A Grande Odalisca, de Ingres.
Como Ion havia dito, o espião apareceu... da maneira mais inusitada que eu podia imaginar. Oanna preparou uma grande festa, com direito à toda fartura de comida, bebida e mulheres. Todas as meninas estavam impecáveis. Oanna mandou chamar seu alfaiate preferido, Vasile, para preparar meu vestido. Pequeno, franzino e efeminado, aparentando seus 40 anos, Vasile chegou escandalizando todo o ar que encontrava pela frente. Ouvi suas ruidosas risadas, junto com os das criadas e Oanna. Desci para ver que balbúrdia era aquela e me deparei com sua minúscula e divertida figura, falando pelos cotovelos, em frente à porta. Sua tagarelice só foi estancada por minha presença, pois ele pareceu congelar quando me viu. Permaneceu em silêncio alucinado, fitando-me sem mover os olhos. Oanna e as criadas se impressionaram com sua atitude e voltaram seus olhares para mim também. Quando finalmente conseguiu falar, exclamou deslumbrado:
_Oanna!... Mas que jóia é esta que você esconde em seu castelo?!...
_É... Vasile, esta é Irina...
Vasile adentrou a sala, quase na ponta dos pés, parou diante de mim e pegou-me a mão (que era quente, demonstrando que ele não era um vampiro). Curvou-se então levemente e me cumprimentou:
_Encantado!...
Não resisti a tão caricata afetação daquele pequeno bobo e soltei um leve riso.
_Que sorriso lindo! _elogiou ele, erguendo a mãozinha, querendo apalpar-me o rosto.
Respondi a seu elogio baixando o rosto. Ele o acariciou e sentiu com sua pequena mão. Fechou então os olhos e, como se tivesse provado um vinho inigualável, diagnosticou:
_É como pêssego!...
Abriu então os olhos, tocou meu rosto com ambas as mãos e exultou:
_Deus é arrebatador quando nos dá provas de sua perfeição!
Foi desta maneira que começei uma longa amizade, com um dos melhores amigos de toda a minha vida. Nossa simpatia mútua foi instântanea, de forma que mesmo as longas horas que passei no quarto, parada, para tirar medidas, experimentar tecidos e pedaços de um futuro vestido, não pareceram mais que meros minutos. Tudo o que Vasile dizia era engraçado, tudo o que fazia exalava alegria! Sem falar em sua irrefutável dedicação. Fora o vestido em si, ainda arranjou meu penteado e ajudou-me a escolher as melhores jóias para a ocasião. Escolhi para a festa uma linda gargantilha, onde reluzia uma pedra de rubi incrustada. Esta, fora presente especial de Oanna.
Vasile já me dava os últimos retoques, quando invadiu-me as narinas um sedutor aroma.
_Que aroma é este? _indaguei capturada.
Cheio de misterioso requinte, Vasile respondeu:
_Acho que visitas ilustres chegaram...
Vasile já me dava os últimos retoques, quando invadiu-me as narinas um sedutor aroma.
_Que aroma é este? _indaguei capturada.
Cheio de misterioso requinte, Vasile respondeu:
_Acho que visitas ilustres chegaram...
Quando desci à sala, com Vasile levando-me pela mão, todos os presentes esqueçeram a música e olharam para mim. Ao centro do recinto, ao lado de Oanna, estava um homem de tez muito branca, que usava uma longa barba mais branca ainda, e se vestia à moda turca. Sua imagem inspirava respeito e admiração. Ele me olhou como que possuído e, depois de me contemplar em silêncio por alguns longos segundos, exclamou, em um romeno carregado de sotaque turco:
_Já vi muita beleza em tua casa, ó Oanna... mas... o que tenho diante de meus olhos... é uma jóia!...
Vasile levou-me então até o deslumbrado turco e passou minha mão para ele. Ele tomou minha mão, beijou-a e em seguida curvou-se, fazendo uma reverência em turco, cuja única palavra que entendi foi "Ala". Seus criados, também vestidos à maneira turca, o seguiram no reverente cumprimento.
Abrindo um largo sorriso, Oanna finalmente se aproximou e me apresentou ao ilustre estrangeiro:
_Irina, quero lhe apresentar o sultão Süleiman, o Magnífico!...
Surpreendi-me. Então aquele era o homem para quem János Sigismond se curvara! Jamais imaginaria um adversário tão admirável! Abaixei-me levemente e o cumprimetei:
_Encantada!
Após este momento de deferências e reverências, a festa recomeçou. Oanna nos conduziu para o lugar cativo do sultão, arranjado à forma oriental, com muitas almofadas sobre o chão, que estava forrado com um belíssimo tapete persa. Neste lugar o estranho aroma inundava o ar como nunca! Ele saía de chaleiras que soltavam vapores que chegavam a enevoar o ambiente. Os turcos bebiam um chá negro que era despejado destas chaleiras. Mal sentei, um dos criados turcos imediatamente me ofereceu uma bandeja com uma pequena vasilha, contendo o espesso chá negro. Era dele que saía aquele aroma encantador. Agradeci e aceitei a quente e fumegante vasilha. Porém, ao sorver seu conteúdo, decepcionei-me com seu amargor e fiz careta. Oanna sussurrou:
_Irina, seja educada....
