamos em nossos cavalos e fomos até o carroção de Ivan. Para minha felicidade, não demoramos nem três quartos de hora para encontrá-lo. Ninguém estava do lado de fora, apenas uma fumaça saía da janela do carroção.
_Ivan! _gritou Dino.
Não demorou para que o pequeno Ivan surgisse na janela, com seu jeito característico de manó. Sorriu levemente ao ver Dino, mas me ver abriu um largo sorriso de satisfação. Veio imediatamente até nós e, ignorando completamente Mihail e até mesmo Dino, abraçou-me fortemente:
_Irina! Irina!... Bela Irina!... _repetia em romeno.
Parou então, contemplou-me o rosto e disse:
_Não estás mais grega. _riu. _Agora estás como os teus.
Acariciei seu rosto, com os olhos cheios d'água e nada consegui dizer. Ele me fitou por um tempo, também com os olhos já vermelhos de emoção e, talvez para não chorar, voltou-se a Mika e aos demais. Falando em sua língua, Dino o apresentou a Mika e aos meus guarda costas.
Para minha sorte, Ivan não estava com sua família. Na verdade, sua esposa e os dois filhos que possuía _mais o que ela esperava _estavam em algum lugar da Rutênia. Ivan comerciava tecidos e tapetes persas em Erdély, por isso frequentemente estava por aqui. Ao seu lado, sabia que teria proteção, amizade... e noites quentes!

