O sperma de Ciprian trouxe-me de volta à vida, o preço dele, porém, tinha de ser pago. À noite, Liev e seu séquito retornaram para um último festim. As criadas de Oanna eram em maior número do que eu imaginava. Além das que eu já conhecia, ainda havia mais quatro: Alexandra, que possuía um corpo esbelto, mas opulento nas pernas e quadris, e era de origem nobre, ostentando dois vivos olhos grandes, falsamente ingênuos; Cristina e Georgiana, duas típicas cortezãs romenas, de corpo opulento, olhos e cabelos castanhos e sorriso cheio de malícia; e por fim, Ilona, que era loira, magra e pálida, uma cortezã magiar, de Gyula. Todas vampiras! Oanna era realmente muito esperta, nada como um bordel com prostitutas que jamais cansariam de fornicar.
Desci à sala com um lindo vestido vermelho, mas parei ao pé da escada. Olhei para elas... ali, displicentemente sentadas a espera o gordo burguês, como boas prostitutas que eram. Só faltei vomitar fogo pela boca... Com um semblante feroz, corri até a sala ao lado. Irada, não parava de pensar: "_Uma reles prostituta!... Jamais!...".
Fiquei então ali, olhando pela janela um mar pinheiros no horizonte, ao cair da noite. Sentindo minha falta na sala, Oanna logo inquiriu quando me encontrou.
_Tentando romper o nosso trato?
Respondi sem olhar para ela, com outro questionamento:
_Como conseguiu montar este bordel amaldiçoado? Raptando mocinhas à beira das estradas, como fez comigo?
_Não, oferecendo trabalho e uma vida luxuosa à jovens cujo futuro seria envelhecerem perto de um fogareiro. Saiba que suas mães ficaram muito gratas comigo por isso... até o último dia de suas pobres vidas.
_Pobres coitadas!... _lamentei cheia de asco.
_Se acha melhor que elas, querida? _provocou.
_Certamente sou melhor do você, sua meretriz! _ofendi.
Oanna puxou-me então pelo braço, quase rasgando meu vestido, e começou em tom ríspido:
_Quero que saiba, sua marquezinha incestuosa!... que tudo o quanto lhe cerca não foi me dado de presente! Apesar de este castelo pertencer a meus ancestrais, tive de reconquistá-lo! Houve um tempo em que habitei as cavernas do Cheile, como você também fez miseravelmente um dia! Porém, depois de muito penar, aprendi que podia ganhar muito, se soubesse negociar com os ciganos. Os ajudei muito, seja limpando suas trilhas dos malfeitores, seja oferecendo meu corpo a eles. Confesso que sua amiguinha grega me serviu de exemplo para isso!...
_Vejo que conhece bem Calidora! _conclui puxando meu braço de suas garras.
_Sim. E digo a você que nunca covivemos em boa inteligência. Não podia ser diferente, éramos concorrentes. Porém, ela se dava melhor que eu naquele ambiênte. Por isso notei que deveria voltar ao meu devido lugar. Então, quando Drácula morreu na mão dos turcos, os ciganos me ajudaram a voltar para cá. Foram eles que me forneceram as primeiras mobílias decentes em muitos anos para este castelo.
_E quem a amaldiçoou? _investiguei.
_Fui amaldiçoada pelo último grande vampiro mestre que passou por esta região, Athanasius.
_Calidora mencionou-me seu nome uma vez.
_Não é de espantar, ele era grego, com ela!... Vieram do mesmo esterco!...
_E como veio parar aqui? _insisti.
_Chegou aqui antes mesmo dos romanos. Há quem diga que foi ele quem infestou esta região. Reza a lenda que era de Êfeso, que era um bruxo consumado e que se tornara vampiro para alcançar a imortalidade. Dizem que ele se deixou morder por uma lâmia ainda em sua terra, e que veio para cá quando já contava a idade de 300 anos.
_E o que o trouxe para cá? _quis saber.
_Os cristãos, ele fugiu dos cristãos. Dizem que o próprio Paulo o enxotou para o mar Egeu. Ele teria fugido para Creta, mas também encontrou cristãos por lá. Sendo assim, voltou ao continente. Andou pela Panônia, até chegar aqui, na antiga terra dos dácios. Estes, no entanto, tinham uma religião forte e o confinaram em uma caverna, fechada por imensa tampa de pedra. Com a chegada dos romanos, porém, ele foi libertado. O povo conta que os legionários retiraram a pedra, pois procuravam esconderijos rebeldes.
Oanna então parou um instante, olhou-se no espelho de mão, que sempre trazia consigo e vistoriou a maquiagem e o cabelo. Em seguida, prosseguiu:
_Durante mil anos ele esteve livre, se alimentando do sangue dos povos guerreiros que invadiram sussessivamente esta terra: os godos, os hunos, os ávaros, os gépidas... Hordas de tolos movidos pela ganância, tipo de gente que é o prato preferido dos vampiros. Sabe disso, não é, meu amor?!