Estava pronta a lhe dar mais uma resposta mal criada, quando uma ideia veio-me de repente à mente.
_Eles trouxeram açúcar? _perguntei.
_Sim, o sultão me presenteou com um generoso carregamento. _respondeu Oanna.
_Peça para uma das meninas trazer, por favor. _pedi fazendo careta.
Oanna chamou Sanziana e, após uma curta espera, o açúcar chegou em um pequeno recipiente. Tomei da colher e adocei a bebida quente até ficar do meu gosto.
O sultão riu ao ver-me fazendo isso e disse algo para mim, em turco. Oanna traduziu:
_O sultão disse que quem gosta de tomar o kahve com açúcar é sua neta, de cinco anos.
_Diga a ele que ela é uma menina sábia. _respondi virando a vasilha nos lábios.
No entanto, quando o fazia, meus olhos não puderam deixar de avistar uma figura familiar, que tocava flauta descontraidamente entre os demais músicos: Dimitru!... Fiquei de lábios caídos. Uma voz dentro de mim delatou imediatamente: "_Ele é o espião!".
_Irina, seja educada....
Estava pronta a lhe dar mais uma resposta mal criada, quando uma ideia veio-me de repente à mente.
_Eles trouxeram açúcar? _perguntei.
_Sim, o sultão me presenteou com um generoso carregamento. _respondeu Oanna.
_Peça para uma das meninas trazer, por favor. _pedi fazendo careta.
Oanna chamou Sanziana e, após uma curta espera, o açúcar chegou em um pequeno recipiente. Tomei da colher e adocei a bebida quente até ficar do meu gosto.
O sultão riu ao ver-me fazendo isso e disse algo para mim, em turco. Oanna traduziu:
_O sultão disse que quem gosta de tomar o kahve com açúcar é sua neta, de cinco anos.
_Diga a ele que ela é uma menina sábia. _respondi virando a vasilha nos lábios.
No entanto, quando o fazia, meus olhos não puderam deixar de avistar uma figura familiar, que tocava flauta descontraidamente entre os demais músicos: Dimitru!... Fiquei de lábios caídos. Uma voz dentro de mim delatou imediatamente: "_Ele é o espião!".
A festa seguiu alegre, com Dimitru simplesmente fingindo não me conhecer. Fiquei junto ao sultão, observando, de longe, seus mínimos atos. Em determinado momento, em que os músicos deram uma pausa, o que eu esperava aconteceu. Oanna levantou-se, pediu liscença ao sultão e dirigiu-se para junto dos músicos. Sequer deu atenção aos outros, seu alvo direto... foi Dimitru. Disse-lhe algo em tom baixo, próximo ao ouvido. Ele não olhou para ela, apenas meneou a cabeça positivamente e se retirou. Os outros músicos foram em direção à cozinha. Apenas ele se postou sozinho e isolado ao pé da escada, claramente esperando. Logo Oanna _que fora dar algumas instruções à Dorotheea _voltou até ele e ambos subiram. E eu sabia que eles não teriam um encontro amoroso.
Esperei ainda um momento, antes de pedir licença ao sultão, subir e ir escutar a conversa dos dois. De fato, ao encostar o ouvido na porta da sala particular de Oanna, notei que o tom da conversa não era dos melhores. Ouvi Dimitru dizer:
_Apenas vejo cavaleiros indo e vindo para lá e para cá na floresta. Os ciganos dizem somente que é uma guerra entre senhores e que não querem se meter. Ninguém me diz mais nada.
_Você perambula por dois condados e é só isso que tem para me dizer? _reclamava Oanna.
_Não sei de mais nada. Mas se isso for importante, a guerra é entre magiares! _respondeu Dimitru.
_Magiares?! _surpreendeu-se Oanna.
_Sim. Todos os cavaleiros que vi falavam magiar e os ciganos confirmaram que a contenda era entre os magiares.
Neste momento, veio-me um estalo! Magiares?!... A imagem de papai surgiu imediatamente em minha mente, meu coração apertou. Afastei-me da porta, já havia ouvido o suficiente. Como podia estar me perdendo em luxúria, enquanto papai precisava de mim? Senti tê-lo traído! Censurei-me! Desnorteada, fui para o pátio. Fiquei chorando e olhando para as estrelas. Uma lua crescente aumentava minha aflição. Não demorou para que o céu se enchesse de nuvens enferrujadas e os trovões ressoassem. A primavera terminava, um verão infernal prometia chamas! Com um relâmpago cortando minha alma, a tempestade desabou. Cai de joelhos sobre o chão. Minhas lágrimas se perdiam na chuva.