sábado, 5 de novembro de 2011

AMALDIÇOADOS



























Segui então com minha nova comitiva pela estrada. Felizmente o inverno a deixara bem intransitável, desencorajando os viajantes. Nossa jornada seria tranquila. De hábitos corteses, como era de se esperar, Florin logo iniciou uma conversa para me descontrair.
_Dimitru nos falou que a senhorinha pertence à casa de Somlyó, e que é filha do grande Joszef, que era marquês deste condado.
_Sim, mas ele não deveria estar espalhando esta informação por ai. _respondi, ainda um tanto aborrecida e carrancuda.
_Não se preocupe, marquesa, somos bastante fiéis à Oanna, nossa suserana. Esta informação jamais chegou aos ouvidos dos inimigos de sua casa.
_Assim espero. _respondi secamente.
_Desculpe se a aborreci, marquesa. Permanecerei em silêncio, se assim desejar.
Percebendo estar sendo um tanto intransigente com um criado que poderia de ser inestimável valor, reconsiderei:
_Não, nobre Florin. Perdoe-me o mau humor. Não tenho boas relações com Dimitru. A presença dele foi que me aborreceu. Diga-me, quem o amaldiçoou?
_Nobre senhorinha, fui vítima de minha volúpia. Não resisti aos encantos de uma vampira que habita esta floresta e mais parece um fada. Não entendo o que ela fala, não parece ser ela mesmo deste mundo, mas lhe confesso que até hoje anseio por novos encontros com esta dama.
_Por acaso ela veste uma camisola e tem olhos muito maquiados? _indaguei rindo-me.
_Sim, vejo que a conhece.
_Claro que conheço Calidora! Somos como irmãs.
_Não sabe como me alegra esta informação senhorinha. Nem as damas da França me causaram tanta felicidade como sua amiga.
_Entendo. Mas por que ela lhe amaldiçoou? Calidora não é dada a ter este comportamento.
_Isto não importa. Nunca tive filhos, nem família para deixar desassistidos. Saiba apenas que as horas que antecederam à condenação de minha pobre alma foram as mais felizes de minha vida.
Sem conter-me, comecei a rir da polidez um tanto caricata de Florin. Talvez encorajado por meu riso, Ioan se aproximou. Ao vê-lo, não temi em perguntar:
_E você, Ioan, por que foi amaldiçoado?
_Era contrabandista. Uma noite, fui atacado pela senhorinha e sua amiga, no Lago de Santa Ana! _respondeu sem pejo, porém com um sorriso nos lábios.
_Como assim?! _reagi. _Nunca deixávamos sobreviventes!
Ele então reavivou-me a memória:
_A senhorinha me atacou, mas consegui escapar. Sua amiga foi atrás de mim e tentou me afogar, mas sou forte, desvencilhei-me dela e nadei até à tona. Consegui chegar à beira do lago, mas morri porque perdi muito sangue.
_Vênus!... Eu lembro desta triste noite!...
Ele então tranquilizou-me:
_Não se preocupe, senhorinha! Sempre soube que seria condenado, forniquei com todas as minhas irmãs! _completou soltando uma risada.
Ao sentirem nossa descontração, os dois últimos se aproximaram. Quando indagados sobre o motivo de sua maldição, foram sucintos:
_Eu e Ciprian éramos ladrões. _revelou Mircea _Éramos procurados em nossa terra. Somos da Moldávia. Fugimos para cá e fomos atacados, nesta estrada, por quatro estranhas mulheres.
_As pornae! _constatei imediatamente.
_Não sabemos como se chamam. _continuou Mircea _A única coisa que sei é que fui vítima desses demônios por não ter batismo.
_Não tem família? _investiguei.
_Contam que meu pai era ladrão e minha mãe rameira. Cresci como filho adotivo de uma solteirona que tinha muitos filhos adotados. Ela sobrevivia de fazer feitiços e nunca batizou qualquer um de nós._explicou Mircea.
Antes que eu perguntasse, Ciprian se apressou em contar:
_E eu sou o sétimo filho de meu pai, que também é o sétimo filho de meu avô, entende...
Assenti afirmativamente com a cabeça e fiz uma última pergunta:
_E como conheceram Dimitru?
Desta vez, Florin explicou:
_O bardo me encontrou pouco depois de eu ter despertado para minha nova vida. Ele disse que tinha mais amigos e me apresentou aos companheiros aqui presentes.
Ioan então narrou sua história:
_Quando despertei à beira do lago, corri atrás de sangue. Resolvi atacar um outro contrabandista, a quem já conhecia e não gostava. Chupei seu sangue e depois cravei minha faca em seu coração, para ele não reviver e vir se vingar. Agi assim com vários outros contrabandistas até que, ao matar um, ouvi alguém elogiar minha perícia. Virei-me para ver quem falava e dei de cara com Dimitru. Ele me disse que tinha uma senhora, que precisava de homens como eu.
Foi então a vez de Mircea e Ciprian:
_Quanto a nós _começou Mircea _ao despertarmos, atacamos os primeiros salteadores que encontramos. Também os matamos, como fez Ioan, pelo mesmo motivo. Cortamos suas gargantas. Penamos muito na floresta. Seríamos mortos pelos ciganos, se Dimitru não nos encontrasse a tempo e os iludisse. Ele então nos disse de sua senhora e de como ficaríamos melhor ao seu serviço.
_É... vejo que Dimitru é um anjo. Só não entendo porque este "anjo" me expulsou de sua caverna. _conclui.