Limitei-me a olhá-la, em silêncio. Ela continuou:
_As lendas populares contam como esta terra esteve impregnada de mortos vivos durante estes séculos de guerra. Foi só quando os magiares e seu povo székely se converteram à fé de Roma, e o rei István I aceitou a coroa das mãos do papa, que as coisas mudaram. O grande István começou a perseguir tudo o que não era cristão e Athanasius foi novamente encerrado em uma nova prisão. Sabe onde ela ficava?
_Onde? _perguntei como uma tola criança cuirosa.
_Bem aqui, onde hoje é este castelo.
Arregalei os olhos de supresa. Oanna continuou:
_Debaixo das masmorras, há catacumbas. Como são um espaço onde os antigos cristãos se refugiavam, possuem um imenso poder. Dizem que Athanasius perdeu os sentidos quando nelas adentrou, premido pelas hostes magiares. E continuaria seu sono eternamente, se Drácula e seus guardas imbecis não o libertassem, quando tomaram este castelo.
_Por que fizeram isso?
_Porque Drácula procurava esconderijos para armas. Ele transformou este castelo em um imenso depósito de armas. Ao se deparar com o corpo de Athanasius, simplesmente ordenou que o jogassem no rio Olt. Porém, já quando os soldados o conduziam, ele despertou e os atacou. Foi assim que uma nova geração de mortos vivos, da qual eu e você fazemos parte, começou.
_Ninguém o matou, ou confinou, desde então?
_Dizem que os turcos o expulsaram para a Rússia, invocando o grande Ala.
_E por que você se expôs a ele? _inquiri.
Oanna aproximou bem o seu rosto do meu e, olhando no fundo de meus olhos, respondeu:
_Porque o pai de Vlad, Dracul, matou meu pai... Depois, o próprio Vlad matou meus irmãos... em seguida meu marido... e por fim, matou meu filho... Meu único filho varão... Então eu decidi me matar, me jogando do alto das muralhas deste castelo. Fazia o mais horrível outono de toda minha vida. O mundo estava cinza, e só o que eu respirava era dor e desespero. Porém, no momento em que ia saltar, um homem coberto por um longo manto negro apareceu ao pé da muralha. Ele acenou para mim e me chamou com um gesto de mão. Conclui ser o Anjo da Morte e simplesmente joguei-me do alto, para cair em seus braços. Ele me segurou com firmeza, como se eu fosse uma criança. Não consegui ver seu rosto a princípio, pois estava meio oculto sob o manto. Quando me aproximei o suficiente, ele mostrou seu rosto pálido, de grandes olhos fundos, com pupilas vermelhas. Ele sorriu, mostrando longos dentes de lobo, e acariciou meu rosto com suas mãos geladas, de longas unhas. Era um ancião horrível, tão tenebroso que pensei ser Caronte. Quase não tinha cabelos, e os poucos que tinha, sobre a nuca, eram muito brancos. Suas alvas sobrancelhas se encrispavam. Ele então fechou meus olhos, marejados de lágrimas, com suas grandes mãos. Em seguida empurrou, delicadamente, minha cabeça para trás, pousando sua mão fria em minha testa. Meu pescoço estava à sua disposição... e ele não se demorou em desferir uma violenta dentada!... tão forte que fez o sangue subir por minha garganta e escorrer pelo canto de minha boca. Senti seu sabor ferroso...
Ele então calou-se por um momento. Em seguida olhou para mim com um semblante sombrio e confessou:
_Sabe por que procurei por você, Irina?
_Por que?...
_Porque não é a primeira vez que o "demônio branco" assola o Cheile Bicazului...
_O que quer dizer?
_Eu fui o primeiro "demônio branco"! Cem anos antes de você, eu assolei as trilhas do Cheile. Tornei-me uma besta tão grotesca que você sequer é capaz de imaginar... O que você vê hoje... é um verdadeiro anjo, comparado com o que já fui... Ainda lembro dos ossos que ficavam espelhados pela caverna em que eu habitava. Crânios, mandíbulas, costelas, fêmures... chupados até a medula! Tudo cheirando à morte. Parecia mesmo um açougue abandonado... ou um cemitério!... _zombou soltando um leve, dorido e sarcástico riso. Por fim, fitou-me com lágrimas grossas escorrendo dos olhos e concluiu:
_Eu já tinha me esquecido disso, Irina, até ouvir falar novamente no "demônio branco" e na "fada dos ciganos". Resolvi então ver para crer...
A fitei em silêncio, até ouvir Sanziana bater à porta:
_O senhor Liev acaba de chegar, condessa.
_Diga que já estou descendo! _respondeu Oanna com o rosto marejado e a maquiagem borrada.