sexta-feira, 4 de novembro de 2011

A TROPA AMALDIÇOADA



















Seguimos nosso caminho na madrugada. Pela manhã, para minha surpresa, encontramos corpos de soldados caídos, já meio encobertos pela neve, na estreita estrada do Cheile. Paramos e os averiguamos. Eram seis ao todo. Estavam com as gargantas cortadas e os pescoços ostentando perfurações de presas. Ao ver isso, Ion logo constatou exultante:
_Nossos companheiros do outro lado já os encontraram!
Ao ouvir isso, irritei-me, pois percebi que o reencontro com Dimitru estava próximo. Prosseguimos nossa viagem, encontrando mais corpos, sempre nas mesmas condições. Quase ao chegar ao outro lado, ouvimos um longo e entoado assobio. Ion parou e constatou:
_É Dimitru!
Paramos nossa marcha e, de fato, Dimitru surgiu ao alto do rochedo à nossa frente, acompanhado de mais quatro vampiros. Estavam todos a pé. Acenaram e desceram ao nosso encontro. Dimitru primeiro saudou Ion:
_Ion, meu grotesco amigo! _disse levantando seu chapéu de abas largas.
Quando voltou-se para mim, nada falou, apenas tirou o chapéu da cabeça _pousando-o sobre o peito _e curvou-se levemente, numa mesura. Não assenti à sua mesura. Voltou-se então para Ion:
_Oanna me incumbiu de limpar o caminho para a marquesa e poupar-lhes trabalho, pois precisa que você volte a partir daqui.
_Vocês se encarregarão da marquesa? _precaveu-se Ion.
_Com toda certeza, meu gigantesco amigo! _respondeu Dimitru.
Ion então voltou-se para mim e pediu:
_Me permite voltar com meus companheiros, doce Irina?
_Sim, Ion. _tranquilizei-o _Estarei bem com eles. Avise à Oanna que tudo saiu como planejara.
_Sim, marquesa.
Tirou seu chapéu e curvou levemente a cabeça, despedindo-se. Seus companheiros fizeram o mesmo:
_Irina... _saudaram sucessivamente, também descobrindo a cabeça.
Assenti a todos. Terminada a despedida, Ion pôs o chapéu e ordenou, rude como lhe era próprio:
_Vamos!
Sem demora, tomaram seus cavalos e partiram. Confesso que senti em deixá-los. Eu realmente me afeiçoara por aqueles monstruosos guerreiros. Finalmente me dirigindo a palavra, Dimitru convidou:
_Deve nos acompanhar agora... marquesa.
_Quem são seus companheiros? _perguntei secamente.
_Permita que os apresente. Este é Florin, este é Ioan, este é Mircea e este é Ciprian.
Cada um deles saldou-me cortezmente. Florin aparentava seus 35 anos, usava barba e demonstrava certo refinamento. Era visivelmente um nobre. Ioan era jovem e imberbe. Baixo e atarracado, demonstrava ser um camponês. Mircea e Ciprian demonstravam ser citadinos, pois vestiam-se à moda burguesa. Porém, causariam temor em qualquer mortal que os visse, pois tinham os olhos fundos e a palidez de quem acabou de sair da sepultura. Mircea usava bigodes, Ciprian, cavanhaque. Notei porém, que todos vestiam-se à moda corrente, demonstrando ser vampiros recentes. Não me admiraria se Oanna tivesse mandado Dimitru "arregimentá-los", entre os incautos viajantes da estrada.
Após cumprimentá-los, perguntei:
_Onde estão seus cavalos?
_Esperando por nós mais adiante. _respondeu Dimitru.
Segui então com eles. Demonstrando sua origem serviu, Ioan conduziu Aghaton, puxando-o gentilmente pela rédea. Não demorou a chegarmos até quatro cavalos. Neste momento, Dimitru se apressou em dar explicações:
_Meus companheiros a conduzirão mais adentro, até a estrada. Eu seguirei para a floresta, a partir daqui.
Curvou-se, tirando novamente o chapéu e despediu-se:
_Até mais, marquesa!
Não lhe respondi novamente. Ele simplesmente deu as costas e se foi. Florin falou então, gentilmente:
_Partamos, marquesa.
Voltei-me para ele, soltando leve e gentil sorriso e assenti positivamente. Ele e seus companheiros então montaram seus cavalos e seguiram comigo, rumo à estrada.

quarta-feira, 2 de novembro de 2011

LUZ






















Ao voltar para local onde havíamos deixado os cavalos, já encontrei Ion e seus amigos sentados, comendo pedaços de suas vítimas. Três cabeças estavam suspensas, com os cabelos amarrados por cordões, ao cabo de uma espada. Ao me verem, saudaram-me com bruta satisfação:
_Salve, Irina! Venha se regalar conosco! _saudou e convidou Ion, estendendo um braço.
_Grata, Ion, mas já estou satisfeita! _respondi educadamente.
Fui até Aghaton, para ver se ele estava assustado. Mas ele demonstrava tranquilidade.
_Tudo bem, meu menino, hum?... _perguntava acariciando-o.
Vendo-o tranquilo, tomei minha bolsa e dirigi-me ao rio. Lavei o rosto, os braços e as mãos. Como meu vestido estivesse ensopado de sangue, resolvi lavá-lo também. Gritei então para Ion:
_Ion!
_Sim, marquesa! _respondeu ele.
_Irei me banhar. Por favor, não venham para cá, enquanto eu não terminar.
_Será como deseja, marquesa. _respondeu Ion com impressionante humildade, demonstrando que Oanna realmente conseguira transformar aquelas feras em verdadeiros cavalheiros.
Com toda tranquilidade, tirei a capa e o vestido, agachei-me à margem do revolto Bicaz e comecei a me lavar. O sangue, meio congelado, meio coagulado, começou a se dissolver e escorrer por meu corpo, banhando meu umbigo e minha vulva. Com as mãos em cuia, recolhia e derramava a gélida água do rio, que levava o sangue da batalha consigo. Tirei então uma barra de sabão da bolsa e passei sobre o corpo. A espuma escorria como uma carícia. Agachei-me novamente, joguei água sobre o corpo e deixei que a espuma do sabão se juntasse à espuma do rio. Após lavar o corpo, comecei a lavar o vestido. Tinha de tomar cuidado, para que a correnteza não o arrastasse. Uma vez que o sangue já não deixava nele mais que uma mancha clara, torci-o para escorrer a água e terminei o serviço. Cobri-me com a capa e, protegendo ainda a frente com o próprio vestido, fui até meus companheiros. Eles haviam feito uma fogueira, para que eu pudesse secar a roupa. Conversavam tranquilamente entre si. Deitei-me então próxima à fogueira, cobrindo-me com o vestido, como se este fosse um lençol. O fogo me aqueceria e o secaria ao mesmo tempo. Embrulhada pela capa e pelo vestido, pousei a cabeça sobre a bolsa, usando-a como travesseiro e fui visitar o mundo dos mortos.
Lá chegando, passeei entre tünders e manós e dormi à sombra de um carvalho. Fui despertada pela voz da Dama de Azul.
_Irina! Acorde, Irina. _chamou com doçura.
Abri os olhos e ela estava de pé, olhando para mim, com as mãos cruzadas sobre o colo. Fui-me erguendo e protegendo os olhos, pois uma intensa luz saia de trás dela. Ela então começou a falar:
_Não se incomode com a luz que brilha atrás de mim, ela será sua protetora.
_Protetora? De que? _indaguei como uma criança.
_Você tem mais do que homens para enfrentar, Irina. Você enfrentará um demônio. Um demônio muito poderoso.
_Um demônio? Que tipo de demônio?
_Um vampiro mestre.
_Vampiro mestre? Não compreendo.
_Basta que entenda que ele é muito perverso, que não possui nenhuma piedade. Por isso você precisa desta luz.
_Mas... quem é ele?... _perguntei, ainda protegendo a vista da luz intensa.
_Você o conhece. Se o reconhecer a tempo, poderá matá-lo ainda no ovo.
_Mas... como? Onde está o ovo dele?...
_Veja você mesma. _respondeu ela.
De repente, como num milagre, um deserto terrível, como o de Drácula, se abriu à minha frente. Dentro de uma cratera rasa havia um imenso ovo negro. Eu era capaz de ouvir uma respiração dentro dele. Uma incomensurável opressão tomou meu coração. Antes que pudesse correr de horror, a Dama Azul me chamou:
_Desperte, Irina. Tudo será revelado na hora certa. Desperte!...
Senti uma sonolência, fechei os olhos e despertei. A noite já havia chegado. A neve caía suavemente em flocos.

terça-feira, 1 de novembro de 2011

TERROR



























Mergulhamos no frio e nas trevas. Imersos na floresta, seguimos a todo galope. Nada tínhamos a temer, apenas a ser temidos! Tudo à nossa volta passava com uma extrema velocidade. Nossa respiração e a dos cavalos fumegava na noite gelada. Nada se postava em nosso caminho, nem ousava! Éramos feras brutais em carreira desabalada! Espíritos tenebrosos das trevas! Vampiros!...
O dia raiou e não tememos sua chegada. A claridade se fazia, mas o sol se escondia sob um imenso céu branco. Uma espessa nuvem de neve se formava sob os cascos de nossos cavalos. Uma alcateia se aventurou em nossa direção. Rosnei, mostrando as presas! Meus companheiros fizeram o mesmo. A alcateia se dividiu em duas, nos deixando passar ao meio. Ganindo de pavor, os lobos foram-se para longe. De um ponto distante, caçadores nos observaram. Um beijou seu crucifixo, o outro fez o sinal da cruz.
Durante três dias cavalgamos à margem do Olt, como fantasmas assombrando os Cárpatos. Por fim, alcançamos o Cheile. Lá chegando, reduzimos a velocidade. Tínhamos de estar atentos à chegada de uma possível expedição, tendo em vista que o exército do príncipe deveria estar procurando székelys até nas cavernas. Paramos para alimentar e dar de beber aos cavalos. Os deixamos descansar e nos abrigamos à sombra de uma pequena gruta.
Ion e seus companheiros eram realmente aterradores, tiraram pedaços de uma estranha carne ressecada de dentro de suas toscas bolsas e começaram a devorar como feras. Tomei conhecimento do que estavam comendo quando Rudolf me estendeu um pedaço _uma mão! _oferecendo-o com a gentileza lhe era cabível: _Gruwrm... _grunhiu. _Apenas meneei negativamente a cabeça. Abri minha bolsa e tirei um naco de leitão assado e um pedaço de pão. Ainda não estava disposta a ser uma completa fera.
Outros dois dias se passaram sem que encontrássemos gente. Ao meio do terceiro dia, no entanto, fomos presenteados pela súbita visão de um grupo de soldados. Eu fui a primeira a vê-los em minha mente. Parei e fiz sinal para Ion e seus companheiros também parassem. De olhos fechados, os via cavalgando em marcha cansada. Eram exatamente trinta homens. O que demonstrava que o príncipe realmente temia por um possível exército rebelde escondido no Cheile. Não demorou para que meus monstruosos companheiros também os vissem. Fecharam seus olhos e começaram a fungar. Seus poderosos narizes já farejavam sua presa. Ion então falou:
_Estão a menos de duas horas de viagem, marquesa.
_Vamos cavalgar em marcha rápida, mas pararemos antes de alcançá-los. Parem ao meu sinal.
_Sim, marquesa. _concordou Ion.
Seguimos rápido adiante, até que o som dos cascos dos cavalos inimigos nos soassem como impertinentes gotas de chuva. Quando senti que estavam bem próximos, dei ordem para parar e instrui:
_Não os atacaremos frontalmente, mas em escaramuça. Eles vêm a passo lento, estão visivelmente abatidos pelo inverno e por sua jornada. Vamos matar o quanto pudermos e capturar apenas três, para nos alimentar e criar terror nos sobreviventes. Eles estão armados de pistolas e mosquetes, temos de ter cuidado, agir rápido. Os cavalos se assustarão com minha presença e se descontrolarão, demorarão a atirar por conta disso. Só os ataquem quando notarem sua total desorganização.
_ Iremos todos? Quem cuidará dos cavalos? _perguntou Fiodor.
_Rudolf, você ficará! _determinei.
_Sim, marquesa. _obedeceu o monstro.
Ion completou:
_Não se preocupe, amigo, traremos um pouco de comida para você.
Saltamos então dos cavalos e os deixamos à sombra de um rochedo. Havia arbustos com os quais podiam se entreter. Rudolf sentou-se próximo deles. Eu e os demais seguimos em frente, cobrindo nossos rostos com o capuz de nossas capas. Demonstrando larga experiência vampírica, Ion e seus amigos logo subiram nos rochedos, andando sobre eles como imensas aranhas predadoras, escondidas pelas sombras.
Não demorou para que a tropa surgisse à minha frente. Apesar da distância, os cavalos frearam e recuaram instintivamente, tão logo me viram. Notei a surpresa dos homens com o súbito temor dos animais. Resolutamente, a passos calmos mas precisos, continuei me aproximando. Os cavalos relinchavam, recuavam e estremeciam. Os homens tentavam acalmá-los. Consciente de que eu era a causa de seu temor, o capitão levantou a mão, e bradou em magiar:
_Quem vem lá?!
Nada respondi, apenas prossegui calmamente. Ouvi um dos homens falar alto:
_É apenas uma mulher!
Os demais começaram a cochichar entre si. Podia ouvir o que falavam: "_É uma vampira! Veja como os cavalos estão assustados!" _temia um. "_Bobagem! É uma rameira, vamos nos divertir com ela!" _se empolgava outro. Um terceiro conjecturava "_Pode ser uma cigana. Devemos ter cuidado, ciganas são feiticeiras." _Outro ainda, demonstrava perversa expectativa "_Pode ser uma viajante perdida, podemos fazer o que quiser com ela!..."
Eu simplesmente continuava minha serena marcha. Os cavalos recuaram mais um passo. Quando já estava à cerca de vinte e cinco pés de distância da tropa, receoso, o capitão ameaçou:
_Pare, ou eu atiro!
Parei. Baixei então o capuz e mostrei o rosto. Este estava deveras branco, devido aos dias em que passei em contato direto com o frio do inverno. Meus olhos azuis se destacavam como diamantes. Os cochichos aumentaram. Os cavalos se agitavam, tremiam e resfolegavam. O comandante indagou em voz alta:
_Quem é você, mulher?
Em resposta, estendi os braços para frente, abri as mãos e convidei em voz sussurrante:
_Venha!...
Apavorados, os cavalos começaram a fugir ao controle, empinando-se e relinchando. Chegou a vez dos soldados estremecerem:
_Vampira! Vampira! É uma vampira! _exclamavam vários ao mesmo tempo.
O comandante ainda tentou acalmar seu exército:
_Calma! Não se dispersem! Calma!
Com mais ênfase, agora já realmente encantando minha vítima, voltei a convidar, em voz mais alta:
_Venha!... Venha para mim...
Ele começou a sentir-se confuso, não compreendendo o que se passava consigo. Desatei o laço de minha capa e a deixei cair, mostrando-me apenas de vestido. Ele arregalou os olhos, tomado por minha beleza. Vários outros soldados também caíram sob meu encanto. O vento soprava um pouco forte, assobiando e esvoaçando meus cabelos. Voltei a me aproximar, pé ante pé, precisa como o lince, pronto para dar o bote.
_Venha!... Venha para mim... _continuava a convidar.
Fora de si, o comandante desapeou e veio em minha direção. Assustado, seu cavalo fugiu. Os demais animais se descontrolaram totalmente, fazendo grande alvoroço e desnorteando seus donos, que procuravam desesperadamente controlá-los. Ainda ouvi um soldado gritar:
_Capitão Ferenc!... Pare! Não vá até ela! Capitão Ferenc!...
Alucinado, o capitão prosseguia, até finalmente se pôr diante de mim, olhando-me nos olhos. Sedutoramente, envolvi seu pescoço com minhas mãos, me aproximei como se fosse beijá-lo e... finquei minhas presas em seu pescoço!... O sangue espirrou em jatos finos, porém fortes, que mancharam a neve de vermelho. O soldado que tentara salvar o capitão então gritou:
_Vampira maldita!... Volte para o inferno!...
Em seguida puxou a pistola e atirou desastradamente, acertando em cheio a cabeça de seu comandante. O tiro saiu-lhe pelo olho esquerdo, o que deixou claro que a maldição não mais se ocuparia daquele corpo. Podia ficar tranquila quanto a isso. Já saciada, larguei o corpo do capitão e o deixei tombar na neve. O sangue borrava tudo, de minha boca até o meio do vestido. Neste momento, talvez preocupados pelo tiro, Ion e seus amigos caíram sobre a tropa. Anton, o mais afoito, quebrou a pata dianteira de um cavalo, ao cair sobre sua presa. Demonstrou, contudo, sensibilidade ao pobre animal e, com a "delicadeza" que podia se esperar de alguém de sua natureza, o matou com um murro na cabeça. Os outros, por sua vez, tomavam soldados pelos braços e pés, como se fossem meros bonecos de pano, recheados de feno, e os atiravam, de um lado para o outro, contra seus companheiros. De dois a três homens eram derrubados ao mesmo tempo.
A despeito do tamanho, meus monstruosos companheiros foram rápidos e certeiros. Cumprida sua destrutiva missão, logo voltaram a subir nos rochedos, levando consigo aqueles que seriam seu repasto. Estes gritavam desesperados. Diante de tão aterrador espetáculo, os soldados se apressaram em fugir, alguns a pé, outros montados. Cavalos sem cavaleiros corriam em disparada. Um dos animais correu arrastando seu ocupante, que tinha o pé preso à sela pelo freio.
Com os dentes manchados de sangue, sorri e ri ao vê-los fugir. Era minha primeira vitória.